perspectivas

Terça-feira, 26 Janeiro 2016

O Portugal da democracia representativa não tem futuro

Filed under: nacionalismo — O. Braga @ 2:43 pm
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“A estratégia de um Estado tem a ver com a concepção, organização, desenvolvimento e aplicação de Poder para fazer face e ultrapassar os obstáculos que se apresentem, em cada momento, e que dificultem a realização dos objectivos do mesmo.

Qualquer Estado deve possuir, portanto, um instrumento que, por de cima dos diferentes ângulos de visão política partidária e sectorial, estabeleça os objectivos permanentes da nação, que representa, e a estratégia a seguir para os alcançar. Um Plano Estratégico Nacional”.

Miguel Mattos Chaves

O Plano Estratégico Nacional, segundo os critérios de Miguel Mattos Chaves, ¿será possível em Portugal? Vou tentar demonstrar aqui que não é possível. Para que seja possível em Portugal um Plano Estratégico Nacional terão que existir elites, ou melhor, aquilo a que Fernando Pessoa chama de “escol”:

“A crise central da nacionalidade portuguesa deriva da sua impotência para formar escóis. Uma nação vale o que vale o seu escol.

As descobertas e as conquistas que se lhe seguiram, a emigração e as guerras que ambas motivaram, arrastavam consigo, como é natural, a parte mais forte, mais audaz, mais competente da nação. Assim se foi destruindo o escol.

O pior é que o escol se não renovou. Quer isto dizer que não tornaram a haver circunstâncias criadoras de um escol, ou, pelo menos, de um escol perfeito.

¿Quais são as circunstâncias criadoras de um escol? Um escol é tanto mais perfeito quanto mais: diferente é do resto da população em grau de tudo; quanto mais está contudo unido a esse resto da população por um interesse nacional; acção que tem sobre esse resto da população.

O escol não quer dizer uma classe, mas uma série de indivíduos.

Condições auxiliares do escol: a aristocracia de sangue, pois estabelece a cisão no país; um país democratizado baixa imediatamente o nível do escol.

Condições biológicas: não intervenção do Estado em matéria biológica ou demótica. Condições económicas: regime concorrencial o mais apertado possível”.

Portugal não tem um escol, mas antes classes, sejam estas oligárquicas na economia ou na política que controlam o Estado. Por exemplo, existe uma classe política, mas não um escol; ou se este existe um escol, é cultural-  e socialmente invisível ou subalterno.

“A chamada ‘democracia’ é apenas uma oligarquia complexa, ou uma complexidade de oligarquias”. — Fernando Pessoa

Sem um escol interveniente e politicamente decisivo, Portugal não tem futuro enquanto país e enquanto nação, e por isso o Plano Estratégico Nacional de Miguel Mattos Chaves é uma utopia.

Quarta-feira, 30 Dezembro 2015

O politicamente correcto é a burocracia do espírito

 

“Ontem.

O dia em que novamente, uma piada minha – repito, PIADA – foi censurada e apagada pelo Facebook. Não será com certeza a última vez.

Que existam atrasados mentais que não compreendem piadas e no meio da depressão e tristeza que representam as suas vidas, queiram calar o que não gostam, abafar o que não compreendem e moldar a sociedade ao reduzido tamanho das suas mentes, não me espanta. O Mundo é dos estúpidos e a sede da estupidez fica em Portugal.

Já o Facebook, tem sede nos Estados Unidos, a terra da Liberdade. Da civilização. Do progresso.

Por estes dias, o Facebook representa uma das organizações mais autoritárias, retrógradas e pidescas de que há memória.

A liberdade de expressão é um mito. A razão, uma sorte. O Salazar, ao pé do Zuckerberg, um menino.”

Rui Sinel de Cordes, no FaceBook


Há dias apareceu a seguinte imagem no FaceBook acerca da possibilidade do comentário:

lei da rolha

Se seguirmos à risca os critérios da possibilidade de comentário estabelecidos neste esquema, segue-se que ninguém comenta: desde logo porque se teria que se definir previamente se o comentário é “útil”; se o comentário é útil ou não, pertence ao domínio da subjectividade de quem comenta.

