perspectivas

Segunda-feira, 29 Abril 2019

O axioma da “razão suficiente”

Filed under: Europa — O. Braga @ 10:24 pm
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“Nenhum facto pode ser verdadeiro ou real, ou nenhum juízo pode ser correcto, sem uma razão suficiente.”

Leibniz  

É praticamente unânime a consideração segundo a qual Leibniz e Newton foram dos europeus com mais elevado QI da História.

O princípio da “razão suficiente” [de Leibniz] é simplesmente genial, desde logo porque não se poderia deduzi-lo da experiência: este axioma foi e será sempre válido. A verdade deste axioma é intemporal: a sua verdade existe numa dimensão intemporal da consciência, na qual a Razão participa.

Ou seja, é pressuposta a validade daquilo que só deve ser comprovado pela dedução — independentemente do modo como os axiomas lógicos [que não são físicos!] surgiram ao longo da evolução humana, a validade desses axiomas transcende a realidade humana.


A ler:


“Mesmo que os axiomas de uma [qualquer] teoria [cientificamente válida] sejam formulados pelo ser humano, o sucesso de um tal empreendimento pressupõe uma elevada ordem do mundo objectivo, que não se podia esperar de maneira alguma. ”

→ Albert Einstein, “Worte in Zeit Und Raum”, 1992, pág. 92, Bonn.

Sábado, 16 Março 2019

A fórmula intemporal da estética dos objectos

Filed under: A vida custa — O. Braga @ 12:47 pm
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A professora Helena Serrão transcreve aqui um trecho de uma tal Paula Mateus (que eu não sei quem é) acerca da teoria histórica de um tal Levinson (que também não sei quem é, nem me interessa saber). O que me interessa é tentar analisar o referido textículo.

Desde logo, e contra a teoria do Tal Levinson (ou da Paula Mateus), a essência da arte não se reduz à História; a arte transcende a História: neste aspecto (como noutros) aplica-se o realismo de Platão. Toda a arte é uma aproximação (mais ou menos conseguida) ao um ideal estético/ético (ideal de beleza).

Aplica-se aqui a diferença humeana (isto é uma analogia!) entre “questões de facto”, por um lado, e as “relações de ideias”, por outro lado: certas concepções sobre “relações de ideias” são verdades necessárias (existem em uma realidade ideal, intemporal); por exemplo, dados os axiomas de Euclides, só se pode concluir que a soma dos ângulos de um triângulo é de 180 graus e não outra coisa qualquer: o axioma de Euclides existe em uma realidade ideal. Mas a obra de arte humana (empírica, temporal) já é uma “questão de facto”, é uma realidade contingente que se pode assemelhar, mais ou menos, à “realidade ideal” que é o ideal estético que existe independentemente de qualquer recurso à evidência empírica.

Mas, por outro lado, o Tal Levinson tem razão quando inclui o factor histórico (o legado cultural, civilizacional, a tradição, etc.) na actividade artística. Porém, e ao contrário do que diz o Tal Levinson, não existe “evolução na arte” — porque isso seria introduzir a validade do Historicismo na arte, por um lado, e por outro lado seria considerar a decadência (cultural) da arte como uma “evolução” no sentido positivo. Existe, sim, mudança na arte, que não é necessariamente “evolução” no sentido positivo.

O conceito (do Tal Levinson) de “direito de propriedade da arte” cheira a Pragmatismo. Nem vale a pena falar do assunto.

Quarta-feira, 15 Fevereiro 2017

A eutanásia e a autonomia do indivíduo

 

Um artigo escrito por um Diogo Costa Gonçalves, acerca da eutanásia e com o título “Eutanásia e o ‘mito da autonomia’”:

“Sucede, porém, que a autonomia é um mito: um novo dogma moderno com pouco sustentação na realidade. Não, não somos autónomos!”


“Autonomia” é também, e em primeiro lugar, o livre-arbítrio de S. Tomás de Aquino. Em segundo lugar, é sobretudo a “autonomia” segundo Kant que resume o conceito de livre-arbítrio de S. Tomás de Aquino.

