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Sábado, 13 Março 2021

A diferença entre o multiculturalismo, por um lado, e o interculturalismo, por outro lado

Filed under: ética,Karl Popper,multiculturalismo,Sociedade — O. Braga @ 8:32 pm
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As ideias de Karl Popper têm sido (em geral) adulteradas e manipuladas, não só (malevolamente) pela Esquerda declaradamente marxista, mas também idiota- e principalmente pelos chamados “liberais”.

Por exemplo: quando Karl Popper defendeu positivamente a convivência entre culturas diferenciadas — por exemplo, a convivência entre as diferentes culturas que se cruzaram no império austro-húngaro — que se reflectiam na cultura vivaz da cidade de Viena do princípio do século XX, Karl Popper não quis defender o multiculturalismo (como é, assim, alegado pelos ditos “liberais”); e isto porque a convivência entre culturas diferentes do império austro-húngaro foi sinónimo de uma claríssima superioridade social da cultura e língua de origem alemã — de tal forma que, ainda hoje, a língua alemã é correntemente falada na Hungria.

Ou seja:

  • no império austro-húngaro, “todas as culturas eram iguais”, embora uma delas (a cultura austríaca de origem alemã) fosse “menos igual do que todas as outras”; a predominância cultural, social e civilizacional da cultura de língua alemã era por demais evidente no império austro-húngaro;
  • o multiculturalismo é o igualitarismo cultural, ou seja, a defesa do acantonamento e do isolacionismo das diversas culturas presentes em um determinado espaço político. O multiculturalismo é a antítese do fenómeno social de convivência intercultural que se verificou no império austro-húngaro.

O que se verificou no império austro-húngaro foi um interculturalismo, e não um multiculturalismo.

No interculturalismo, está sempre subjacente uma hierarquia de valores que se reflecte na predominância (comummente aceite pelos intervenientes de todas as culturas em presença) de uma certa cultura em relação às outras, com as quais convive livremente.

No multiculturalismo, as diversas culturas em presença em um mesmo espaço político, acantonam-se e isolam-se, em nome de uma putativa “igualdade” entre elas. Ora, isto (o multiculturalismo) é exactamente o oposto do que defendeu Karl Popper.


karl popperO conceito de “etnocentrismo” — de que nos fala aqui a professora Helena Serrão, citando um relativista ideológico de seu nome Augusto Mesquitela Lima — aplica-se perfeitamente a uma sociedade multiculturalista, embora no sentido negativo (porque existe um etnocentrismo positivo, que é o que promove activamente a coesão do Todo social em uma sociedade étnica- e culturalmente homogénea).

Em uma sociedade dita “multiculturalista” (que não é a mesma coisa que “sociedade multicultural” ou “interculturalista”), existe um etnocentrismo negativo acantonado em cada uma das culturas antropológicas existentes e igualitariamente consideradas em um mesmo espaço político (por exemplo naquilo a que o presidente francês Emmanuel Macron, mas também e agora a Marine Le Pen, chamam de “separatismo islâmico” em França) .

Em suma, existe uma contradição fundamental no texto do tal Augusto Mesquitela Lima citado pela professora Helena Serrão, que consiste em afirmar, por um lado, uma crítica ao etnocentrismo, e, por outro lado, a defesa do relativismo igualitarista inerente ao multiculturalismo — porque uma das características do multiculturalismo é precisamente o exacerbar do etnocentrismo enquanto recusa de incorporação de uma das culturas no Todo social e político.

Numa sociedade interculturalista (por exemplo, a do império austro-húngaro), não existe o relativismo cultural defendido pelo Mesquitela, na medida em que existe uma hierarquia nas culturas em presença. E o multiculturalismo é a recusa dessa hierarquia entre culturas.

A posição ideológica do Mesquitela reflecte a ideia grega dos sofistas, segundo a qual “o homem é a medida de todas as coisas”; mas, ainda assim, o Mesquitela entra em contradição fatal (passo a citar um trecho do referido texto):

“A posição relativista (cultural) não significa, de forma alguma, que todos os sistemas de valores, todos os conceitos de bem e de mal, assentem sobre areias tão movediças que não haja necessidade de uma moral, de formas de comportamento estabelecidas e aceites, de códigos éticos.

