«É que, deve notar-se, em primeiro lugar, que é em virtude de um só e mesmo apetite que o homem se diz tanto agir como sofrer. Por exemplo, quando nós demonstramos que a natureza humana é constituída de tal maneira que cada um deseja que os outros vivam à sua maneira
(…)
Este apetite, num homem que não é conduzido pela Razão, é paixão, que se chama ambição e não difere muito do orgulho; e, ao contrário, num homem que vive segundo o ditame da Razão, é acção, ou seja, virtude, que se chama piedade»
Vemos, nas duas citações supra, como Espinoza faz uma crítica à Natureza Humana, e depois incorre no tipo de acção que ele próprio criticou anteriormente — por um lado, “cada um deseja que os outros vivam à sua maneira”; e, por outro lado, “quem vive segundo a minha perspectiva é virtuoso”.
A ética de Espinoza pretende recorrer à Lógica para fazer a crítica da Natureza Humana, mas acaba por incorrer no mesmo tipo de incoerência lógica que pretendia criticar. Ou seja, a ética de Espinoza é (intrinsecamente) absurda.
Isto não significa que a ética não deva ser racional; significa, em vez disso, que a ética não se pode reduzir à Razão (como pretendia Espinoza). O ser humano é uma espécie de “sistema aberto”, sobre o qual não é possível um juízo definitivo isento de contradições.
A redução da ética à Lógica (ou a redução da ética à ciência) reduz o ser humano a um determinismo que Espinoza invoca para exorcizar a Graça — ao invocarmos a “causa e efeito”, afastamos o nosso medo e calamos a nossa culpa. Para poder abusar da sua liberdade, o puritano necessita adoptar uma doutrina determinista — o determinismo é a ideologia do puritanismo das perversões humanas.
O determinismo de Espinoza seria concebível se não existisse a sua própria noção.
Quando Jean-Paul Sartre nega a metafísica, labora na metafísica — só que é uma metafísica que estabelece o limite existencial da espécie humana nos satélites artificiais que circulam em redor do planeta Terra.
Por outro lado, existe uma contradição entre a “liberdade de Sartre” e o Estado marxista que ele defendeu: uma multidão igualitária e, por isso, homogénea, não reclama a liberdade; só em uma sociedade hierarquizada, e de classes bem marcadas, o homem pode ser livre.
Ao contrário do que Sartre preconiza, a liberdade não é um fim em si mesma, mas antes é um meio: e quem toma a liberdade como um fim não sabe o que fazer com ela, quando a obtém. Quando entendida como um ideal supremo existencial, a liberdade é o primeiro passo para o niilismo final.
Na sociedade moderna, onde se professa um determinismo científico, a defesa da “liberdade” é um “retrocesso” cristão — e é uma contradição intrínseca do marxista Sartre.
“Sucede, porém, que a autonomia é um mito: um novo dogma moderno com pouco sustentação na realidade. Não, não somos autónomos!”
“Autonomia” é também, e em primeiro lugar, o livre-arbítrio de S. Tomás de Aquino. Em segundo lugar, é sobretudo a “autonomia” segundo Kant que resume o conceito de livre-arbítrio de S. Tomás de Aquino.
No sentido comum ou vulgar, autonomia é a capacidade de um indivíduo ou de um grupo de determinar ele próprio o seu modo de organização e as regras em relação às quais se submete.
Mas, no sentido filosófico (ética) e moral, a autonomia pode ser uma de duas coisas:
1/ Em Kant, é a característica da vontade que se submeteu livremente à lei moral sancionada pela razão pura prática, por respeito a essa lei, e excluindo qualquer outro móbil.
2/ liberdade moral do sujeito que age de acordo com o que a sua razão lhe dita e não por simples obediência às suas paixões.
A liberdade negativa é aquela que consiste em não ser impedido de agir — a de não ser impedido por outrem naquilo que desejamos fazer, ou a liberdade de se exprimir sem censura.