Depois, a condição do comentário é o de “não ofender alguém”; este critério também é impossível de se estabelecer de forma objectiva, porque existe sempre a possibilidade de alguém poder sentir-se ofendido por um qualquer comentário.

E por aí afora.

A imagem do esquema dos critérios do comentário” ilustra bem a burocracia do espírito que caracteriza o politicamente correcto; o politicamente correcto é fascizante. O politicamente correcto elimina qualquer tipo de humor, com a fobia de se “ofender alguém”.

A delitofobia é uma característica de uma sociedade sitiada pela burocracia do espírito imposta pelo politicamente correcto através da espiral do silêncio. Com medo de cometer algum delito de opinião, o cidadão tende a manter-se em silêncio.

Dado que o humor é também crítica social, qualquer tipo de crítica que não corresponda à burocracia do espírito é censurada. O humor é castrado pelo politicamente correcto.

As pessoas são, assim, convidadas ao silêncio; mas o critério da imposição do silêncio não é a racionalidade do comentário: em vez disso, é o medo em relação a uma possível verdade revelada em um qualquer comentário. A mera possibilidade de uma qualquer verdade apavora a burocracia do espírito, porque o politicamente correcto é uma forma de totalitarismo.


Theodore Dalrymple escreveu o seguinte acerca do politicamente correcto:

O politicamente correcto é propaganda comunista em pequena escala. Nos meus estudos acerca das sociedades comunistas, cheguei à conclusão que o propósito da propaganda comunista não era o de persuadir ou convencer, nem sequer informar, mas era o de humilhar; e, por isso, quanto menos ela (a propaganda) corresponder à realidade, melhor serve o seu propósito de humilhar.

Quando uma pessoa é obrigada permanecer em silêncio quando lhe dizem as mentiras mais óbvias e evidentes, ou ainda pior quando ela própria é obrigada a repetir as mentiras que lhe dizem, ela perde, de uma vez por todas, o seu senso de probidade.

O assentimento de uma pessoa em relação a mentiras óbvias significa cooperar com o mal e, em pequeno grau, essa pessoa personifica o próprio mal. A sua capacidade de resistir a qualquer situação fica, por isso, corrompida, e mesmo destruída. Uma sociedade de mentirosos emasculados é fácil de controlar. Penso que se analisarem o politicamente correcto, este tem o mesmo efeito e propósito.”


¿Por que razão o multimilionário Zuckerberg colabora com o politicamente correcto?

A resposta a esta pergunta é sintetizada no conceito do grupo dos trezentos, de Fernando Pessoa, que se mantém mais actual do que nunca. O lucro justifica tudo, incluindo o apoio aos comunistas.

Sábado, 12 Dezembro 2015

Alberto Caeiro e o paganismo positivista

 

"A religião não só é a condição da liberdade eficaz do pensamento, como é a condição da função hígida do pensamento"
— Fernando Pessoa


Ser reaccionário é compreender que o ser humano é um problema sem solução humana.
(Nicolás Gómez Dávila)

Já demonstrei aqui que Fernando Pessoa era um gnóstico — não só no sentido moderno da atitude de revolta contra a Realidade, mas também no sentido místico próprio da Antiguidade Tardia. Portanto, os textos de Fernando Pessoa e dos seus personagens têm que ser “filtrados”.

Ou seja, Fernando Pessoa não era propriamente um reaccionário. Ser reaccionário é compreender que o ser humano é um problema sem solução humana (Nicolás Gómez Dávila). Qualquer tipo de ideologia prometaica dos “amanhãs que cantam” e do “futuro certo” é revolucionária, ou seja, é gnóstica.


