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Sexta-feira, 19 Abril 2024

Wittgenstein é um caso Wittgensteiniano

Filed under: ética,filosofia — O. Braga @ 4:56 pm
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No seu último livro (“A Vida do Espírito”, publicado postumamente e inacabado), Hannah Arendt refere-se a Kant e à “Crítica da Faculdade de Julgar”, em que se defende que o ser humano, de uma forma intersubjectiva, procura a verdade: a partir da “Analítica do Belo”, Arendt define uma faculdade subjectiva que discerne o bem do mal, da mesma forma que o juízo estético distingue o belo do feio.

Porém, Kant defendia uma abertura de espírito, por forma a acomodar concepções alógenas de “Belo” e de “Bom”. Mas, conforme Arendt, isso não é sempre possível quando existe um conflito com os valores civilizacionais.

Mutatis mutandis: haverá sempre alguém que gosta do cheiro a merda — isto é “inevitável”, acontecerá sempre (Mateus 18, 7) —, o que não significa que uma minoria merdosa ganhe legitimidade e Poder para ditar o Gosto intersubjectivo e o conceito vigente de Belo e de Bom (que é o que acontece actualmente com uma minoria merdosa).


“Reduzir a filosofia à análise linguística equivale a supôr que só há pensamento alienígena.”

Nicolás Gómez Dávila


Wittgenstein estudou engenharia; e depois aprendeu filosofia com Bertrand Russell que nunca lhe dedicou uma linha nos seus escritos. Bertrand Russell ignorou completamente Wittgenstein.

A única obra publicada por Wittgenstein (em vida) foi o Tractatus Logico-philosophicus que é uma espécie de livro de aforismos altamente subjectivos, e que supostamente apresenta uma reflexão analítica da linguagem e as condições de representação do mundo através da linguagem.

Ou seja: o Tractatus Logico-philosophicus é um livrinho de defesa do positivismo puro e duro, que reduz a “verdade” ao “verificável”.

¿O que é, para Wittgenstein, uma proposição dotada de sentido? É uma proposição passível de ser verificada (ver verificação).

A velha “lógica” positivista (a tal “lógica que evolui”) é a seguinte: o critério da significação — ou seja, o critério da razão, ou o critério daquilo que pode ser considerado ‘racional’ — é a verificação. Tudo o que não é verificável não tem significado, ou seja, não é racional.

Isto é um nominalismo radical.

Porém, esta proposição — “o critério da significação é a verificação” — não é, ela própria, verificável. O engenheiro Wittgenstein não se deu conta da sua própria contradição.

A viragem de 180 graus: Wittgenstein é um caso Wittgensteiniano

Na última fase da sua vida, Wittgenstein mudou de tom: abandonou o nominalismo radical (atomismo lógico), e avança com a noção de “jogo de linguagem”, referida aqui pela professora Helena Serrão com o significado de “semelhança de família”.

No contexto de “jogo de linguagem”, a linguagem passa a ser (para Wittgenstein) uma espécie de caixa de ferramentas, com muitos instrumentos com muitíssimas funções, fazendo com que (alegadamente) não exista uma maneira correcta e outras incorrectas de os utilizar — se Wittgenstein vivesse hoje em Portugal, seria um acérrimo defensor do Acordo Ortográfico “à la carte”.

Por outras palavras: segundo Wittgenstein, não há regras na linguagem significante: não existe (alegadamente) uma essência da significação. Nesta última fase da sua vida, Wittgenstein já não concebe a linguagem do ponto de vista cognitivo, mas antes do ponto de vista da comunicação, variada e variável.

Em função da comunicação, toda a linguagem passa a ser legítima, mesmo que não signifique nada de preciso (por exemplo: “A isto, e a coisas parecidas, chama-se ‘jogo’” — isto é um “positivismo ao contrário”, um subjectivismo exacerbado que continua, porém, a negar a existência das categorias universais (realismo).

As “semelhanças de família”, segundo Wittgenstein, não são categorias (científicas) que tentam classificar a realidade (realismo): são impressões subjectivas, que não têm que ser necessariamente intersubjectivas. E a linguagem científica não é (para ele, esta fase) mais do que um jogo de linguagem, entre outros jogos.

Agora percebemos por que razão Bertrand Russell ignorou Wittgenstein.

Sexta-feira, 12 Abril 2024

Ben Dupré e o relativismo radical de Wittgenstein

Filed under: ética,filosofia — O. Braga @ 5:23 pm
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« Cada qual forja para si o mundo de beleza ou de fealdade em que habita. O que não significa que o Valor seja relativo, mas justamente o contrário, visto que mostra como cada ser, pelo acto de participar no Absoluto, cria de algum modo o absoluto de si próprio. »

Louis Lavelle (“Traité des Valeurs”)


A professora Helena Serrão transcreve aqui um texto de Ben Dupré (ficheiro PDF) que se refere a Wittgenstein, um pensador assumidamente homossexual.

Uma característica dos intelectuais homossexuais é (em geral, em juízo universal) o subjectivismo radical: a radicalização do subjectivismo é uma forma de colocar em causa a realidade objectiva ordenada pela Natureza de uma determinada forma, realidade essa que reduz a homossexualidade a uma anomalia ou a uma excepção (na identificação entre a cultura antropológica e a Natureza). Trata-se de uma tentativa de “desalinhar” a cultura antropológica, por um lado, e a Natureza, por outro lado.