Em contraponto, a liberdade positiva é a liberdade do cidadão-legislador, segundo o princípio de autonomia de Kant, que consiste em tomar parte nas decisões políticas e públicas, e de co-exercer a autoridade em geral.
Segundo Kant, uma acção não pode ser verdadeiramente moral se não obedece a razões sensíveis, exteriores à razão legislativa. Por exemplo, segundo Kant, se ajo por amor à Humanidade, não ajo por dever, mas por sentimento. Ora, uma acção cuja máxima se baseia num sentimento não pode aspirar à universalidade e servir de lei a todo o ser racional.
Em contrapartida, e seja qual for o meu sentimento em relação à Humanidade, “tratar a Humanidade na minha pessoa e na pessoa de qualquer outro, sempre simultaneamente como um fim, e não simplesmente como um meio”, é a máxima exigível universalmente, um dever para todos; a vontade que determina a sua acção a partir dela, é uma vontade autónoma, na medida em que se submete livremente à lei da razão pura prática.
Os que defendem a legalização da eutanásia e afins (que são todos de esquerda, mesmo que digam que não são de esquerda) utilizam o conceito de “autonomia” de forma abusiva e falaciosa, porque não cabe em nenhuma das duas noções de “autonomia” supracitadas. É neste sentido que o Diogo Costa Gonçalves tem razão: em nome da “autonomia” (vista apenas como liberdade negativa), negam-se deveres (liberdade positiva), por exemplo, o dever de solidariedade.
Ou seja: a autonomia (enquanto livre-arbítrio) não é um mito, como diz o Diogo Costa Gonçalves. O que que esquerda faz (por exemplo, Rui Rio, que diz que não é de esquerda) é interpretar erroneamente o conceito de “autonomia”; é ver só uma parte do conceito de “autonomia”, ou seja, vê-lo à luz das paixões (sentimentalismo), e não à luz da razão que universaliza a vontade e a lei moral. De resto, o Diogo Costa Gonçalves tem razão:
“Se a dependência é vista como um fardo, como um indignidade, o direito a uma morte rápida e indolor transforma-se facilmente num dever de morrer dignamente, de não ser pesado, de não onerar o outro com a minha existência.
Não tenhamos dúvidas: é isto o que está em debate na eutanásia. O sofrimento do outro – por quem, infelizmente, poucos realmente se interessam – é apenas um pretexto emocional para a discussão… tudo mais (menos cuidados paliativos, mais consentimento informado, etc.) são minudências de uma discussão que só não vê quem não quer.”
Em primeiro lugar, eu não sabia que o Pedro Marques Lopes é de esquerda; pensei que ele seria adepto do Partido Social Democrata, e que este partido fosse mais do “centro” (isto é piada).
Isabel Moreira escreveu algures que para a esquerda, «o princípio da liberdade articula-se com o princípio da igualdade».
Isabel Moreira tem razão — sendo que “igualdade”, aqui, não é só a igualdade (dos liberais) perante a lei: é sobretudo a “igualdade de condições” ou “igualdade social”: o incremento das aspirações sociais desencadeou (segundo Karl Marx) a crítica da insuficiência da simples igualdade de direitos que (segundo ele) é ilusória e formal. A Esquerda (marxista) procura igualar os meios e condições de existência, e esta tese marxista evoluiu (através do marxismo cultural ou politicamente correcto) para a actual negação ontológica das diferenças.
Isabel Moreira tem razão: os esquerdistas são uma cambada de psicóticos ou neuróticos.
Quando se fala agora e aqui em “liberdade”, fala-se em liberdade política — porque poderíamos falar da liberdade como independência interior, por exemplo, a dos estóicos.
A Esquerda (e a Isabel Moreira) entra em contradição, porque a liberdade por excelência é a liberdade negativa pela qual ela pugnou em relação à casta homossexual.
A liberdade negativa (não sermos impedidos por outrem naquilo que desejamos fazer) é talvez a liberdade por excelência, tal como defendeu Raymond Aron, para quem a única liberdade fundamental é “não ser impedido de”; as outras liberdades são de facto “direitos-capacidades” ou “direitos-crenças” que podemos ou devemos exigir (ou não), e apenas se espera que o Estado no-las garanta ou não (dependendo da opinião de cada um).