Vejamos aqui um trecho de Fernando Pessoa, aliás, Alberto Caeiro:

“O neo-paganismo português reconhece que as pátrias são apenas meios para um fim, que as transcende. Esse fim nem é a Religião, nem a Humanidade, mas a Civilização — isto é, o aumento constante de aquisições científicas, de possibilidades de emoção agradável, e de meios fáceis de acção; o acréscimo em suma, do conteúdo da inteligência, do conteúdo da sensibilidade, do conteúdo da vontade”.

O neo-paganismo português


"O papel intelectual do sentimento religioso é, em primeiro lugar, o de estabilizador e disciplinador da inteligência"
— Fernando Pessoa

Para se perceber este trecho de Alberto Caeiro é necessário, em primeiro lugar, saber o que representa o Alberto Caeiro em relação a Fernando Pessoa; e depois ter a noção da oposição que movia o Fernando Pessoa contra o Alberto Caeiro.

Fernando Pessoa não concordava com Alberto Caeiro. Por isso é que é muito simplista apresentar um texto de um dos personagens de Fernando Pessoa e afirmar que é a opinião deste. Só devemos dizer que determinada opinião é de Fernando Pessoa quando é assinada pelo próprio Fernando Pessoa, e não por um dos seus múltiplos.

“A ausência de sentimento religioso tem isto de péssimo: é a ausência de toda a base, de todo o ponto de apoio para se progredir"
— Fernando Pessoa

Alberto Caeiro era um positivista (no sentido de Augusto Comte e do paganismo naturalista do Positivismo); Fernando Pessoa era anti-positivista (no sentido místico) .

Alberto Caeiro escreve o seguinte: “as três condições de criação civilizacional são: a liberdade do indivíduo, a homogeneidade da pátria, e a dedicação a um princípio superior à Pátria”. Fernando Pessoa escreve o seguinte: “tenho visto muita coisa neste mundo mas não vi ainda a liberdade.”

Segundo Fernando Pessoa, “o progresso é uma revolta contra a espécie humana” (sic). Segundo Alberto Caeiro, o progresso é uma lei da Natureza. Quem não compreender a idiossincrasia de Fernando Pessoa não compreende a sua “Mensagem”.

Fernando Pessoa sabia perfeitamente que não é possível haver civilização sem religião; ou, na terminologia de Kant, a religião é a condição da civilização. E o paganismo ou neo-paganismo, como quiserem, não é uma religião superior: quem estudou a História das Religiões sabe perfeitamente disso.


“A religião é a perpétua afirmação do presente; a História é a perpétua negação do presente”. — Gabriel Marcel

Sexta-feira, 22 Maio 2015

A alma do republicano José Alberto Carvalho

Filed under: Política,politicamente correcto,Portugal — O. Braga @ 5:45 am
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“Informam-me que José Alberto Carvalho terminou o Telejornal da TVI em directo do novo Museu dos Coches ao lado do Landau do Rei Dom Carlos a citar o testamento do Buiça, louvando o facto de ele saber que ia dar a vida pelo futuro dos seus filhos ao assassinar um Chefe de Estado constitucional e o Príncipe Real (por sinal marido e filho da fundadora do Museu) como exemplo dos “valores republicanos”. Ainda há quem acredite na evolução da humanidade. Tenho o estômago revirado.”

Tenho o estômago revirado de nojo

Eu vi e ouvi o encómio ao crime. Lembrei-me então de Fernando Pessoa:

“O regime [republicano] está, na verdade, expresso naquele ignóbil trapo que, imposto por uma reduzidíssima minoria de esfarrapados morais, nos serve de bandeira nacional — trapo contrário à heráldica e à estética, porque duas cores se justapõem sem intervenção de um metal e porque é a mais feia coisa que se pode inventar em cor. Está ali contudo a alma do republicano português — o encarnado do sangue que derramaram e fizeram derramar, o verde da erva de que, por direito mental, devem alimentar-se.”