O que diz o texto publicado pela professora Helena Serrão, resumindo, — seguindo o subjectivismo radical do homossexual Wittgenstein — é que “arte é aquilo que cada um quiser que seja”, na esteira do subjectivismo radical de David Hume, outro pensador homossexual.


“Não seria irracional que um homem preferisse a destruição do mundo, a uma esfoladela no seu dedo.”

David Hume


Através do conceito falacioso de “semelhança de família”, Wittgenstein destrói a ideia objectiva de “beleza”; ora, esta destruição do “belo” é absolutamente necessária para desestruturar a realidade mundana no sentido de acomodar (de uma forma privilegiada) a condição homossexual na cultura antropológica.

Com a noção do “belo” tradicional e cristão destruído, a condição da vivência homossexual (entendida em toda a sua dimensão prática) passa a ser tão válida como qualquer outra. E uma vez que a ética e a beleza são interdependentes, os pensadores homossexuais da contemporaneidade (em juízo universal) destroem também a ética cristã juntamente com a destruição da noção do “belo” existentes antes da Idade Contemporânea.

Em boa verdade, a tentativa de destruição dos conceitos cristãos de “belo” e de “bom” vem já da Idade Moderna: Montaigne, Espinoza, Hobbes, Locke, passando por Rousseau e Hume, ou seja, a tentativa niilista é anterior à Idade Contemporânea.

Na Natureza, não há “saltos”: a desestruturação cultural do “belo” e do “bom” (a revogação da ética cristã) é um processo contínuo. Wittgenstein é apenas um continuador da saga desconstrucionista e anti-natura que marca a “traição dos intelectuais” (Julien Benda).

Se separamos a ética e a estética, a discussão do “gosto” torna-se impossível. Ora, é esta impossibilidade de discutir o “gosto” que é objectivo do subjectivismo radical de Wittgenstein.

O autor supracitado (Ben Dupré) apresenta o postulado da impossibilidade de definir o “belo”, para a seguir justificar o subjectivismo radical de Wittgenstein.

Pela mesma ordem de razão, a impossibilidade de definir a “Realidade” pode ser a justificação da anti-ciência prevalente na ideologia política actual para negar uma estrutura da realidade formal e objectiva, em favor de um subjectivismo radical que desconstrói a própria Realidade (por exemplo, a Ideologia de Género).

Como escreveu Karl Popper, “a mosca que não conseguiu sair da garrafa é um perfeito auto-retrato de Wittgenstein”.

Segunda-feira, 18 Março 2024

O conceito pós-modernista e bergogliano de “respeito” do Anselmo Borges

Filed under: Anselmo Borges,ética,Bergoglio,Igreja Católica,Kant,Moral,papa Chico — O. Braga @ 11:12 am

Posso estar de acordo com quase tudo o que o Anselmo Borges escreveu aqui (ver ficheiro PDF), com uma excepção: o respeito pelo outro não é “incondicional”, como ele alude. Antes de mais, vamos falar sobre o que significa “respeito pelo outro”, para que não haja mal-entendidos.

S. Tomás de Aquino escreveu que “não devemos respeitar quem não merece respeito”. E, que eu saiba, S. Tomás de Aquino não era menos santo do que o Anselmo Borges.

S. Tomás de Aquino referia-se ao “comportamento do outro” (juízo moral, racionalmente fundamentado), e não ao “desrespeito em relação ao outro enquanto ser humano” (respeito ontológico). Anselmo Borges mete estes dois conceitos no mesmo saco — como é característica do Pós-modernismo.

Uma coisa é o respeito pelo outro enquanto ser humano (respeito ontológico); outra coisa, bem diferente, é o “respeito” que sanciona, ou tolera, ou até aceita, qualquer tipo de comportamento em nome de um putativo “respeito pelo outro”. É neste segundo sentido que se insere o conceito de “respeito” adoptado pelo papa Chico e seus acólitos (como é o caso do Anselmo Borges), na linha ideológica do Pós-modernismo.

Porém, o este segundo conceito de “respeito pelo outro” é ambíguo — como em quase tudo o que prevalece na Igreja Católica do papa Chico: a ambiguidade é chave-mestra da mundividência bergogliana (pós-modernista) —, porque só se aplica em alguns casos politicamente motivados.

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É claro que Anselmo Borges invoca Kant para fundamentar o conceito pós-modernista de “respeito”; mas esqueceu-se do conceito kantiano de “autonomia” (que é também da razão prática). A ambiguidade bergogliana pós-modernista (que caracteriza o Anselmo Borges) faz com que se escondam os conceitos que não interessam ou que incomodam a narrativa politicamente correcta, mesmo sendo da mesma fonte autoral.

O conceito de “autonomia”, de Kant, dá razão a S. Tomás de Aquino: a “autonomia”, segundo Kant, pode definir-se 1/ como liberdade no sentido negativo, isto é, como independência do cidadão em relação a qualquer coacção exterior (ou seja, o cidadão, enquanto indivíduo), 2/ mas também no sentido positivo, como legislação da própria Razão pura prática (o cidadão, enquanto legislador).

Ou seja, para Kant, a autonomia consiste em ser simultaneamente “cidadão e legislador”: a vontade do Bem é ela própria uma criação livre.

A radicalização do princípio da “autonomia” de Kant, que ocorre na contemporaneidade pós-modernista (e, por maioria de razão, na Igreja Católica bergogliana defendida pelo Anselmo Borges), consiste grosso modo em adoptar a liberdade em sentido negativo (o “cidadão”) e excluir o sentido positivo da função da Razão no papel do “legislador”, transformando a autonomia em subjectivismo puro e não passível de universalidade, levando à atomização da sociedade.