No sentido comum ou vulgar, autonomia é a capacidade de um indivíduo ou de um grupo de determinar ele próprio o seu modo de organização e as regras em relação às quais se submete.

Mas, no sentido filosófico (ética) e moral, a autonomia pode ser uma de duas coisas:

1/ Em Kant, é a característica da vontade que se submeteu livremente à lei moral sancionada pela razão pura prática, por respeito a essa lei, e excluindo qualquer outro móbil.

2/ liberdade moral do sujeito que age de acordo com o que a sua razão lhe dita e não por simples obediência às suas paixões.


Em Kant, a autonomia é simultaneamente liberdade negativa e liberdade positiva.

A liberdade negativa é aquela que consiste em não ser impedido de agir — a de não ser impedido por outrem naquilo que desejamos fazer, ou a liberdade de se exprimir sem censura.

Em contraponto, a liberdade positiva é a liberdade do cidadão-legislador, segundo o princípio de autonomia de Kant, que consiste em tomar parte nas decisões políticas e públicas, e de co-exercer a autoridade em geral.

Segundo Kant, uma acção não pode ser verdadeiramente moral se não obedece a razões sensíveis, exteriores à razão legislativa. Por exemplo, segundo Kant, se ajo por amor à Humanidade, não ajo por dever, mas por sentimento. Ora, uma acção cuja máxima se baseia num sentimento não pode aspirar à universalidade e servir de lei a todo o ser racional.

Em contrapartida, e seja qual for o meu sentimento em relação à Humanidade, “tratar a Humanidade na minha pessoa e na pessoa de qualquer outro, sempre simultaneamente como um fim, e não simplesmente como um meio”, é a máxima exigível universalmente, um dever para todos; a vontade que determina a sua acção a partir dela, é uma vontade autónoma, na medida em que se submete livremente à lei da razão pura prática.


Os que defendem a legalização da eutanásia e afins (que são todos de esquerda, mesmo que digam que não são de esquerda) utilizam o conceito de “autonomia” de forma abusiva e falaciosa, porque não cabe em nenhuma das duas noções de “autonomia” supracitadas. É neste sentido que o Diogo Costa Gonçalves tem razão: em nome da “autonomia” (vista apenas como liberdade negativa), negam-se deveres (liberdade positiva), por exemplo, o dever de solidariedade.

Ou seja: a autonomia (enquanto livre-arbítrio) não é um mito, como diz o Diogo Costa Gonçalves. O que que esquerda faz (por exemplo, Rui Rio, que diz que não é de esquerda) é interpretar erroneamente o conceito de “autonomia”; é ver só uma parte do conceito de “autonomia”, ou seja, vê-lo à luz das paixões (sentimentalismo), e não à luz da razão que universaliza a vontade e a lei moral. De resto, o Diogo Costa Gonçalves tem razão:

“Se a dependência é vista como um fardo, como um indignidade, o direito a uma morte rápida e indolor transforma-se facilmente num dever de morrer dignamente, de não ser pesado, de não onerar o outro com a minha existência.

Não tenhamos dúvidas: é isto o que está em debate na eutanásia. O sofrimento do outro – por quem, infelizmente, poucos realmente se interessam – é apenas um pretexto emocional para a discussão… tudo mais (menos cuidados paliativos, mais consentimento informado, etc.) são minudências de uma discussão que só não vê quem não quer.”


 

O utilitarismo da esquerda contemporânea

Quarta-feira, 18 Janeiro 2017

A vontade de cagar dos intelectuais contemporâneos

Filed under: A vida custa — O. Braga @ 6:18 pm
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PAPA-wcO Joaquim escreveu aqui algo sobre aquilo a que se chamou “força de vontade”, que é aquilo a que sempre se chamou “vontade”.

Aquilo a que o Quim chama de “força de vontade”, é a vontade; e a razão por que se fala em “força” para além da “vontade”, é porque a maioria dos professores universitários e investigadores não sabe quem foi Aristóteles (que sempre defendeu que a vontade adquire-se e fortalece-se através da educação dos jovens) e tem uma vaga ideia de Descartes (que distinguiu a vontade, por outro lado, do entendimento, por outro lado).