Aliás, o relativismo cultural é uma filosofia que aceita os valores estabelecidos em qualquer sociedade, acentuando a dignidade inerente a qualquer desses sistemas de valores e a necessidade de tolerância em relação a eles, embora possam diferir dos que adoptamos e pelos quais nos conduzimos. Reconhece ainda a necessidade de conformidade com normas estabelecidas, como condição necessária para a normalidade da vida em sociedade.”

Segundo o Mesquitela, por um lado existe a necessidade da existência de uma ética (que, por definição, tem que ser universal e é imposta a toda a sociedade por uma determinada cultura antropológica); mas, por outro lado, o Mesquitela defende que todas as culturas presentes na sociedade (por mais dispares que sejam, entre si) produzem éticas equivalentes e igualmente dignas de respeito. Isto é digno de um idiota.

Sábado, 8 Março 2014

Por que é que a mulher tem que ir trabalhar para a fábrica?

Filed under: cultura,Sociedade — O. Braga @ 5:15 pm
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O dia 8 de Março foi decretado “Dia da Mulher” por Lenine, em 1921, para obrigar a mulher russa a sair do lar e ir trabalhar para a fábrica. É esse dia de Lenine que você comemora hoje!

dia da mulher web

¿Por que é que a mulher tem que ir trabalhar para a fábrica? Por que é que não se criam as condições culturais, sociais e económicas para que a mulher, se assim preferir, possa ficar em casa a cuidar dos filhos e da sua família? Por que é que o trabalho feminino e doméstico é inferiorizado na nossa cultura actual?

A resposta está nos dois lados do mesmo problema: o marxismo e o neoliberalismo.

Terça-feira, 18 Fevereiro 2014

Uma sociedade sem o conceito de “milagre” é uma sociedade destruída

 

No fim de cada tentativa de fundamentação da realidade, surge apenas aquilo que foi introduzido nela no início. Fazendo uma analogia: se introduzirmos carne em uma picadora de carne, obtemos carne picada com o resultado da nossa acção — e não outra coisa qualquer.

Assim, em uma sociedade fundamentada no materialismo não pode haver lugar para um Deus imaterial, porque a própria hipótese de um mundo exclusivamente material implica a não existência de Deus. O pensamento humano é circular e contraditório, por natureza.

Em uma sociedade em que não há lugar para um Deus imaterial, também não há lugar para os milagres — mesmo que eles aconteçam a cada momento. No fim da tentativa da fundamentação materialista da realidade, surge apenas materialismo e nada mais do que isto. E, em uma sociedade materialista, o ser humano não consegue ver nada senão matéria, e é por isso que os milagres deixam de existir, porque ninguém os vê.

Sábado, 30 Novembro 2013

A prostituição é um problema social insolúvel

 

Não existem provas, mas é provável que no paleolítico já existissem prostitutas; estou a imaginar um homem do Neandertal a oferecer uma bugiganga qualquer à mulher do vizinho em troca de sexo. Em algumas actuais tribos índias da Amazónia, é normal um homem “partilhar” a sua mulher com outro homem em troca de trabalho na caça e na pesca; e, que eu saiba, elas não se queixam.

prostituta
Kant estabeleceu o seguinte imperativo prático: “Procede de modo a tratar a humanidade, na tua pessoa como na dos outros, sempre como fim e nunca como simples meio”. Porém, um princípio ético não pode ser imposto através do Direito Positivo, como tentam fazer os socialistas franceses e certos puritanos de direita (os tais “católicos fervorosos”): o princípio ético tem que existir antes da lei, ou seja, o princípio ético tem que ser interiorizado através da educação. A lei e o Direito Positivo não substituem a sensibilidade ética que só é adquirível por intermédio da educação desde tenra idade: é necessário que as nossas crianças voltem a ter aulas de Religião e Moral na escola pública.

Os políticos franceses caem em uma contradição: por um lado, pretendem criminalizar o cliente da prostituta, mas, por outro lado, pretendem despenalizar ou descriminalizar o acto de aliciamento público por parte da prostituta. Ou seja: passaria a ser crime que um homem ceda ao aliciamento por parte de uma prostituta, mas deixaria de ser delito que a prostituta alicie o homem. Dá-me ideia de que a política francesa se rege pelos princípios éticos do Marquês de Sade.