É isto que a actual Igreja Católica do Bergoglio defende.

Sexta-feira, 15 Março 2024

João Caupers, Isabel Moreira, e a institucionalização da eutanásia

Filed under: ética,eutanásia,filosofia,Moral — O. Braga @ 7:20 am

Não podemos confiar, exclusivamente ao Direito, as decisões sobre a vida ou morte de uma pessoa; não nos esqueçamos que o holocausto nazi, e/ou os Gulag soviéticos, foram perpetrados de forma legal. Aquilo que é legal não é necessariamente legítimo.

«De acordo com o Presidente do Tribunal Constitucional à data, João Caupers, "a este respeito considerou o tribunal que o direito a viver não pode transfigurar-se num dever de viver em quaisquer circunstâncias".»

O Caupers confunde “dever”, por um lado, e “necessidade”, por outro lado — o que revela impreparação para lidar com problemas desta índole. João Caupers é apenas um técnico; não passa disso.

O “dever” distingue-se, em primeiro lugar, contrariamente do que sugere o Caupers, da “necessidade”, que se impõe a todos e não deixa qualquer alternativa — por exemplo, temos necessidade de comer, para viver, quer queiramos ou não.

A obrigação (quando coincide com o dever), pelo contrário, implica a vontade e a liberdade de escolha — por exemplo, “devo dizer a verdade” implica a possibilidade de não o fazer. O “dever” tende, assim, a confundir-se com “obrigação”, embora nem toda a obrigação seja dever: os deveres ligados a uma função, ou mesmo a um compromisso, não são ainda o dever moral.

De facto, o verdadeiro dever é distinto de qualquer móbil sensível: cumprir o dever não traz vantagem material, independentemente de todo o contexto ou condições particulares — é o imperativo categórico: “Age unicamente de acordo com o princípio que desejes poder tornar-se numa lei universal” (Kant).

Em suma: o dever é apenas a intenção e a vontade de fazer as coisas bem, exigência puramente desinteressada, motivada simplesmente pelo respeito pela lei (seja esta a lei divina, a lei natural e/ou a lei dos homens), e mais precisamente, do seu carácter universal.

A utilização do conceito de “dever” neste contexto por parte do Caupers, revela ou ignorância ou perversidade própria do relativismo esquerdopata caracterizado por um nominalismo radical que destrói o Direito e a nossa cultura.

Segunda-feira, 26 Fevereiro 2024

A felicidade do Joaquim, segundo Kant

Filed under: ética,filosofia,Kant — O. Braga @ 5:44 pm
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O Joaquim aborda aqui o tema da “felicidade”, desde logo assumindo a felicidade como algo possível de alcançar (não confundir “felicidade” e “alegria”).

Ao contrário dele, eu sou um céptico em relação à Natureza Humana;  sou mais apologista de Kant:

1. O desejo humano em relação aos objectos do mundo (o tal “direito à felicidade” que implica uma conduta interessada) não é compatível com a ética e com a moral, a não ser por puro acidente — se for uma motivação sensível (o desejo) a comandar o estabelecimento de uma norma (lei positiva ou regra moral), então qualquer mudança no objecto de desejo e de satisfação implica ipso facto uma reviravolta da conduta.

2. O “direito à felicidade” não se pode traduzir em uma lei prática ou regra moral. A ideia que cada ser humano tem de “felicidade” é uma ideia absoluta — que satisfaz em sumo grau o máximo de inclinações no decurso de uma duração indeterminada. Porém, o que acontece na realidade concreta, é que a experiência humana da satisfação das inclinações individuais é fragmentária, contingente e parcial. Logo, existe uma contradição entre a exigência de felicidade, por um lado, e a experiência humana concreta relativamente ao conhecimento dos elementos que a produzem, por outro lado. Ou seja: para que o homem pudesse ser feliz, teria que ter ao seu dispor exactamente o oposto do conhecimento empírico e contingente dos meios para satisfazer a exigência de felicidade: o ser humano teria, neste caso, que ser Deus — o que é uma impossibilidade objectiva.

Os homens querem ser felizes, mas não sabem exactamente o que querem, para serem felizes.

Uma vez que a ética deve ser universal (a ética é para todos), e que o Direito não deve reduzir a norma ao facto, o “direito subjectivo à felicidade” de cada ser humano não pode fundamentar uma regra ética (ou parte dela) nem uma lei positiva.

O “direito subjectivo à felicidade” é um ideal de imaginação (de cada indivíduo), e não um ideal da razão.

O “direito à felicidade da sociedade” é uma ficção. Uma regra moral é apenas objectivamente válida na ordem prática, da mesma forma que uma lei positiva é válida na ordem teórica — na medida em que uma regra moral se impõe sem condições contingentes e subjectivas (ou seja, uma regra moral, sendo universal, não pode depender da experiência isolada, das ficções e dos ideias de imaginação dos indivíduos).

O que está a acontecer na sociedade europeia (e não só) é uma tentativa de destruição do Estado de Direito através da pulverização das normas legais, reduzindo-as a factos mais ou menos isolados. E é sobretudo uma tentativa de destruição da ética através de uma atomização da sociedade, traduzida na recusa da universalidade da ética sob pretexto de que “cada indivíduo tem o direito” de ver o seu “direito à felicidade” traduzido nas regras morais, transformando a ética exactamente no seu contrário. E quem está por detrás desta tentativa da destruição do direito e da ética, são os promotores dos novos totalitarismos que se anunciam.