Entende-se por “vontade” (ou “força de vontade”, como quiser o Quim) uma qualidade de carácter (ao contrário do que diz o professor universitário do Quim): ter vontade é manifestar perseverança nas escolhas de vida e firmeza nas decisões. A vontade é aquilo através do qual um carácter exprime a sua força de afirmação.

Para além deste sentido psicológico da vontade, encontra-se o problema do voluntário e do involuntário, que tem reflexos no enquadramento jurídico. Em teoria, um acto é voluntário quando encontra o seu princípio numa decisão interior do sujeito livre (o que quer que possa significar “sujeito livre”).

A “vontade” não se deve confundir com “desejo”.

Por exemplo, quando se diz: “tenho vontade de cagar”, deveria dizer-se “tenho desejo de cagar” — porque o desejo remete para uma inclinação ou tendência da qual esperamos retirar uma satisfação sensível e imediata. Por outro lado, se a cagação fosse sujeita à vontade, poderia haver quem tivesse vontade de não cagar, o que seria praticamente impossível a um ser vivo.

A filosofia concebeu a vontade segundo três dimensões: a vontade como faculdade da alma (Platão, Aristóteles, Descartes), a vontade e os valores (Santo Agostinho, S. Tomás de Aquino, Kant), e a vontade e o estar no mundo (Schopenhauer, Nietzsche, e os niilistas modernos que se seguiram, como por exemplo, Heidegger).

Quinta-feira, 15 Dezembro 2016

O “eunuco espiritual”, segundo Eric Voegelin

Na sua obra “História das Ideias Políticas”, Eric Voegelin explica-nos aquilo que ele chama de “eunucoidismo espiritual”. Vou tentar traduzir aqui esse conceito, segundo Eric Voegelin. Os trechos a itálico reflectem a terminologia do próprio Eric Voegelin.

Com o positivismo, a ciência adquiriu a característica de um pathos (do grego, “paixão”) de autonomia e auto-confiança (ou pathos cientificista), que deriva da verificação da causalidade empírica dos fenómenos. Se uma determinada relação causal fenoménica é constatada pela ciência, esta adquire essa auto-confiança que não existe naturalmente na condição existencial do ser humano.

A condição existencial, natural e normal do ser humano, é a da incerteza; em contraponto, a condição normal da ciência positivista é da “certeza” em função da verificação  empírica  da causalidade de parte dos fenómenos , e de uma auto-confiança que essa “certeza” lhe dá ― pelo menos é assim que a “verdade” da ciência é interpretada pelo eunuco espiritual. (more…)

Sábado, 10 Dezembro 2016

Os juízos de valor são juízos de facto

Filed under: A vida custa — O. Braga @ 12:42 pm
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Um juízo de facto é um juízo que descreve a realidade sendo, por isso, considerado objectivo, verificável e susceptível de ser considerado verdadeiro ou falso. Por exemplo: “Lisboa é uma cidade”, é um juízo de facto (verdadeiro, neste caso).

O Desidério Murcho coloca aqui algumas perguntas:

“Será que todos os juízos de facto são facilmente verificáveis ou confirmáveis, sendo isso que os distingue dos juízos de valor? Será que todo o juízo ou é de facto ou é de valor? Serão todos os juízos de valor normativos? E um juízo filosófico como “O livre-arbítrio não é compatível com o determinismo”, será um juízo de facto ou de valor?”

A definição de “juízo de facto” responde já a algumas das perguntas. Um juízo de facto pode ser falso ou não-verificável. Por exemplo, a proposição: “todos os deuses falam grego”, não é empiricamente verificável, e por isso não sabemos se é verdadeira ou falsa. E há juízos de facto assumidos, que são falsos: por exemplo, posso assumir como um facto que a minha tia foi passar o fim-de-semana ao Algarve e isso não ter acontecido.

Porém — e voltando às perguntas do Desidério Murcho — a oposição entre juízos de facto e juízos de valor pode ser mais aparente do que real.