O que é surpreendente na classe política democrática é a ideia segundo a qual “a lei impõe a ética”. Esta ideia abstrusa e absurda é de origem protestante e sobretudo luterana. Os políticos partem do princípio irracional segundo o qual se uma determinada lei é aprovada em um qualquer parlamento circunstancial, passa a ter força de princípio ético legítimo e validado. Isto é absolutamente surpreendente, e faz recordar a seguinte máxima de Nicolás Gómez Dávila:

“O sufrágio popular é hoje menos absurdo do que ontem: não porque as maiorias sejam mais cultas, mas porque as minorias são menos.”

A solução possível para o problema da prostituição passa, por um lado, pela educação das nossas crianças em uma ética cristã e não-utilitarista; e por outro lado, fazer o que Salazar fez: circunscrever as prostitutas que ainda existam a áreas bem definidas, com lupanares autorizados pelo Estado, e com as prostitutas sujeitas a constante vigilância médica obrigatória.

Sábado, 3 Agosto 2013

A confusão do Neanderthal contemporâneo

O Padre Portocarrero de Almada confunde aqui “divisão do trabalho”, que é uma característica endógena do homo sapiens que nem sequer Karl Marx colocou em causa, por um lado, com “machismo e repressão da mulher”, por outro lado. Muito sinceramente, não gosto do discurso do Padre, porque não contribui para a resolução do problema da permutabilidade dos indivíduos (não só entre homem e mulher) na sociedade actual, e pelo contrário acaba por ser um esteio para essa mesma permutabilidade. Quando, numa sociedade, quaisquer dois indivíduos são absolutamente permutáveis e intermutáveis, vivemos numa sociedade orwelliana e de pesadelo.

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Domingo, 9 Junho 2013

O director não-executivo da Goldman Sachs está de acordo com o Bloco de Esquerda

O representante da ONU e organizador do Fórum Global da Migração e Desenvolvimento é o inglês Peter Sutherland que é, também, director não-executivo do Banco Goldman Sachs International, e foi presidente do grupo petrolífero BP (British Petroleum).

¿ E o que é que o director não-executivo da Goldman Sachs (que “por acaso” é o organizador do Fórum Global da Migração e Desenvolvimento) defende, no que diz respeito às migrações populacionais e ao multiculturalismo ? Exactamente aquilo que o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista defendem! Ou seja, o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda estão de acordo com a Goldman Sachs.

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Sábado, 11 Maio 2013

O trabalho e a ‘indiferenciação da diferença’

Sobre este verbete:

1/ Não é verdade que nas sociedades primitivas — no neolítico — não tenham existido estratos sociais.

A pulverização de direitos individualizados, para além de subverter o Direito que passa a adequar sistematicamente a norma ao facto, faz com que a noção cultural de pessoa moral seja largamente substituída, na sociedade, pela noção de indivíduo entendido como unidade fisiológica e biológica. Este fenómeno actual de subalternização ou mesmo de desvalorização da pessoa moral, em favor do indivíduo entendido como unidade biológica que se caracteriza essencialmente por diferenças fisiológicas, é um produto da anomia e da “indiferenciação da diferença” e, por isso, é a causa de um processo de construção de um novo tipo de “tribalismo” que se caracteriza por tornar o indivíduo permutável e socialmente indiferenciado.

A antropologia demonstrou, através do estudo de sociedades tribais primitivas, por exemplo, entre as tribos da América do Sul ou do Bornéu, que nessas sociedades também existiam e existem estratos sociais (só não são “classes” propriamente ditas porque a população de uma tribo é pequena). O que acontece é que essas tribos têm um número reduzido de indivíduos — frequentemente, uma tribo pouco mais é do que uma aldeia —, e por isso as distinções grupais ou de “classe” dentro da tribo (mas não distinções “individuais”, que é outra coisa) tornam-se mais difíceis de identificar para quem olha a tribo a partir de fora. Mas dentro dela, os estratos grupais e as funções sociais são claramente distintos definidos.

À medida em que o número de indivíduos foi aumentando e a tribo foi-se expandindo em um determinado território, os estratos sociais existentes tornaram-se mais visíveis.