É um erro pensar que por detrás das descobertas da ciência está “o desejo de felicidade”.

Quem estudou alguma coisa da filosofia da ciência (epistemologia) sabe que o avanço da ciência se deve à imaginação como faculdade do espírito (e que é independente do “desejo de felicidade”) — a imaginação não é simples imitação do real por imagens: consiste em produzir representações e, por isso, pressupõe uma actividade do espírito. Esta actividade não consiste apenas no facto de se representar objectos ou seres ausentes: consiste também na possibilidade de combinar as ideias ou de antecipar acontecimentos, e mesmo na faculdade de nos fazermos representar no que não existe (ou ainda não existe), ou seja, na imaginação criadora.

Podemos dizer, contudo, que a imaginação não cria verdadeiramente, mas antes que ela inventa combinações novas com elementos dados. No entanto, é necessário que as combinações sejam completamente livres. A imaginação criadora manifesta a liberdade do espírito que se confunde com a faculdade humana que “ir para lá” do dado, de pensar o ausente, o passado, o futuro e o possível — independentemente do desejo de felicidade.

Terça-feira, 16 Maio 2023

O método indutivo-dedutivo aristotélico aplicado à ética

Filed under: ética,Ciência — O. Braga @ 7:27 pm
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Este texto de Michael Sandel, publicado pela professora Helena Serrão (ler aqui em PDF), foi (aparentemente) impresso em Portugal pela Editora Presença, de Lisboa; mas está escrito em língua brasileira; e isto preocupa-me: por exemplo, em português escreve-se “facto”, e não “fato”; e por aí fora…

Pelo facto de a Editora Presença publicar, em Portugal, livros em língua brasileira sem qualquer aviso ao comprador, deveria ser objecto de uma indemnização legal ao consumidor.


Michael Sandel faz parte de uma corrente filosófica a que se convencionou chamar de “comunitaristas”, que se opõe aos libertários (individualismo radical). Da corrente dos “comunitaristas” fazem parte, também e por exemplo, Michael Walzer, Alasdair MacIntyre, Charles Taylor.

O texto de Sandel é muito interessante porque aplica, à reflexão ética, o método indutivo-dedutivo científico de Aristóteles, que encarou a investigação científica como uma progressão a partir das observações até aos princípios gerais, e destes, de novo, de volta até às observações — Aristóteles sustentou que o cientista deveria induzir princípios interpretativos a partir dos fenómenos a interpretar, e, a seguir, deduzir afirmações (proposições) sobre os fenómenos a partir de premissas que incluam estes princípios.

Observação → indução → princípios interpretativos → dedução → de volta à observação

Este modelo aristotélico foi posteriormente adoptado por Roger Bacon (não confundir com Francis Bacon), e ainda hoje é válido até certo ponto.

Na segunda parte do texto, Sandel adopta o criticismo kantiano (Kant, Karl Popper) que exige discussão pública das teorias subjectivas e individuais (tanto em ciência, como na ética).

Sexta-feira, 31 Março 2023

Isabel Moreira diz que o assassinato de duas mulheres foi um “pequeno incidente”

Onarcisismo exacerbado — ou a transformação do narcisista em um substitutivo de Deus — conduz inexoravelmente à inversão de valores que submete a humanidade inteira ao nosso desejo discricionário.
Em um quadro de um excessivo narcisismo, a fronteira conceptual entre o narcisista e o Outro torna-se de tal forma desfocada que o primeiro fica bloqueado na sua própria imagem, obnubilando a imagem do Outro.
O narcisismo exacerbado sobrevive em prejuízo (à custa) da empatia, e transforma a desumanização do Outro em uma “empatia invertida” que deriva de uma ética invertida pela mirada no espelho do narcisista.

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É assim que, para a narcisista incontinente Isabel Moreira (antinatural, felizmente), a morte de duas mulheres assassinadas é um “pequeno incidente”, por um lado, e o assassino dessas duas mulheres é um “pobre refugiado”, por outro lado.

Há aqui uma metafísica invertida, própria de uma narcisista descomunal.

Na sua ânsia de impôr (ou de fazer prevalecer) a sua mundividência idiossincrática em relação à realidade em si mesma (“a realidade é aquilo que eu quero que ela seja”), assumindo a função de Deus que tem o poder de transformar o mundo à sua própria imagem, no narcisista exacerbado revela-se o psicopata — ou em casos mais benignos, um sociopata.

Em todas as épocas existiu um qualquer “politicamente correcto” (por exemplo, no tempo de Salazar também havia um certo “politicamente correcto”); mas o actual politicamente correcto tem a característica única da inversão dos valores éticos (profetizada por Nietzsche) que parte da posição ontológica do Narciso face ao mundo, e em que impera a liberdade da indiferença e a garantia do acto gratuito como possibilidade absoluta de acção moral.

isabel-moreira-costa-os-homens-podem-engravidar-web.

Numa sociedade cada vez mais narcísica, a Isabel Moreira está nas suas sete quintas, e explora a seu bel-prazer o narcisismo grotesco e excessivo em circulação na sociedade — a sociedade das cirurgias plásticas em barda, a sociedade dos esteróides e dos coquetéis de proteínas que submetem os corpos à tirania da superficialidade, a sociedade das “selfies” que marcam o comportamento social padronizado, e, sobretudo, a sociedade da inversão nietzscheana dos valores que convence o ser humano de que é o próprio Deus.

Este é o Partido Socialista actual: o partido controlado pela narcisista Isabel Moreira.


