Sobre este verbete:
1/ Não é verdade que nas sociedades primitivas — no neolítico — não tenham existido estratos sociais.
A pulverização de direitos individualizados, para além de subverter o Direito que passa a adequar sistematicamente a norma ao facto, faz com que a noção cultural de pessoa moral seja largamente substituída, na sociedade, pela noção de indivíduo entendido como unidade fisiológica e biológica. Este fenómeno actual de subalternização ou mesmo de desvalorização da pessoa moral, em favor do indivíduo entendido como unidade biológica que se caracteriza essencialmente por diferenças fisiológicas, é um produto da anomia e da “indiferenciação da diferença” e, por isso, é a causa de um processo de construção de um novo tipo de “tribalismo” que se caracteriza por tornar o indivíduo permutável e socialmente indiferenciado.
A antropologia demonstrou, através do estudo de sociedades tribais primitivas, por exemplo, entre as tribos da América do Sul ou do Bornéu, que nessas sociedades também existiam e existem estratos sociais (só não são “classes” propriamente ditas porque a população de uma tribo é pequena). O que acontece é que essas tribos têm um número reduzido de indivíduos — frequentemente, uma tribo pouco mais é do que uma aldeia —, e por isso as distinções grupais ou de “classe” dentro da tribo (mas não distinções “individuais”, que é outra coisa) tornam-se mais difíceis de identificar para quem olha a tribo a partir de fora. Mas dentro dela, os estratos grupais e as funções sociais são claramente distintos definidos.
À medida em que o número de indivíduos foi aumentando e a tribo foi-se expandindo em um determinado território, os estratos sociais existentes tornaram-se mais visíveis.
2/ o trabalho visto como uma “alienação do Desejo” (a alegada “Era de servidão em que vivemos”) é uma alienação marxista que decorre de uma fé metastática. A utopia marxista de transformação da realidade, segundo a qual o actual “reino da necessidade” se transmuta na certeza de um futuro em que surgirá o “reino da liberdade” (Engels) é o equivalente psicótico da “mão invisível” do mercado. Em ambos os casos, lidamos com doentes mentais graves, com psicoses irreversíveis.
3/ Dizer que na tribo primitiva existia “uma liberdade de ausência de constrangimentos sociais” também é falso.
Pelo contrário, na tribo primitiva o indivíduo apaga-se, desvanece-se face à sociedade liderada por uma pequena elite (podem ser os anciãos e/ou o curandeiro, ou o chefe guerreiro e a sua família, etc.). Não é possível conceber um maior grau de “constrangimento social” senão numa sociedade em que o indivíduo é permutável (tanto faz um indivíduo como outro qualquer) e se torna quase indistinto face ao grupo. (more…)