2/ o trabalho visto como uma “alienação do Desejo” (a alegada “Era de servidão em que vivemos”) é uma alienação marxista que decorre de uma fé metastática. A utopia marxista de transformação da realidade, segundo a qual o actual “reino da necessidade” se transmuta na certeza de um futuro em que surgirá o “reino da liberdade” (Engels) é o equivalente psicótico da “mão invisível” do mercado. Em ambos os casos, lidamos com doentes mentais graves, com psicoses irreversíveis.

3/ Dizer que na tribo primitiva existia “uma liberdade de ausência de constrangimentos sociais” também é falso.

Pelo contrário, na tribo primitiva o indivíduo apaga-se, desvanece-se face à sociedade liderada por uma pequena elite (podem ser os anciãos e/ou o curandeiro, ou o chefe guerreiro e a sua família, etc.). Não é possível conceber um maior grau de “constrangimento social” senão numa sociedade em que o indivíduo é permutável (tanto faz um indivíduo como outro qualquer) e se torna quase indistinto face ao grupo. (more…)

Terça-feira, 16 Abril 2013

A erradicação do estigma social e a atomização da sociedade

Ainda há pouco tempo havia o estigma social que unia e consolidava a comunidade. O estigma social não era necessariamente fundado na lei, mas sobretudo na cultura antropológica, no senso comum, na lei natural ou lei racional, e na tradição com mais ou menos defeitos. O estigma social colocava os comportamentos-padrão de uma esmagadora maioria da sociedade em oposição aos de minúsculas minorias culturais.

Hoje, o poder do estigma social já não pertence à cultura antropológica, mas antes foi transferido para o Direito Positivo, o que traduz uma real perda da liberdade da sociedade em geral. A lei é produto da “vontade geral” controlada pelas elites, o que significa que a tendência da política é a de uma progressiva restrição das liberdades, e a ponto de os cidadãos virem a ter tendencialmente menos liberdade, real e efectiva.

A ilusão política, com que as elites actuais enganam os povos, consiste em convencer os cidadãos que cada vez mais “direitos” individuais se traduzem em mais liberdade individual. De facto, cada vez mais “direitos” conduzem a uma liberdade da indiferença, e à anomia, e por isso, à atomização da sociedade.

A transferência da capacidade de estigmatização social para o Direito Positivo formal e processual, retirando-a da cultura antropológica e da tradição, transforma cada e todo o cidadão em um prevaricador em potência face ao Estado. E é nisto que consiste o totalitarismo “suave” construído pelas elites actuais. Se todos são, perante o Estado e perante as elites que definem as leis, prevaricadores em potência, todos os cidadãos são passíveis de uma estigmatização omnipresente através da lei — porque à partida ninguém é inocente; o ónus da prova é invertido pela própria lei.

A sensação de culpa, própria dos estigmatizados sociais, está agora distribuída pela sociedade em geral, de forma quase indiscriminada e segundo critérios tendencialmente nepotistas e arbitrários; já não cabe à esmagadora maioria — à cultura antropológica — definir os tipos de estigmas sociais: em vez disso, é a lei, produzida pelas elites, que derrama o estigma social por todos os cidadãos, tratando-os como bandidos em potência.

A última fase da construção deste novo tipo totalitarismo é o da destruição da instituição que se interpõe entre o indivíduo e o Estado. Essa instituição é a família natural. E essa destruição está em curso.

Com a destruição da família natural ou nuclear, o cidadão fica definitivamente isolado face ao Estado, e é neste contexto que se institui, por exemplo, o “casamento” gay como um direito negativo — quando até há pouco tempo o casamento era, na cultura antropológica e na tradição, um direito positivo (e sendo um direito positivo, implicava a existência de deveres e de obrigações, por um lado, e por outro lado implicava a estigmatização de quem não respeitasse esse direito positivo). Transformar o casamento em direito negativo é um passo importante para a atomização da sociedade que, por sua vez, é uma peça fundamental da consolidação do novo totalitarismo.

Domingo, 14 Abril 2013

A eficiência ineficiente dos nossos dias

Filed under: Sociedade — O. Braga @ 3:56 pm
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“A eficiência é menos complexa nos nossos dias. Por isso, a ineficiência pode passar facilmente por eficiência, e ser efectivamente, eficiente.” — Fernando Pessoa, “Erostratus”

Sábado, 13 Abril 2013

Fernando Pessoa e o bárbaro moderno

«Outro elemento da notoriedade chamada fama é ser-se bárbaro. Por ser bárbaro, quero dizer, chegar à civilização vindo de fora dela; pertence-lhe pelo número da porta mas sem alma para compreender porque se fizeram as ruas e se puseram números na antiga tradição das portas separadas.