Adenda:
Tive a informação, pelo próprio jornal Público, de que esta notícia é falsa, ou seja, trata-se de uma montagem de uma falsa notícia do jornal Público. No entanto mantenho a minha crítica ao narcisismo exacerbado e sociopata da Isabel Moreira.

Terça-feira, 21 Fevereiro 2023

Domingos Faria e a Isabel Moreira: les bons esprits se rencontrent…

Uma certa casta de “iluminados” — que inclui a Isabel Moreira — lançaram uma Fatwa à “moral sexual” da Igreja Católica que, segundo ela, é a causa da pedofilia na Igreja Católica.


Há um livro com o título “Goodbye, Good Men: How Liberals Brought Corruption into the Catholic Church”, do autor Michael S. Rose, que não foi publicado em Portugal porque vai contra a narrativa da Esquerda protagonizada pelas editoras como a Gradiva (por exemplo), por um lado, e, por outro lado, porque é interpretada fielmente por “liberais” e radicais de esquerda como o Domingos Faria e a Isabel Moreira, que controlam os me®dia — o mesmo Domingos Faria que escreveu que o aborto e a eutanásia são perfeitamente compagináveis com a ética da Igreja Católica, e que seria mesmo normal e positivo que os sacerdotes católicos pregassem a sodomia, o aborto e a eutanásia do alto do púlpito.


politicamente-correcto-grc3a1fico-webO problema, aqui, é o de gente (como a Isabel Moreira e o Domingos Faria) que acredita que a Natureza Humana pode ser mudada através de legislação — porque, como bons progressistas, a culpa é sempre dos outros, ou da sociedade.

Porém, mais grave: acreditam que a aplicação da lei é um caminho ou um meio para o gradual aperfeiçoamento (prometaico) da humanidade (para se atingir a perfeição do colectivo humano).

O problema da Isabel Moreira e do Domingos Faria não é apenas um anti-catolicismo primário: eles acreditam mesmo que a Natureza Humana poder ser mudada; mas quando vemos a reacção da população autóctone aos recentes sismos na Turquia, por exemplo, compreendemos que a reacção humana aos fenómenos da Natureza não mudou uma vírgula desde que apareceu o primeiro homo sapiens.

A Natureza Humana é imutável, no sentido em que não há leis humanas que a mudem.

E quem pensa o contrario disso padece de um delírio interpretativo (a Isabel Moreira é um caso patológico de interpretação delirante).

O caso de Domingos Faria é mais grave (do que o da Isabel Moreira), porque ele tem formação em filosofia, por um lado, e por outro lado porque as suas teses abstrusas são oficialmente reconhecidas por uma universidade de Lisboa.

Reparem na minha seguinte proposição hipotética:

“Eu sou um genuíno militante do partido IL (Iniciativa Liberal), mas não me identifico com a actual ética política propugnada pelo partido IL (Iniciativa Liberal)”.

Agora vejamos a seguinte proposição do Domingos Faria:

“Há um número bem significativo de pessoas genuinamente católicas que não se identifica com a actual ética sexual da Igreja Católica”.

É assim que o Domingos Faria inicia a sua logomaquia. E ¿é isto um “doutorado em filosofia”?! Estamos f*didos!

¿Como é que eu posso ser um “genuíno” militante de um partido se eu não me identifico com o ideário fundamental desse partido?!

Posso ser oposição interna a esse partido; mas se a oposição interna colocar em causa os princípios fundamentais e basilares desse partido, então deixa de ser uma oposição interna para passar a ser uma forma de pressão para transformar esse partido em outra coisa completamente diferente do que é hoje.


Uma coisa devemos afirmar peremptoriamente ao Domingos Faria, para que ele entenda, sem sofismas:

Meter um pau no ânus, para alegada satisfação própria, é um acto sexual intrinsecamente desordenado; não é preciso ser católico para entender isto.

Ora, ele diz que os católicos são contra o acto sexual de meter um pau no ânus — o que é uma falácia. Todas as religiões, incluindo o Budismo e/ou as religiões animistas africanas, e mesmo muitos ateus, não concordam com o acto sexual de meter um pau no ânus — até porque está cientificamente provado de que é prejudicial à saúde.

Escreve, o animal:

“A actual ética sexual da Igreja Católica está assente no seguinte princípio central: um acto é moralmente lícito se com esse acto se pretende ou se visa realizar os propósitos naturais ou biológicos dos órgãos (ditados por Deus).”

O que o Domingos Faria faz, ali, é misturar o conceito de “acto sexual do casal (natural) que tem por fim o acasalamento mas não a fertilização necessária para a procriação”, por um lado, com o conceito de “meter o pau no ânus”, por outro lado — ou seja, o Domingos Faria pretende que os actos sexuais do casal (homem + mulher) que não tenham por fim a reprodução, sejam equiparados eticamente aos actos de “meter o pau no ânus” de um par de gays.

Para o Domingos Faria, o Coitus Interruptus, praticado eventualmente por um casal católico com 5 filhos, é moralmente equivalente a um acto masturbatório praticado em uma suruba gay.

Ora, o Domingos Faria deveria ler Santo Agostinho, por um lado, e S. Tomás de Aquino, por outro lado. S. Tomás de Aquino defendeu o princípio da “autorização divina” de actos sexuais não reprodutivos em casais com filhos.

Santo Agostinho não condenou as práticas sexuais (no âmbito de um casal católico com filhos) que não tenham por fim exclusivista a reprodução; mais: Santo Agostinho defendeu que, em determinados casos, o divórcio é justificado eticamente — esta corrente agostiniana e tomista foi parcialmente alterada pela contra-reforma católica que nada mais fez, basicamente, do que adoptar parcialmente a moral protestante e burguesa de Lutero.