Isabel Moreira é mulher (e ainda por cima, da minoria lésbica); e por isso troca a liberdade pela segurança aparentemente garantida por um Estado plenipotenciário em que existe a ilusão da "Vontade Geral" de Rousseau. A maior parte das mulheres votam à Esquerda (que inclui o Partido Social Democrata) por este motivo. E (também) por causa dos votos das mulheres, vamos construindo um Estado leviatão que (cada vez mais) nos tolhe a liberdade.
Acerca deste verbete, um leitor colocou a seguinte pergunta:
¿Você poderia explicar melhor por que a predestinação calvinista tem orientação gnóstica?
Os leitores deste blogue, em geral, terão já notado que o blogue não sofre actualizações diárias, como acontecia ainda há pouco tempo. E uma das razões deste semi-abandono do blogue é a dificuldade em fazer subir o nível de complexidade dos assuntos tratados: chegamos a um ponto em que nos tornamos incompreensíveis ou ininteligíveis.
Para responder a esta pergunta, eu teria que dizer o que é a “predestinação calvinista”; e depois dizer o que é a “gnose”. E depois, estabelecer paralelos ideológicos entre uma coisa e outra. ¿Estão a ver a trabalheira?
Podemos resumir a coisa assim: na gnose da Antiguidade Tardia, a salvação do indivíduo também estava pré-determinada por Deus:
“Os gnósticos da Antiguidade Tardia formaram seitas iniciáticas assentes na distinção radical entre os chamados Hílicos (a escória da humanidade, ou profanos, ou não-convertidos), por um lado, e por outro lado os chamados Pneumáticos (os possuidores do Espírito Santo). Apenas para os Pneumáticos havia a possibilidade hic et nunc de salvação, ao passo que os Hílicos estavam, à partida, destinados à morte espiritual (determinismo da salvação)”.
“Ora, se olharmos para a tríade dos três grandes atentados ocorridos em França – Charlie Hebdo (Paris, 2015), Bataclan (Paris, 2015) e Promenade des Anglais (Nice, 2016), também neles encontramos um padrão, mas desta feita com um escopo simbólico, com uma busca de sentido.
Começando pelo hediondo atropelamento de Nice, visa-se aí os valores da República Francesa. A escolha do 14 de Julho e do seu significado – a trilogia liberdade, igualdade, fraternidade e a implantação da laicidade – não podia ser mais reveladora.”
David Hume dizia que os nexos causais relativas a verdades de facto (em contraponto às verdades de razão, que são certezas) são apenas produto de crenças (o hábito), ou de fé. O Paulo Rangel atribui a causa do atropelamento de Nice ao dia 14 de Julho; Hume diria que o atropelamento colectivo aconteceu porque estavam reunidas as condições para que tal acontecesse: uma grande aglomeração de pessoas que viam o fogo de artifício; o facto de ser 14 de Julho é acidental. Acontece que o Paulo Rangel tem o hábito de ver nexos causais políticos em tudo, assim como João César das Neves vê economia em tudo o que mexe.
“Estes três episódios fatídicos ocorridos em França não são, por isso, manifestações de uma simples cultura de “morte”, destinada a amedrontar e a cercear os passos às comunidades de vida ocidentais.
Eles pretendem também passar uma “ideologia” alternativa, prenhe de valores de severidade, de contenção, de austeridade e de recato nos estilos de vida pessoal, familiar, comunitária e pública. Apelam ao desprendimento do prazer e do lazer, ao total aniquilamento do indivíduo e à sua fusão nos corpos e agregados sociais, à concentração no divino e no religioso – execrando o profano, o laico, o dessacralizado. O sentido destes atentados é, por isso, sem surpresa, um sentido essencialmente religioso – mesmo quando os seus autores não tinham vidas nem historiais conformes ao Corão.”