Quinta-feira, 3 Julho 2014

Fernando Pessoa, a Maçonaria e os Templários

Filed under: Maçonaria — O. Braga @ 6:41 pm
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Um leitor enviou-me a seguinte mensagem electrónica (vulgo “email”):

«

só hj li um texto antigo seu Fernando pessoa e a era da Gnose

Nele vc escreve o seguinte trecho:

“…Com o advento da revolução francesa e do Positivismo, entramos todos na Era da Gnose, o tempo de predomino cultural e social dos novos gnósticos, em que se misturou a Gnose da antiguidade tardia, com a nova Gnose cientificista. É assim, por exemplo, que Fernando Pessoa consegue ser um acérrimo defensor da ciência positivista e, simultaneamente, anunciar o seu místico apoio à maçonaria, por um lado, e por outro lado defender a veracidade absoluta das profecias do Bandarra e de Nostradamus — para além de se dizer, ele próprio, membro da Ordem dos Templários que, como sabemos, foi o esteio medieval da maçonaria operativa. …”

Nunca levei a sério essa questão dos templários com a maçonaria, mas como vc é uma pessoa de confiança, gostaria de uma sugestão sua de bibliografia/textos sobre o assunto.

»

Um dos livros que é absolutamente essencial para se compreender a história da maçonaria — se bem que relata essa história de uma forma apologética — é o livro “A Maçonaria Universal — Uma Irmandade de Carácter Secreto”, Lisboa 2003, de autoria do maçon Miguel Martín-Albo. O livro não nos diz tudo, mas diz-nos o essencial acerca da maçonaria. O conteúdo do livro é insuspeito porque foi escrito por um maçon inveterado e lobotomizado.

No livro, chamo à atenção das páginas 60 a 69, em que Miguel Martín-Albo se refere ao papel dos Templários na formação da maçonaria. Portanto, ou o maçon Miguel Martín-Albo mente, ou existe uma ligação entre os Templários e a maçonaria.

Fernando Pessoa, de burro não tinha nada. Ele conhecia a ligação dos Templários à “formatação” da maçonaria. Para se conhecer o pensamento de Fernando Pessoa sobre este assunto, há que ler as “Obras em Prosa” de Fernando Pessoa.

Por último: eu não sou uma “pessoa de confiança”; aliás, ninguém é.

Sábado, 14 Dezembro 2013

Fernando Pessoa já tinha a solução na década de 1920

 

Fernando Pessoa«O nosso homem das classes médias — e as classes médias são o esteio de um país — é mal culto, ignorante, profissionalmente instintivo ou atado; a propaganda da nossa terra é descurada pelo Estado, absorvido por políticos, pelos indivíduos, desnacionalizados e inertes, para tudo quanto não seja os seus baixos interesses ou os interesses superiores da sua política inferior; e a invasão das ideias estrangeiras, pervertendo a própria substância do patriotismo que restava entre nós, privou-nos de podermos criar, não já um orgulho nacional, mas uma simples consciência superior da nossa nacionalidade.

(…)

Em matéria cultural, o que se tem feito é quase nada. Quem há culto entre nós, a si próprio se cultiva, e as mais das vezes mal, quase sempre antinacionalmente. (…) E em matéria de consciência superior da nacionalidade, a maioria dos portugueses nem sequer sabe que isso existe.

É preciso criar um organismo cultural capaz de substituir o Estado nestas funções. Escusa de ter aspecto de potência adentro da Pátria; basta que tenha a precisa noção superior dos seus fins.

Deve essa organização visar três fins: a criação de uma atitude cultural nas classes médias, porque são elas as em que assenta a vida nacional, e entre os comerciantes sobretudo, porque, sobre serem eles a parte mais forte das classes médias, são a parte mais representativa delas, dado o carácter comercial da nossa época; a criação de uma propaganda ordenada e científica de Portugal no estrangeiro; a criação lenta e estudada de uma atitude donde derive uma noção de Portugal como pessoa espiritual

— Fernando Pessoa, Obras em Prosa, “Sobre Portugal” (“O Sentido de Portugal”)