É falso que a moral católica esteja assente no princípio segundo o qual “um acto é moralmente lícito só se com esse acto se pretende ou se visa realizar os propósitos naturais ou biológicos dos órgãos”.

Aliás, no catecismo da Igreja Católica, no seu artigo 2370, está escrito:

“(…) os métodos de regulação da natalidade baseados na auto-observação e no recurso aos períodos infecundos estão de acordo com os critérios objectivos da moralidade.”

É isto que repugna o Domingos Faria: meter um pau no cu de um gay é, para o Domingos Faria, tão belo eticamente como uma cópula interrompida em um casal filhento.

Portanto, o Domingos Faria mente quando diz que, na moral católica, “um acto é moralmente lícito só se com esse acto se pretende ou se visa realizar os propósitos naturais ou biológicos dos órgãos”. O animal mente. Mas é douto em filosofia, embora não tenha lido Santo Agostinho. E o Observador estende-lhe o tapete vermelho.

O que o catecismo faz é tornar moralmente ilícito o uso da pílula contraceptiva, por exemplo — aliás, já se comprovou cientificamente que a pílula prejudica a saúde da mulher.

Tudo o que seja a banalização do acto sexual é condenado pela Igreja Católica — e é isto que repugna o Domingos Faria: meter um pau no cu de um gay é, para o Domingos Faria, tão belo eticamente como uma cópula interrompida em um casal filhento.


Portanto, o postulado da tese do Domingos Faria é falso; e, como como defendeu Aristóteles, se um princípio é falso, toda a teoria que parte desse princípio é igualmente falsa.

Finalmente, é ignóbil que se estabeleça uma equivalência entre os actos sexuais entre insectos ou entre peixes, ou entre bonobos, por exemplo e por um lado, e o acto sexual entre seres humanos, por outro lado.

Este tipo de comparação ou equivalência (próprias da sociobiologia liberal) incorre em um sofisma naturalista [não é possível deduzir valores e normas a partir de factos! Porra! (George Edward Moore)] — porque a situação da natureza não pode ser transposta, sem reservas, para o mundo dos seres humanos: é preciso fornecer uma fundamentação para as normas, o que a ciência não pode fazer.

Portanto, os factos não fundamentam quaisquer normas, embora as normas possam criar factos.

Terça-feira, 24 Maio 2022

Theodore Dalrymple e o conceito de "Maoísmo Emocional"

Um recente ensaio de Theodore Dalrymple fala-nos da “cultura da emoção” — a que ele chama de "Maoísmo Emocional":

“The modern taste for emotional exposure partakes of two seemingly disparate currents: First, the kind of psychotherapy according to which all contents of the mind must be outwardly expressed for fear of turning inwards and causing a mental abscess of unexpressed thoughts and emotions that eventually bursts. Second, it reflects a kind of emotional Maoism, according to which people have the social duty to confess their emotions to the multitudes”.

non binary human webPorém, não é possível falar em "Maoísmo Emocional" sem procurar (sumariamente) as suas causas culturais (em uma espécie de “epistemologia da cultura ocidental”) com raízes na Alta Idade Média católica, nomeadamente em Pedro Abelardo (que, para o efeito, “retorceu” algumas teses de Santo Agostinho) e na sua “ética da intencionalidade”: segundo Abelardo, apenas a intenção moral é susceptível de qualificação, qualquer que seja o acto exterior.

Hiperbolizando: por exemplo, eu mato o meu vizinho e depois digo que o acto hediondo foi justificado por uma boa intenção que consistia em salvá-lo das garras da tirania da sua (dele) esposa. Ou o assassino pós-moderno que diz ao juiz: “Eu não tenho culpa, senhor dr. juiz, porque não tive intenção: a culpa é dos meus genes!”.

O “acto exterior” — segundo Pedro Abelardo —, sendo sempre moralmente indiferente, é bom ou mau apenas em função da intenção alegada pelo agente que o pratica [pro intentionis agentis]; e, por isso, nenhuma acção humana — nem mesmo a crucificação de Jesus Cristo — pode ser classificada (a priori) como “má”, “não sendo importante o que se faz, mas o espírito no qual se faz” [Dialogus].

Por outro lado, Pedro Abelardo invoca o mesmo argumento de São Bernardo de Claraval segundo o qual pode acontecer que façamos o que Deus quer sem que a nossa intenção seja a de cumprir a vontade divina [a chamada casuística”, que foi adoptada nomeadamente pelos jesuítas na Contra-Reforma, justifica um crime pelo motivo (intenção) segundo o qual se cometeu, por um lado, e por outro lado atribuiu à Providência Divina o propósito (ou a vontade) de uma determinada má acção humana (São Bernardo de Claraval)].

Quando (alegadamente, segundo São Bernardo de Claraval, Pedro Abelardo e os jesuítas, ou seja, os iluminados que conhecem antecipadamente as intenções de Deus) Deus ordena as nossas acções (mesmo contra a nossa vontade), pode acontecer que não agimos bem ainda que se realizem coisas boas segundo a vontade divina.

Este conceito (a casuística) dá muito jeito a psicopatas como o papa Chico. Aliás, praticamente toda a ética do papa Chico é baseada na casuística e no intencionalismo (doutrina da indiferença dos actos externos) de Pedro Abelardo.