O uso do juízo de valor enuncia o que “deve ser”, e o que “não deve ser”.

Embora não possa existir uma ciência normativa constituída por juízos de valor, mas apenas uma ciência crítica, podemos contudo tomar como base de discussão a afirmação inversa: os juízos de valor são juízos de facto que enunciam, embora de forma “indirecta”, o pensamento (que é efectivamente um facto) "valorizador" daquele que fala.

Se um juízo de valor é racionalmente fundamentado, universal e intemporal, então esse juízo de valor é um juízo de facto objectivo e verdadeiro até prova racionalmente fundamentada em contrário.

Sábado, 19 Novembro 2016

Ensinando o Pai-Nosso ao Padre jesuíta Gonçalo Portocarrero de Almada

 

“I protest against the power of mad minorities to treat the majority as if it were another minority. But still more do I protest against the conduct of the majority if it surrenders its representative right so easily”. → G. K. Chesterton


“Ai do mundo por causa dos escândalos! Eles são inevitáveis, mas ai do homem que os causa!” [Mateus, 18, 1-8]


Depois destas duas citações, vou citar o Padre Gonçalo Portocarrero de Almada:

“O que é, ou não, natural tem muito que se lhe diga. Sem entrar no fundo da questão, pode-se dizer que é natural o que se observa na generalidade das pessoas e que, por isso, se atribui à natureza humana. Ora, no mundo inteiro, cerca de 97% da humanidade sente-se atraída pelo sexo oposto: pode-se dizer portanto que, em termos sociológicos, essa é a tendência mais natural, sem que o seu contrário seja anormal. Neste sentido, o celibato, que contraria uma inclinação generalizada, não é tão natural quanto o casamento, sem que por isso seja nenhuma anormalidade. Ser superdotado também não é natural, embora seja, como é óbvio, excelente”.

Ou seja, para o Padre, “há tendências mais naturais do que outras”. Naturalmente que se ele comparar o ser humano com o peixe-palhaço, chegará à conclusão de que a ideologia de género é natural.

Por outro lado, o Padre compara a “não-naturalidade” do celibato — que é um esforço que contraria o desejo de um fim próximo, em função do desejo de um fim último: ou seja, o celibato é uma virtude —, por um lado, com a “não-naturalidade da homossexualidade”, por outro lado — como se a homossexualidade fosse também uma “virtude não-natural”.


Mais adiante, o Padre escreve:

“A propósito, esclareça-se que a Igreja não reprova a tendência homossexual, nem muito menos as pessoas – algumas, por certo, católicas – que, por vezes contra a sua vontade e com grande sofrimento, se reconhecem nessa situação. O que a Igreja reprova são os comportamentos contrários ao que, segundo a Bíblia, entende ser o recto uso da sexualidade humana, sejam esses actos praticados por um homem ou uma mulher, uma pessoa solteira ou casada, com tendência homossexual ou heterossexual”.

Isto seria o mesmo que o Padre dissesse: a igreja não reprova a tendência psicopata do assassino em potência: o que a Igreja Católica reprova é o acto do homicídio”. Obviamente é falso. O Padre cai na casuística que os jesuítas inventaram e que o papa Chico utiliza de forma adestrada na destruição da doutrina católica.

A verdade, o que o Padre jesuíta Gonçalo Portocarrero de Almada escamoteia, é a seguinte: a Igreja Católica condena, em graus e termos diferentes e como é lógico, a tendência homossexual e o acto homossexual.

É falso dizer que “a Igreja não reprova a tendência homossexual”, porque isso seria afirmar que a Igreja Católica aprova o conatus gay, o que teria como consequência a impossibilidade lógica de condenar o próprio acto homossexual.

Quarta-feira, 28 Setembro 2016

O Domingos Faria e a confusão do amor politicamente correcto

 

O conceito de “amor” tem sido a ser prostituído por ditos “intelectuais”, e parece que o Domingos Faria embarca no sofisma.