Diz o Paulo Rangel que os atentados islâmicos “apelam ao desprendimento do prazer e do lazer”; talvez ele tenha razão; por exemplo, as paradas gay e as manifestações públicas das FEMEN são hoje dois tipos de “prazer e lazer” que a cultura ocidental tem para oferecer ao mundo islâmico. E é frustrante que o Islão se recuse a ver a luz da civilização e do progresso.
“Entre um mundo sem qualquer forma de coerção e outro em que alguma (por vezes, muita) coerção é compensada por certos serviços e bens, a esmagadora maioria das pessoas preferirá o segundo”.
Os dados estatísticos dizem que a esmagadora maioria das mulheres preferem “a coerção do Estado compensada por certos serviços e bens”, e que uma minoria de homens tem essa preferência. Não quero com isto dizer que as mulheres não sejam “pessoas”: quero dizer que as “pessoas” são do sexo masculino ou do sexo feminino, e que os interesses dos dois sexos são diferentes.
Em qualquer seita, como em qualquer sociedade, um dos “segredos” do Poder está no controlo das mulheres: controlem as mulheres e os homens (em geral) seguem-nas de forma canina, mesmo que não concordem com elas. O que se passa hoje é que o controlo das mulheres é realizado através do fomento de uma “indisciplina cultural feminina”: a mulher é controlada (pela Esquerda) deixando-a em “roda livre”, porque se sabe que a mulher sacrifica a sua liberdade em favor da segurança do “guarda-chuva” do Estado.
A “liberdade da mulher”, propalada pela Esquerda, é apenas a tendência da mulher de se sujeitar ao Estado.
Até há pouco tempo, eu pensava que a democracia fosse um sistema político racional — ou, pelo menos, mais racional do que os outros. Mas hoje verifico que a democracia conduz à negação da democracia, na medida em que o corolário do “caminho democrático para o socialismo” (porque as mulheres são maioritárias na sociedade e têm direito a voto, e porque o protagonismo das mulheres na política tem vindo a aumentar) significa, a prazo, a negação da democracia na medida em que o indivíduo se vai diluindo no colectivo.
Naturalmente que a Esquerda dita “libertária” diz que defende os “direitos do indivíduo” — o que nos causa alguma confusão: ¿como é possível que o Bloco de Esquerda, por exemplo, defenda os “direitos do indivíduo” e, simultaneamente, tenha uma visão colectivista da sociedade?
O reconhecimento social de toda a espécie de “direitos” e “liberdades” tem como contraponto o retraimento narcísico dos indivíduos e o seu desinteresse pela coisa pública, em que, finalmente, a omnipresente encenação da liberalização dos costumes encobre uma propensão para o mimetismo, um seguidismo, e um conformismo sem precedentes. Ou seja, o “libertarianismo” sob tutela do Estado pode levar ao anonimato e à indistinção do indivíduo — e a Esquerda sabe disso.
O que a Esquerda “libertária” está a criar é um aumento progressivo da tutela da organização burocrática do Estado em que, por um lado, se afirma a singularidade do indivíduo, mas por outro lado, esse indivíduo é concebido de forma abstracta e em um anonimato generalizado. Quando o Bloco de Esquerda diz que defende os “direitos do indivíduo”, nada mais faz do que aumentar o poder do Estado sobre o indivíduo — o que é uma contradição em termos.
“A obra icónica de Hitler é finalmente reeditada, isto após ter cessado a proibição da sua publicação na Alemanha, e, como já se esperava, uma polémica vê-se nascente, e ela vem contrapor, mais uma vez, o valor da Liberdade de expressão ao valor do controlo "sensato" dessa liberdade, em nome de um suposto respeito pela Ética.”
Eu não li o livro, e por isso não posso pronunciar-me sobre o conteúdo de um livro que não li. Só nos devemos pronunciar sobre aquilo que sabemos. Porém, posso pronunciar-me sobre o símbolo cultural e espiritual do referido livro, que tem como representação uma determinada ideia de sociedade. Sobre esse simbolismo, posso falar. E o símbolo espiritual da “Minha Luta”, de Hitler, (que se reflecte em um determinado significado) para além de não ser comparável (simbolicamente) à obra de Nietzsche, é de tal forma negativo que deve ser tratado como uma espécie de “mal condensado”.