De acordo com a “doutrina da indiferença dos actos externos” (de Pedro Abelardo), por mais que o ser humano faça o que Deus quer que ele faça, somente a boa intenção (que é subjectiva, por definição) torna a acção “boa” [está aqui a génese teorética, que se baseia em passagens bíblicas retiradas de contexto, do conceito de sola fide dos protestantes].

Para Pedro Abelardo e segundo a sua doutrina da indiferença dos actos externos (intencionalismo), a necessidade do desejo natural exclui a noção de “pecado”: por exemplo, (hiperbolizando) se um homem sente necessidade e um desejo natural de ter relações sexuais com um cavalo, o prazer natural que ele sentir é inocente desde que ele racionalmente não consinta [Ethica] — temos aqui a justificação do papa Chico para as relações sexuais homossexuais, invocando uma suposta  “necessidade natural”.

O intencionalismo (de Pedro Abelardo, mas não só) tem como base um cepticismo em relação ao conhecimento objectivo da ordem moral, o que, em compensação, dá lugar a uma (pretensa) autenticidade e uma (suposta) sinceridade do acto da vontade humana (subjectivismo).

O intencionalismo subjectivista esteve na base do Romantismo que surgiu na Idade Clássica e se prolongou pela Idade Moderna, e que atingiu a sua expressão mais absurda com o pós-modernismo.

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Finalmente: outra origem cultural do "Maoísmo Emocional" pós-moderno é o da tradição da confissão pública católica durante a Alta Idade Média: no fim da missa católica medieval, os fiéis católicos confessavam publicamente (alta voz e em bom som) os seus pecados aos outros membros da sua comunidade; ou seja, a confissão dos pecados era pública. Só a partir do século XVI e com a Contra-Reforma, a confissão católica passou a ser privada e secreta, com a utilização dos confessionários individuais.

Porém, a tradição católica da “confissão pública” foi retomada pelo Romantismo dos séculos XVIII e XIX (embora já despojada das vestes culturais da religião cristã) com o conceito político de “auto-crítica” pública que foi bastamente aplicada (nomeadamente) pelos regimes marxistas da modernidade.

Terça-feira, 15 Março 2022

S. Tomás de Aquino e o problema do Belo e do Bem

Filed under: ética,S. Tomás de Aquino — O. Braga @ 7:38 pm
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Aquando do referendo acerca da legalização do aborto a pedido (1997), um militante (de base, de Viana do Castelo) do Bloco de Esquerda argumentou que “o aborto é um acto de amor”; para ele, o aborto encerra ou revela uma certa beleza. Foi então que eu compreendi a enorme complexidade da estética, do gosto e da ética. (more…)

Quarta-feira, 16 Fevereiro 2022

O relativismo é a negação da ciência e do método científico

Filed under: ética,Moral — O. Braga @ 8:00 pm
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Este texto é um exemplo daquilo a que o utilitarista neozelandês Nicholas Agar chama de “shit-stirring” (“mexer na merda”): é o triunfo de um estilo filosófico que dá prioridade à provocação, em vez da abordagem da substância moral propriamente dita — trata-se de uma crítica de um utilitarista (Nicholas Agar) em relação aos utilitaristas que, em geral, não debatem em boa-fé.

O texto (ler em PDF) é uma manifestação utilitarista, que emula as teses relativistas dos sofistas, em geral, e de Protágoras, em particular: “O homem é a medida de todas as coisas”. Eu, que pensava que Aristóteles já tinha tratado deste problema, fico surpreso pelo facto de a professora Helena Serrão tornar a levantá-lo, mais de dois mil anos depois.

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Aristóteles chegou à seguinte conclusão:

Se “o Homem é a medida de todas as coisas”, então segue-se que, tudo o que parece, é verdadeiro; e igualmente verdadeiro. E as afirmações contraditórias são verdadeiras ao um mesmo tempo ― porque se “tudo é relativo” e a verdade depende exclusivamente do ponto de vista do observador (como defendiam Protágoras e os sofistas), então as afirmações de toda a gente são verdadeiras, mesmo que contraditórias. Neste sentido, segundo Protágoras, é legítimo ― porque implícita ou explicitamente verdadeiro ― que seja afirmado, a um mesmo tempo, que uma coisa é e não é.

Assim, Aristóteles conclui que o relativismo moral nega o princípio de identidade ( A=A), porque permite que, simultaneamente, uma coisa seja e não seja (seja verdadeira e falsa), em um mesmo momento. Para o relativismo moral, e segundo Aristóteles, o exercício do contraditório não serve para a procura epistemológica (episteme) da verdade senão para a constatação de que a verdade depende exclusivamente da opinião de cada um (doxa); e se as opiniões são contraditórias, para os sofistas elas não podem deixar de ser todas verdadeiras; e se todas são verdadeiras, nega-se o princípio de identidade segundo o qual “é impossível que uma coisa seja e não seja, a um mesmo tempo”.

Quando os sofistas dizem que nenhum Homem tem a verdade absoluta, Aristóteles responde dizendo que mesmo que fosse possível que todas as coisas pudessem ser e não ser simultaneamente, nunca seria possível retirar, à natureza dos seres, o mais e o menos (o maior e o menor).

« Nunca se poderá sustentar que dois e três são, de igual modo, números pares. E aquele que pense que quatro e cinco são a mesma coisa, não terá um pensamento falso de grau igual ao daquele que defendesse a ideia de que quatro e mil são idênticos.

Se existe diferença na falsidade, é evidente que o primeiro pensa uma coisa menos falsa. Por conseguinte, está mais próximo ao que é verdadeiro. Logo, se o que é mais uma coisa é o que se aproxima mais dela, deve haver algo verdadeiro, do qual será o mais verdadeiro mais próximo.