“(…) quando se diz que os homossexuais são incapazes de ter crianças que são o fruto dos seus actos de amor, o Swinburne parece estar a fundir os conceitos de amor e de sexo/procriação. Todavia, tais conceitos não são coextensionais; pois, há muitos actos sexuais que não são actos de amor, bem como há actos de amor que não são actos sexuais. Por exemplo, as carícias, olhares, ou até a partilha das tarefas domésticas não são afinal "actos de amor"? Mas terão esses actos de estar fundidos ou ligados com actos sexuais? Parece óbvio que não”.


Tradicionalmente, faz-se a distinção entre espécies diferentes de “amor”:

  • libido (o amor pelo prazer e o sexo)
  • eros (o amor pelo belo, o deixar-se comover pela sedução do sedutor)
  • filia (o amor entre os corações que não podem viver um sem o outro)
  • ágape (o amor imanente pela comunidade, o amor pelo “outro” em abstracto, o amor pela sociedade, o amor pela continuidade e futuro da pólis)

O amor propriamente dito é a aspiração à unidade daquilo que se completa (também na Natureza). Aquilo que, por princípio, não se completa (naturalmente), também não pode constituir uma unidade. Neste sentido, o amor entre seres humanos é constituído pela libido, eros, filia e ágape.

(more…)

Segunda-feira, 19 Setembro 2016

O Renato Epifânio e Heidegger

Filed under: A vida custa — O. Braga @ 11:42 pm
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Ao longo da história da filosofia, já foi mil e uma vezes salientada a relação essencial entre o pensamento e a linguagem. Esta não é apenas um mero instrumento que o pensamento usa para se exprimir. Dado que todo o pensamento é sempre já verbal – ou seja, dado que não há um pensamento que exista antes da linguagem –, a linguagem é, dir-se-ia, a “matéria” através da qual o pensamento se corporiza, se constitui.

No decurso da minha formação filosófica, o autor que foi mais determinante na sinalização dessa relação essencial entre o pensamento e linguagem foi o alemão Martin Heidegger. Ao longo de toda a sua obra, essa sinalização é, com efeito, uma constante. Daí que o exercício do pensamento em Heidegger seja, desde logo, um exercício linguístico. Ninguém mais do que ele, no século XX, explorou os limites da língua alemã.”

Fundamentos e Firmamentos da Filosofia Lusófona (ver aqui em ficheiro PDF)

1/ Há aqui uma aparente contradição do Renato Epifânio: por um lado, “todo o pensamento é sempre verbal”; por outro lado, “a linguagem é, dir-se-ia, a “matéria” através da qual o pensamento se corporiza, se constitui”. Ora, se “todo o pensamento é sempre já verbal”, então segue-se que linguagem não pode ser logicamente uma consequência (não pode ser a “corporização”) do pensamento (como está implícita na ideia do Renato Epifânio).

2/ “Pensamento” confunde-se praticamente com “consciência”.

3/ A relação entre o pensamento e a linguagem pode ser comparada à relação entre um pianista e um piano: embora o pianista precise do piano para tocar, o pianista pode subsistir sem o piano e não deixa de ser pianista por isso. É certo que a linguagem exprime o pensamento, mas não são “coetâneos”, ou seja, não podem ser colocados em um mesmo nível existencial ou axiomático ou de nexo causal.

4/ A consciência (traduzida pelo pensamento) é uma experiência originária — comprovável a nível intersubjectivo — que antecede a experiência objectiva (traduzida pela linguagem), tanto em termos lógicos como também em termos existenciais.

5/ A ideia do Renato Epifânio segundo a qual “não há um pensamento que exista antes da linguagem” tem como característica a auto-referência circular (auto-referencialidade).

Vejamos, por exemplo, a seguinte proposição:

“Houve um tempo em que eu não vivia, e chegará um tempo em que eu já não viverei”.

Na tentativa de pensar a minha própria não-existência, tenho que fabricar uma imagem de mim próprio como se eu fosse outra pessoa. Porém, é um facto que não podemos saltar fora de nós próprios (não podemos saltar fora da nossa consciência, e, por isso, saltar fora do nosso pensamento) de modo a pensarmo-nos a partir do exterior (a partir do conceito de “linguagem”). Se me penso a partir do exterior (a partir da linguagem), não me penso a mim; se me penso a partir do interior (a partir da minha consciência), então segue-se que não posso pensar como seria não existir (ou como seria não ter linguagem).