(…)

fernando pessoa corpo inteiro webA característica moral definida dos segundos [os bárbaros] é a sua amoralidade; tanto Shakespeare como Whitman eram indiferentes aos valores morais, excepto na medida em que estes eram susceptíveis de serem convertidos pela emoção temporária em valores estéticos. Diga-se de passagem que ambos eram pederastas…

O facto essencial do bárbaro é que é completamente moderno; é do seu tempo porque a raça, a que pertence, não tem tempos civilizacionais anteriores.

Não tem antepassados fora da biologia. O traço comum de Lenine e Shaw é o de quando apelam para algo fora deles próprios, apelam a coisas como a humanidade, que é a expressão comum para a espécie animal que tem a forma humana, e inexistente fora da zoologia ou da ciência, e que não tem nada a ver com o espírito humano excepto ser por ele produzida, mas não para ele.

O negro usa sempre a última moda. O canibal, se aqui estivesse, mandaria vir sempre os pratos mais modernos. Ambos, por motivos óbvios, se sentem, por vezes, pessimistas.»

— Fernando Pessoa, “Erostratus”

A opressão para-totalitária da classe política em relação ao povo

A classe política decidiu que vivemos em liberdade, e como que por acção de uma varinha mágica, passamos a “viver em liberdade”.
Mas a verdade é que não é porque a classe política “decide” que vivemos em liberdade que, por sua alta recreação, passamos de facto a viver em liberdade. Para que vivamos em liberdade não chega a manipulação sistemática da opinião pública por parte da classe política: é preciso também que a classe política respeite o senso-comum e uma ética racional.

Quando a opinião pública muda tão rapidamente como tem mudado em assuntos tão diversos como a submissão canina e indigna à União Europeia ou ao “casamento” gay, então, ou a opinião não mudou de facto, ou a sociedade não é livre — porque a opinião pública, numa sociedade que seja de facto livre, não muda com a rapidez que tem mudado nos últimos dez anos. Já não vivemos em democracia; e a “liberdade” é apenas aquilo que a classe política quer que seja.

A classe política — tal como Rousseau preconizou mediante o conceito abstracto, abstruso e absurdo de “vontade geral” — “obriga os cidadãos a serem livres”. O povo é obrigado a ser livre em conformidade com o conceito exclusivista de “liberdade” imposto pelas elites.

Quinta-feira, 11 Abril 2013

Fernando Pessoa e o antídoto da aristocratização

«A nossa civilização corre o risco de ficar submersa como a Grécia (Atenas) sob a extensão da democracia, de cair inteiramente nas mãos dos escravos, ou então de ficar como Roma, não nas mãos de imperadores filhos do acaso e da decadência, mas de grupos financeiros sem pátria, sem lar na inteligência, sem escrúpulos intelectuais e sem causa em Deus.

O único antídoto para isto é uma lenta aristocratização.»

— Fernando Pessoa, 1920.

A aristocratização que nos fala Fernando Pessoa é a criação de uma elite digna desse nome ou propriamente dita, que já existiu em Portugal no século XX mas que nas últimas três décadas tem vindo paulatinamente a desaparecer com o surgimento dos “trabalhadores da undécima hora”.


O mestre Adriano Moreira, no seu livro “Tempo de Véspera”, escreveu o seguinte:

“(…) os trabalhadores da undécima hora só prosperam quando as batalhas forem ganhas, os tempos cumpridos, os sonhos realizados. Não são os que ficaram silenciosos, os que participaram na acção, que fizeram o mundo em que vivemos. Acontece que estão lá na época da colheita. Os que fazem o mundo são os outros, são os que transformam as ideias em palavras e as palavras em acção.
(…)
É porque os velhos lutadores estiveram nos debates, responderam à chamada para o combate, participaram nas carências, correram todos os riscos, que chega algum dia em que batem as pancadas da undécima hora. Os construtores do mundo, de uso não têm mais do que dez horas para viver. A colheita em regra não lhes pertence.
(…)
O grande destino que lhes coube e cumpriram foi o de preparar a vinda da undécima hora.”

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