Quinta-feira, 20 Junho 2013

Precisamos de compromissos, e não de reformas

“Revolucionário ou reformador – o erro é o mesmo. Impotente para dominar e reformar a sua própria atitude para com a vida, que é tudo, ou o próprio ser, que é quase tudo, o homem foge para querer modificar os outros e o mundo externo. Todo o revolucionário, todo o reformador, é um evadido. Combater é não ser capaz de combater-se. Reformar é não ter emenda possível.” – Fernando Pessoa, Livro do Desassossego

Seria bom que, em vez de ouvirmos os políticos dizer que “precisamos de reformas”, dissessem que “precisamos de compromissos”. A reforma, tal qual entendida pela política, não é compromisso.

Uma reforma é uma acção revolucionária embora faseada e prolongada no tempo. E as revoluções podem ser de esquerda ou de direita – também existem revolucionários de direita, como por exemplo, Hayek.
Karl Marx – ao contrário do que foi, mais tarde, feito pelos bolcheviques – defendeu a ideia segundo a qual a implantação do comunismo poderia demorar séculos e mediante reformas. O que está acontecer hoje na área de educação e ensino é uma reforma de Passos Coelho — que já vem de José Sócrates — no sentido em que a escola é vista como “uma empresa cujo objectivo social é dar lucro”.

O que está a acontecer, hoje, em Portugal na área do ensino e educação é o confronto entre duas estirpes de reformadores: uns que querem transformar o ensino de crianças em uma actividade essencialmente comercial e lucrativa, e outros que querem transformar a escola e as crianças em um instrumento de implantação de um totalitarismo neomarxista. Nos dois casos, a escola é vista como um meio e não como um fim em si mesma.

A reforma é sempre imposta por uma elite de auto-iluminados que quer “modificar os outros” sem se modificar a si mesma, e sem negociação séria com a sociedade civil. A reforma – seja de esquerda ou de direita – não tem respeito pela família, que é a instituição de base da sociedade, e por isso não respeita a pessoa reduzindo-a ao indivíduo.

Vamos eliminar a palavra “reforma” do léxico político, e substituí-la pela palavra “compromisso”. Queremos fazer compromissos, e não reformas.

Terça-feira, 11 Junho 2013

A realidade é aquilo que nós quisermos

François Hollande declarou que a crise económica na Europa acabou. E se alguém declara que a crise acabou, então a crise acabou. Ponto final. A realidade é aquilo que desejamos. Se olharmos para uma pedra e desejarmos que seja um pau, então, automaticamente, a pedra transforma-se em pau. Os nossos desejos são ordens.

Eric Voegelin chamou a este fenómeno de fé metastática. Por exemplo, através da ideologia de género, basta que François Hollande decrete que não existem diferenças entre os sexos, para que “tomaticamente“, essas diferenças não existam. Fernando Pessoa, num momento de delírio no Livro do Desassossego, escreveu o seguinte:

“A civilização consiste em dar a qualquer coisa um nome que não lhe compete, e depois sonhar sobre o resultado. E realmente o nome falso e o sonho verdadeiro criam uma nova realidade. O objecto torna-se realmente outro, porque o tornámos outro.”

Este é o conceito de “civilização” segundo um Fernando Pessoa delirante, a esquerda e François Hollande. Porém, em um momento mais lúcido e já fora do Livro do Desassossego, Fernando Pessoa escreve:

“A dignidade da inteligência está em reconhecer que é limitada e que o universo está fora dela. Reconhecer, com desgosto próprio ou não, que as leis naturais se não vergam aos nossos desejos, que o mundo existe independentemente da nossa vontade, que o sermos tristes nada prova sobre o estado moral dos astros, ou até do povo que passa pelas nossas janelas: nisto está o vero uso da razão e da dignidade racional da alma.” – Barão de Teive

A política moderna parece ser a alternância entre o Fernando Pessoa delirante e o Fernando Pessoa lúcido, entre o idealismo subjectivista e quase solipsista, por um lado, e um realismo saudável não sendo ingénuo, por outro lado.