6/ Pergunto-me como é possível a alguém que se diz de Direita (como é o caso do Renato Epifânio) dar tanta importância a Heidegger — a não ser que considere que o nacional-socialismo alemão era de Direita.

Quinta-feira, 7 Julho 2016

O erro de Espinoza

Filed under: cultura — O. Braga @ 2:37 pm
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O essencial das ideologias de Richard Dawkins e/ou de Peter Singer encontrava-se já em Espinoza.

SpinozaPor isso é que Espinoza é adulado por ideólogos de Esquerda: Espinoza é ensinado nas escolas e nas universidades assim como uma espécie de “introdução ao ateísmo” que é determinista por natureza; os comunistas apreciam muito Espinoza.

Mas quando analisamos uma teoria ou uma doutrina de um determinada época, temos também que a avaliar em função dos conhecimentos que temos hoje.

Espinoza partiu do princípio de que o universo é eterno; e a não ser que a Física actual esteja errada, o universo que temos teve um princípio (Big Bang), e por isso, teve um início no tempo. Portanto, se o princípio de que parte Espinoza está errado, toda a teoria dele está errada. Além disso a Física actual chegou à conclusão que a natureza não é determinista (como defende Espinoza e o ateísmo), por um lado, e por outro lado que o nexo causal que existe na leis da natureza macroscópica se deve à entropia da gravidade, mas as leis da natureza não são 100% infalíveis — por exemplo, e por mais estranho que nos possa parecer, a ideia segundo a qual “o Sol nascerá amanhã” não é garantida a 100%.

Espinoza esteve errado em quase tudo o que defendeu; até a sua ética é inconsequente porque não tem uma relação coerente com a sua (dele) metafísica: não se pode defender a liberdade do ser humano, ao mesmo tempo que se defende que o ser humano obedece ao mesmo princípio totalmente determinístico das leis da natureza.

Espinoza deve ensinado aos estudantes de filosofia no sentido de lhes transmitir um exemplo de uma teoria e doutrina erradas.

Domingo, 19 Junho 2016

A metafísica também é passível de experiência

Filed under: A vida custa — O. Braga @ 7:12 pm
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O Ludwig Krippahl confunde aqui (propositadamente, digo eu) “experiência” e “experimentação”:

“Entre cientistas que desprezam a filosofia como mera especulação de sofá e filósofos que a dizem intelectualmente superior, muitos alegam que a diferença entre ciência e filosofia é que a ciência é experimental e a filosofia é conceptual. É um erro sedutor mas o exemplo da matemática, alegadamente semelhante à filosofia na sua pureza intelectual, ajuda a duvidar da distinção. Por um lado, a matemática é mais parecida com a física do que com a filosofia. Tão parecida que os físicos mais famosos eram matemáticos. Ou vice-versa. Por outro lado, porque a matemática é fundamentalmente empírica. Só no início do século XX é que se tentou formalizar a noção de número numa teoria lógica sobre conjuntos. Além da noção de conjunto provir também da nossa experiência, durante dois mil e tal anos, de Euclides a Frege, ninguém sentiu falta de uma definição formal de “número”. Aqui estão três cabras, ali duas maçãs e este é um pau para dar na cabeça de quem se puser com perguntas parvas. A matemática sempre foi, e ainda é, uma abstracção da nossa experiência empírica. Tal como a física, a biologia e a química. E a filosofia.”

É vulgar confundir-se “experiência” e “experimentação”: a experimentação é científica (no sentido de ciência positivista), mas a experiência pode não ser. Por outro lado, confunde-se “experiência subjectiva” e “experiência intersubjectiva”, sendo que esta última também pode ser chamada de “experiência objectiva”. Aquilo que é “objectivo” é sempre intersubjectivo (na dimensão humana da realidade).