Se me disserem que o referido livro deve ser estudado e lido a nível dos estudantes universitários, não tenho nada contra. Que me digam que o livro pode ser vendido a qualquer bicho careta, mantenho as minhas reservas. As ideias têm consequências.
Quanto ao resto do texto:
1/ a obra de Nietzsche (não a li: estudei-a!, linha a linha) não tem sido “demonizada”; quando as críticas são objectivas, não “demonizamos” ninguém. Quando eu digo, por exemplo e por analogia, que “um assassino é um assassino porque matou alguém”, não o estou da “demonizar”: estou a constatar um facto. Os factos, por si mesmos, não “demonizam”: é a interpretação emocional dos factos que pode “demonizar”. Nietzsche não foi um demónio; foi um pobre coitado que morreu louco.
“Nietzsche está morto” (Deus).
2/ do ponto de vista do seu simbolismo, não é possível comparar o livro de Hitler com qualquer outro livro jamais publicado. Não é possível comparar o simbolismo de Hitler com o de Darwin, com o de Adam Smith, com o de Nietzsche, com o de Platão, com o de Karl Marx, etc.. Quando um determinado símbolo tem, como seu representado (representação), a defesa (explícita ou implícita) da aniquilação humana na forma de uma determinada raça (estou a falar no símbolo, e não no livro que não li), esse símbolo não pode ser tratado como outro qualquer.
3/ o actual branqueamento do Holocausto é também uma consequência desse simbolismo do livro. Desde Sócrates (o grego) que sabemos que ninguém faz o mal pelo mal: quando alguém faz mal a outrem é porque quer algum bem, quanto mais não seja o seu próprio bem.
Mas o símbolo do nazismo (assim como o símbolo dos Gulag soviéticos) ultrapassou a fronteira do “mal”, entendido na forma humana e segundo Sócrates: com o nazismo, o mal tornou-se metafísico, manifestando-se através da liberdade da indiferença e do acto gratuito.
Quando o conceito de “direito” é distorcido de tal forma que se transforma em exigência de quebra de outros direitos fundamentais, não estamos em presença de “direitos”, mas de atentados à liberdade.
Por exemplo, em Espanha, o Podemos pretende introduzir na Constituição o “direito ao trabalho” e o “direito à despesa pública” — o que significa que qualquer desempregado poderá processar judicialmente o Estado por não ter trabalho.
A característica fundamental dos direitos clássicos do liberalismo é a de que o seu exercício, por parte de qualquer pessoa, não implica a usurpação de direitos de outras pessoas.
Ora, isto não acontece, por exemplo, com a adopção de crianças por pares de invertidos, em que estão envolvidos os direitos das crianças à sua árvore genealógica; nem acontece com a procriação medicamente assistida para todo o bicho careta, em que há crianças que nascem sem pai conhecido; nem acontece com as "barriga de aluguer" (a chamada “maternidade de substituição”), em que a criança é tratada como um objecto que se compra e se vende, e em que a mulher é tratada com um animal hospedeiro.
Mas é impossível que o Luís Aguiar-Conraria compreenda coisas tão simples como estas. É um idiota chapado. É um liberticida que usa e abusa do conceito de liberdade.
¿Como podemos compreender que o Bloco de Esquerda, que é constituído basicamente por trotskistas, seja hoje defensor radical dos “direitos do indivíduo”? ¿Como é que gente, como por exemplo o João Semedo que foi militante do Partido Comunista, defende hoje a “liberdade de consciência” do indivíduo para ter direito à eutanásia?
A resposta é simples: a expansão ilimitada do conceito de “direitos do indivíduo” está a ser utilizada para acabar com os direitos do individuo que diz defender, através de um Poder do Estado cada vez maior.