Quarta-feira, 5 Junho 2013

Passamos a ser “alemães ao quadrado”

Filed under: cultura,educação,Portugal — O. Braga @ 11:02 am
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aqui uma pequena confusão entre a “formatação”, no sentido de disciplina mental excessiva que coarcta a criatividade, por um lado, e por outro lado a “burocracia” – porque a burocracia pode ser altamente criativa!


“Das feições de alma que caracterizam o povo português, a mais irritante é, sem dúvida, o seu excesso de disciplina. Somos um povo disciplinado por excelência. Levamos a disciplina social àquele ponto de excesso em que coisa nenhuma, por boa que seja – e eu não creio que a disciplina seja boa -, por força que há-de ser prejudicial.
(…)
Parecemo-nos muito com os alemães. Como eles, agimos sempre em grupo, e cada um do grupo porque os outros agem.” – Fernando Pessoa, Ideias Políticas

Ora bem. Como se pode ver, a crítica à “formatação” não é novidade. O problema é que há aqui uma falta de graduação que conduz a extremos: por um lado, o “ódio” de Fernando Pessoa a qualquer tipo de disciplina – o que é mau: Fernando Pessoa não compreendeu, talvez, que nem toda a gente é génio; a genialidade que “odeia” a disciplina — mas que não prescinde da disciplina na sua formação! — é excepção.

Por outro lado, o excesso de disciplina conduz a uma espécie de “mentalidade alemã” que impera actualmente na nossa cultura política: se, como diz Fernando Pessoa e com alguma razão, “nos parecemos com os alemães”, a influência da cultura política alemã, que está na moda entre a nossa elite, conduz a um excesso de disciplina e de “formatação”. Passamos a ser “alemães ao quadrado”.

A formatação, em si mesma, não é má. O que é mau é o excesso de formatação. A criança deve aprender a raciocinar de forma lógica, mas sem que a lógica substitua o raciocínio.

O veneno mental do coelhismo

“Uma nação que habitualmente pense mal de si mesma acabará por merecer o conceito de si que anteformou. Envenena-se mentalmente.

O primeiro passo para a regeneração, económica ou outra, de Portugal é criarmos um estado de espírito de confiança – mais, de certeza, nessa regeneração. Não se diga que os factos provam o contrário. Os factos provam o que quer o raciocinador.” – Fernando Pessoa, Teoria e Prática do Comércio

Uma das características do coelhismo é a preponderância do “veneno mental” no discurso político, porque se trata de uma tendência política euro-federalista.

O federalismo europeu exige esse “veneno mental” inoculado no espírito do povo português, uma vez que a recuperação do “espírito de confiança”, segundo o coelhismo, passa sempre pelo estrangeiro (União Europeia) e não pela regeneração portuguesa propriamente dita. Para isso, os coelhistas não fazem outra coisa senão apresentar “factos” que alegadamente justifiquem a racionalidade do “veneno mental” com que derrotam Portugal.

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Terça-feira, 4 Junho 2013

Sobre a Alemanha e Angela Merkel

Filed under: A vida custa — O. Braga @ 7:10 pm
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“A força sem a destreza é simples massa.” – Fernando Pessoa, Livro do Desassossego

Segunda-feira, 3 Junho 2013

O blogue Rerum Natura e a arte

“Dois homens não vêem uma mesa da mesma maneira; mas ambos entendem a palavra “mesa” da mesma maneira. Só querendo visualizar uma coisa é que divergirão; isso, porém, não é a ideia abstracta da mesa.” – Fernando Pessoa, Prosa, Ricardo Reis

Não foi por acaso que o blogue Rerum Natura colocou este postal sobre a arte , a que fiz referência em um verbete anterior . Contradizer um certo niilismo encapotado próprio e característico do blogue Rerum Natura tem-me dado muito trabalho; e diga-se que é preciso alguma paciência e “bagagem” para reduzir ao absurdo as ideias daquele blogue, o que infelizmente a maioria dos leitores dele, não tem.