Em ciência, “experimentação” é o conjunto dos meios e procedimentos de controlo destinados a verificar uma hipótese ou uma teoria.

O que o Ludwig Krippahl pretende dizer é que “o ser humano age em função da sua experiência” — o que é uma verdade de La Palisse. Mas “agir em função da sua experiência” (seja uma experiência acumulada pela ciência — modus ponens — e/ou intersubjectiva, seja uma experiência subjectiva) não significa “agir de forma empírica”.

O “empirismo” define a primeira relação entre o sujeito pensante e a exterioridade como constitutiva do essencial do conhecimento; mas esta definição é injustificável, porque, em princípio, o empirismo ficaria, assim, desprovido de qualquer discurso; e é em função desta impossibilidade de qualquer discurso que o empirismo contesta a possibilidade da filosofia. E por isso, a filosofia não pode ser empírica no sentido que se dá a “empirismo”; nem tão pouco a física moderna é empírica; e a matemática também não é empírica neste sentido. Não devemos confundir empirismo, por um lado, e experiência, por outro lado.

Há que clarificar estes conceitos, sob pena de entramos em uma logomaquia.


A ideia do Ludwig Krippahl segundo a qual “a ética evolui” é comparável à ideia segundo a qual “a lógica evolui”. A verdade é que o aparecimento de novos problemas éticos não significa que “a ética evolui”, assim como o aparecimento de novos problemas matemáticos não significa que “a lógica evolui”.

Quando o Ludwig Krippahl fala em “progresso da ética”, pretende dizer que existe um “progresso dos valores”, entendidos em si mesmos — alegadamente, os valores também evoluem. Para ele, os valores não têm uma validade intemporal, e, por isso é que (segundo ele) “a ética progride”, como progride a ciência. O Ludwig Krippahl vê todas as transformações civilizacionais como uma forma de “progresso” determinístico, à maneira de Hegel e de Karl Marx. Desta forma, a História tem um Eidos (uma forma) em que o progresso é uma lei da Natureza. Mas a verdade é que basta uma geração de bárbaros para deitar na pia o progresso inteiro; mas, ainda assim, o Ludwig Krippahl consideraria os bárbaros como intérpretes do “progresso”.


Quando a matemática descobriu o bosão de Higgs, a física não acreditou nela porque vivia na experiência do passado, e a matemática já vivia no futuro. O problema do Ludwig Krippahl continua a ser a recusa da metafísica — o que é uma forma de metafísica. O Ludwig Krippahl vive em contradição permanente.

Por exemplo, na física quântica, o “fundamento empírico” é muitas vezes a negação do empirismo. A quântica verifica fenómenos que vão ao arrepio do empirismo, ou seja, verifica “empiricamente” que o empirismo não é aplicável. Quando a física quântica verifica (por inferência) que as ondas quânticas não têm massa (e por isso não são matéria propriamente dita), o empirismo entra pelo cano abaixo.

Domingo, 22 Maio 2016

A Santíssima Trindade e a dificuldade da Lógica

 

A Lógica macroscópica, tal como a conhecemos depois de Aristóteles, aplica-se (obviamente) na realidade macroscópica; ou então (em alternativa), teremos que basear a Lógica na unidade do Todo (existe uma Lógica mais abrangente, que não renega a de Aristóteles, mas que a inclui) — Santo Agostinho dizia que “quando começamos a contar, começamos a errar”; um dias destes, a Física ainda vai chegar à conclusão de que Santo Agostinho tinha razão.

O Domingos Faria escreve aqui acerca do “problema lógico” do dogma da Trindade na Igreja Católica. Em analogia, vou falar aqui do problema lógico das partículas elementares e das ondas subatómicas, segundo a Física mais actual. Ou seja, se existe um problema lógico no conceito de Santíssima Trindade, também existe um problema lógico na ciência actual.


1/ As partículas elementares a que hoje chamamos de “fotões” são partículas sem massa e que viajam no espaço sempre à velocidade da luz.