A lógica da Esquerda é seguinte:
1/ vamos invocar que o indivíduo tem direito a tudo e mais alguma coisa, em nome da sua liberdade de consciência;
2/ depois, vamos dizer só um Estado forte e totalitário pode garantir esses direitos do indivíduo;
3/ e quando a máquina de um Estado plenipotenciário estiver instalada, podemos retirar quaisquer direitos ao indivíduo sem que seja possível qualquer reacção por parte da sociedade.
É assim que raciocinam o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista (mas também do Partido Socialista de António Costa).
idem, para pessoas com doenças mentais (se é um doente mental, ¿como pode pedir a sua própria morte?)
idem, para crianças “maduras”;
os enfermeiros e médicos serão obrigados a executar os doentes, sem qualquer direito a objecção de consciência;
os hospitais privados de cariz religioso (por exemplo, os hospitais católicos) serão obrigados a eutanasiar.
Ou seja, toda a sociedade é sacrificada, na sua consciência, para que alguns indivíduos tenham direito a ser eutanasiados, por um lado, e por outro lado para que o Estado adquira um maior Poder sobre a sociedade e sobre os indivíduos em geral. Em nome da liberdade do indivíduo, anula-se, a prazo, a liberdade do indivíduo através do reforço do poder do Estado.
É óbvio que o ataque da Esquerda é também contra a liberdade religiosa. A “liberdade do indivíduo” é colocada como motivo para se eliminar a liberdade dos indivíduos. Passam a existir indivíduos com mais direitos naturais que outros. Temos aqui uma nova versão da construção de uma espécie de URSS.
A perversidade e o cinismo desta estratégia política não se aplica apenas na lei da eutanásia. E os defensores de um Estado leviatão e absolutista serão sempre os guardiões das nossas consciências no futuro: nas palavras de Kant, “é o maior despotismo que pode existir”.
A Esquerda é determinista; recusa a noção de liberdade. E apenas invoca a liberdade para justificar a sua visão determinista: a liberdade é vista, pela Esquerda, como uma forma de cada um obedecer às suas próprias leis endógenas alegadamente impostas pela Natureza.
Para a Esquerda, o ser humano não tem alma. E, por isso, o ser humano subordina-se exclusivamente às leis da natureza e às leis da causalidade: a liberdade do ser humano, segundo a Esquerda, consiste em não contrariar as supostas leis da natureza que o agrilhoam.
“O neoliberalismo tem-se relacionado com o aumento da obesidade. O neoliberalismo faz mal à saúde. Isto anda mesmo tudo ligado”. → Isabel do Carmo, radical de Esquerda, via
Seguindo o raciocínio da Isabel do Carmo, um assassino poderia explicar ao juiz que o seu acto resultou inevitavelmente, por exemplo, da sua predisposição genética, ou de um processo programado no cérebro (tal como um trovão se segue a um raio). Ou seja, a culpa seria da organização do mundo, ou então da Natureza que deixa que os seres humanos se tornem assassinos. E por isso, segundo a Esquerda, há que organizar o mundo de forma que os assassinos acabem, através da maior repressão política possível.
Deste modo, o ser humano degrada-se ao nível de um autómato que executa apenas aquilo a que é obrigado pela Natureza, ou então só faz aquilo a que é forçado pela organização da sociedade — porque o ser humano não tem livre-arbítrio. Os únicos com livre-arbítrio fazem parte da plêiade de iluminados de Esquerda. Só a elite de Esquerda é livre para determinar que a maioria não é livre.
Ou seja, segundo a Esquerda, o ser humano não é livre nem responsável pelas consequências dos seus actos. Por isso é que “os obesos são vítimas do neoliberalismo”: eles não têm livre-arbítrio. Isto significa que a igualdade perante a lei é uma ilusão, porque cada ser humano é dotado pela Natureza com dons diferentes. Em um mundo que é dirigido exclusivamente pelas leis da natureza, o conceito de “justiça” não tem qualquer sentido.
Esta mundividência de Esquerda é assustadora — porque defende a ideia segundo a qual, seja o que for que vou fazer, no momento da acção, passa-se comigo o mesmo que se passa com um autómato: não posso agir de outra maneira (“os gays nascem assim, e portanto não podem agir de outra maneira”).