A mim não me interessa aquilo que Tolstoi pensa sobre a arte; o que me interessa é que eu nunca publicaria, neste blogue, as ideias de Tolstoi sobre a arte sem um contraditório. E o Rerum Natura publica sempre o controverso, o polémico, e mesmo o niilista, sem contraditório.

“O público não é crítico, não pensa espontaneamente. Na escolha do que lê, na própria disposição do bom gosto, é guiado por influências externas.” – Fernando Pessoa, Correspondência


“A única coisa superior que o homem pode conseguir é um disfarce do instinto, ou seja, o domínio do instinto, por meio de instinto reputado superior. Esse instinto é o instinto estético. Toda a verdadeira política e toda a verdadeira vida social superior é uma simples questão de senso estético, ou de bom gosto.” – Fernando Pessoa, Reflexões sobre o Homem, textos de 1926-1928


Nasce o ideal da nossa consciência da imperfeição da vida. Tantos, portanto, serão os ideais possíveis quantos forem os modos por que é possível ter a vida imperfeita. A cada modo de a ter por imperfeita corresponderá, por contraste e semelhança, um conceito de perfeição. É a esse conceito de perfeição que se dá o nome de ideal.

(…)

Assim, todo o corpo é imperfeito porque não é um corpo perfeito; toda a vida é imperfeita porque, durando, não dura sempre; todo o prazer imperfeito porque o envelhece o cansaço; toda a compreensão imperfeita porque, quanto mais se expande, em maiores fronteiras confina com o incompreensível que a cerca. Quem sente desta maneira a imperfeição da vida, quem assim a compara com ela própria, tendo-a por infiel à sua própria natureza, força é que sinta como ideal um conceito de perfeição que se apoie na mesma vida. Este ideal de perfeição é ideal helénico, ou o que pode assim designar-se, por terem sido os gregos antigos quem mais distintivamente o teve, quem, em verdade, o formou, de quem, por certo, ele foi herdado pelas civilizações posteriores.

(…)

É esta inferioridade essencial (da vida) que dá às coisas a imperfeição que elas mostram. Porque é vil e terreno, o corpo morre; não dura o prazer porque é do corpo, e por isso vil, e a essência do que é vil não pode durar; desaparece a juventude porque é um episódio desta vida passageira; murcha a beleza que vemos porque cresce na haste temporal. Só Deus, e a alma, que ele criou e se lhe assemelha, são a perfeição e a verdadeira vida.” – Fernando Pessoa, Textos de Crítica e de Intervenção.


Ora bem. Destas quatro citações de Fernando Pessoa podemos concluir o seguinte:

  • dois homens não vêem uma obra de arte da mesma maneira; mas ambos entendem a palavra “obra de arte” da mesma maneira. Só querendo visualizar uma obra de arte é que divergirão; isso, porém, não é a ideia abstracta de “obra de arte”.
  • o povo não é crítico, por exemplo, em relação à arte; e por isso é que o blogue Rerum Natura age em função de um determinado nível de acrisia natural no povo, tentando manipular consciências e empreender uma lobotomia ideológica aos seus leitores.
  • o sentido estético define uma sociedade superior. E o que é o sentido estético?
  • o sentido estético advém da imperfeição do mundo, e faz parte de um ideal. Por isso é que a estética é inseparável da ética. E assim como os valores da ética são objectivos – os valores da ética existem por si próprios sem necessidade de serem deduzidos de uma qualquer utilidade -, assim os valores da estética são objectivos. Assim como acontece com os valores da ética, os valores da estética tendem a transcender a imperfeição do mundo através do ideal helénico de beleza, e segundo os filósofos gregos que o romantismo alemão (Fichte, Hegel et al) apenas subsumiram nas suas teorias.

Aos autores do blogue Rerum Natura faz falta ler Fernando Pessoa, em vez de promover Tolstoi. “O que é nacional é bom”.

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