2/ Na medida em que toda a matéria tem massa — ou, utilizando a terminologia de Kant: na medida em que a massa é a condição da matéria —, os fotões (a luz) não são matéria. Ou seja, existe uma realidade “material”, e uma outra “não material”.

3/ Mas os fotões (luz), e as ondas de probabilidade, são simultaneamente partículas elementares subatómicas e ondas de probabilidade (sem massa). À luz da Lógica macroscópica, esta contradição é insanável, porque atenta contra os princípios lógicos do pensamento. O estudante de Física que diga que percebeu a quântica, não percebeu nada — a não ser que dispa a Lógica macroscópica e vista uma outra Lógica, mais abrangente.

4/ As partículas elementares (que têm massa) podem ser ondas (que não têm massa) ao mesmo tempo. Se o leitor ou o Domingos Faria têm dúvidas acerca do que afirmo, perguntem ao Carlos Fiolhais, por exemplo. As “ondas”, a que me referi, e segundo a física quântica, não são, porém, autênticas ondas tridimensionais, como são as ondas do som ou da água.

5/ Perante a dificuldade lógica de definir o conceito daquilo que não é matéria (a onda de probabilidade quântica), a física quântica recorre à noção de “abstracto”: segundo a física quântica, as ondas de probabilidade quânticas são “quantidades matemáticas abstractas” com todas as propriedades características das ondas,  que estão relacionadas com as probabilidades de encontrar as partículas elementares em pontos particulares do espaço e em um tempo determinados.

6/ A noção de “quantidades matemáticas abstractas” é uma forma que a ciência, escorada na Lógica, encontrou para conceber aquilo que não é lógico (que é contraditório) do ponto de vista macroscópico. Ou seja, a matemática, não só penetrou na imanência, mas também dá-nos um vislumbre da transcendência através do conceito de “infinito” onde todas as leis da Física se anulam (por exemplo, na noção de “singularidade”). Para o cidadão comum, a noção quântica de “quantidades matemáticas abstractas” pode ser considerada um dogma ou uma “invenção humana”.

7/ A noção de “Santíssima Trindade” é uma noção constante da noção de “Deus para mim”, ou seja, das propriedades que Deus possui no “encontro comigo” e às quais me revela.

Por outro lado, a interpretação (humana) do Todo não é um trabalho conceptual (elaboração de conceitos) que um ser humano tenha que levar a cabo, mas também não é um trabalho em relação ao qual tenha que desistir (como defende o Positivismo). A interpretação do Todo (da Realidade) há muito que faz parte da existência humana, antes de serem colocadas questões filosóficas e metafisicas.

Mas, sendo que a razão se baseia na construção de conceitos, se a interpretação significasse apenas algo como uma dedução conceptual de novos conceitos a partir de conceitos anteriores (modus ponens), então qualquer tentativa de interpretar o Todo seria inútil. A física quântica, através do conceito de “quantidades matemáticas abstractas” e da complementaridade  onda/partícula, (por exemplo), colocou em causa a Lógica clássica e desvendou uma Nova Lógica que abrange a Lógica aristotélica.

8/ Nas “Confissões”, Santo Agostinho utiliza símbolos — tal como a física quântica utiliza símbolos para exprimir a contradição lógica do subatómico — para exprimir a significação do conceito de Santíssima Trindade: a realidade do ser humano também deve ser encarada como uma realidade trinitária; nós somos (Deus Pai), nós amamos (o Filho ou Logos), e nós conhecemos (Espírito Santo); nós experimentamo-nos a nós próprios e ao mundo da perspectiva da primeira pessoa (eu sou), na perspectiva da segunda pessoa (eu amo um tu), e da perspectiva da terceira pessoa (eu conheço um ele, uma ela ou uma coisa).

Pode-se dizer que, para nós, a Realidade é uma espécie de tripé. O nosso mundo constrói-se a partir do eu (a consciência), do tu, e das coisas. Estas três categorias são como uns “óculos” que eu coloco para poder “ver” a Realidade; e sem esses “óculos”, não vejo nada; e a Realidade aparece-me nesta trindade: é sempre o mesmo mundo, que é único, mas eu tenho uma tríplice relação com ele.

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