Entre a Esquerda e a Direita existe esta diferença fundamental, e absolutamente irreconciliável. A Direita propriamente dita diz que alguns acontecimentos do mundo (o mundo moral) devem-se a decisões independentes de regras, e autónomas (autodeterminação): o conceito de autonomia da Direita baseia-se na Natureza Humana como algo de fundamentalmente inalterável — ao passo que a Esquerda nega o conceito de Natureza Humana perene, e acredita que pode alterá-la através de engenheiras sociais.
Este texto traduz um dos maiores problemas da nossa sociedade actual: os chamados “crimes de ódio”. Uma galdéria inglesa que participa em “Reality Shows” (ver imagem de Ursula Presgrave) escreveu no FaceBook que “as crianças com Trissomia 21 deveriam ser abatidas”; foi levada a tribunal e condenada a 6 meses de prisão remíveis com 5 mil libras de multa.
O articulista, que é um libertário (provavelmente de direita), diz que a Justiça inglesa não tem nada a ver com aquilo que as pessoas dizem, alegadamente porque as pessoas são livres de dizer o que quiserem e “lhes der na real gana”, em nome da “liberdade de expressão”; e até invoca Stuart Mill para sustentar a “liberdade de expressão”.
O problema ético (com consequências jurídicas) é o seguinte: ¿há limites para a liberdade de expressão? ¿E havendo, quais são esses limites?
Hoje há uma grande confusão acerca do conceito de “crimes-de-ódio”, e a Esquerda é a responsável por essa confusão.
Esta confusão propositada da Esquerda conduz à confusão dos libertários de Direita que, em função do radicalismo politicamente correcto que pretende controlar o pensamento do cidadão, tendem a tornar absoluto o conceito de “liberdade de expressão”. Uns dizem que o discurso deve ser censurado, e os outros dizem que não deve haver qualquer censura no discurso.
Desde logo existe o critério do “alarme social”.
Não é a mesma coisa que um “blogueiro” obscuro escreva que “os gays devem ser abatidos”, ou que alguém que apareça na televisão diga a mesma coisa. Quem aparece nos me®dia tem um alcance sócio-cultural muito maior.
Depois existe o critério do “atentado à integridade física da pessoa”.
Alguém que escreva, por exemplo, que “os gays devem ser abatidos”, revela uma intencionalidade objectiva de que se atente contra a integridade física dos homossexuais em geral, e enquanto pessoas.
Portanto, o limite absoluto da liberdade expressão é, em primeiro lugar, o discurso de atentado à integridade física da pessoa, e depois o alarme social que esse discurso pode causar. Estes critérios devem ser universais (aplicável à Esquerda e à Direita), criando um senso-comum baseado no bom-senso.
Depois temos as alegadas “injúrias”, as “difamações”, etc., que podem ser ou não, dependendo das decisões dos tribunais, e que fazem parte da liberdade de expressão. Mas atentar de forma verbal, pública e com alarme social contra a integridade física de uma pessoa (nascida ou nascitura) não pode deixar de ser crime.
Se não existe nenhuma possibilidade de enraizar a ética no Absoluto, todas as reflexões são inúteis e a lógica não existe.
A elite actual cria propositadamente grande parte dos problemas sociais; e depois invoca a necessidade de restrição drástica da liberdade política para os resolver.
“O regime [republicano] está, na verdade, expresso naquele ignóbil trapo que, imposto por uma reduzidíssima minoria de esfarrapados morais, nos serve de bandeira nacional — trapo contrário à heráldica e à estética, porque duas cores se justapõem sem intervenção de um metal e porque é a mais feia coisa que se pode inventar em cor. Está ali contudo a alma do republicano português — o encarnado do sangue que derramaram e fizeram derramar, o verde da erva de que, por direito mental, devem alimentar-se.”
(Fernando Pessoa)
« Para as elites, a dignidade humana já não é inata; e mitos científicos protegem o “direito à autonomia” que é mais importante do que a Verdade. »