E se este verdadeiro [absoluto] não existisse, pelo menos existem coisas mais certas e mais próximas da verdade que outras (…) »

― “Metafísica”, 4 ― IV (tradução livre da edição em língua inglesa)

Portanto, mesmo que a verdade absoluta não existisse (como defendem os sofistas), Aristóteles demonstrou assim que existem coisas mais verdadeiras do que outras, ou que o grau de falsidade não é sempre o mesmo. Se existem coisas mais verdadeiras do que outras, todas as coisas não podem ser igualmente verdadeiras. Se todas as coisas não podem ser igualmente verdadeiras, o Homem não pode ser a medida de todas as coisas.


Ora, o que faz falta, ao tal “filósofo da treta” Stéphane Ferret, é ler Aristóteles.

E faz falta que a professora Helena Serrão recomende a leitura de Aristóteles aos seus alunos. O texto referido parte (implicitamente) de um princípio errado (a negação do princípio de identidade), e por isso todo o “raciocínio” nele contido está errado; e depois, o texto chega à conclusão de que o relativismo ético e/ou moral não impõe (à sociedade) uma universalidade (moral) — o que é uma falácia de todo o tamanho: a negação de uma metafísica é sempre uma forma de metafísica. Uma moral relativista é sempre tendencialmente universal, mesmo quando defende o contrário.

Quarta-feira, 19 Janeiro 2022

António Costa é um político muito perigoso

“A liberdade não é uma coisa abstracta, depende das condições de cada um.” → António Costa

Respigado aqui.


Esta noção de “liberdade” é extremamente nociva à própria liberdade, por várias razões.

monhe-das-cobras-webEm primeiro lugar — e como o autor escreveu —, o António Costa reduz a liberdade ao condicionalismo financeiro do indivíduo, o que é uma visão utilitarista de liberdade e do ser humano; e esta visão utilitarista do ser humano não é de origem marxista (vem do inglês Bentham): Karl Marx foi um acérrimo e feroz crítico do Utilitarismo, a que chamou de “moral de merceeiro inglês”.

Em segundo lugar (e mais grave do que a concepção utilitarista do ser humano e da liberdade), a noção de “liberdade”, segundo António Costa, encerra em si mesma uma ideia determinista (ver “determinismo”) da acção humana, em que o livre-arbítrio desaparece para dar lugar a um puro e duro nexo causal no comportamento humano: aqui, sim, há uma influência directa do materialismo dialéctico marxista no pensamento de António Costa — o ser humano é considerado como uma espécie de robô que apenas responde a estímulos cerebrais e materiais.

A Esquerda actual, junta de uma forma sincrética e em uma mesma doutrina existencial, o Utilitarismo (da escola escocesa, por um lado, e do Pragmatismo americano, por outro lado) e o Determinismo (pseudo-científico ou cientismo do século XIX, por um lado, e o materialismo dialéctico marxista, por outro lado), no que diz respeito à concepção ética e moral do ser humano — como podemos verificar, por exemplo, em um dos paladinos da actual Esquerda, que é o australiano Peter Singer (nem a Hannah Arendt escapou ao ardil do materialismo comportamental!).

Ou seja, para António Costa, “o ser humano é livre porque age” — tal qual acontece com um animal irracional.

Em contraponto, e até ao Idealismo de Hegel (Kant defendeu a possibilidade de livre-arbítrio do ser humano, ao separar a “razão pura” e a “razão prática”, e diferencia-se assim radicalmente de Hegel), e desde os pré-socráticos, os filósofos diziam que “o ser humano age porque é livre” — a liberdade, até Hegel, era a condição da acção: os gregos antigos não falavam de “liberdade” porque ela estava implícita no conceito de cidadania — assim como os cristãos da Idade Média não falavam em “religião” (cristã) porque o Cristianismo fazia parte integrante da própria Realidade colectiva e dos indivíduos.

A partir da dialéctica de Hegel e do materialismo dialéctico de Karl Marx, a acção passou a ser a condição da liberdade: com estes dois “filósofos”, aconteceu uma total inversão de parâmetros e de valores.

Karl Popper fez uma crítica demolidora ao determinismo comportamental no ser humano (a chamada Teoria da Identidade, ou Fisicalismo), chamando à atenção para o facto de esta teoria (a Teoria da Identidade) não poder ter qualquer sentido se obedecer aos seus próprios pressupostos.

Se as minhas ideias são produtos ou efeitos da química que se processa na minha cabeça, então nem sequer é possível discutir a neurociência ou a liberdade do António Costa: a teoria da identidade não pode ter qualquer pretensão de verdade, visto que as alegadas “provas”  apresentadas pela neurociência são também também química pura: se alguém defende uma teoria contrária ou oposta ao Fisicalismo, esse alguém também tem razão, dado que a sua química apenas chegou a um resultado diferente. Karl Popper chamou a esta armadilha lógica de “pesadelo do determinismo físico”.

Porém, o mais grave na noção de “liberdade” de António Costa é que ele implicitamente nega a ideia de “liberdade política” que, em juízo universal, é independente das características particulares de cada indivíduo e da necessidade 

(liberdade política ≠ necessidade)

— a não ser que o ser humano seja considerado uma espécie de escravo, o que me parece ser a ideia que António Costa tem do cidadão comum.

A noção de “liberdade” de António Costa coincide simultaneamente com a ideia de “liberdade” que é proveniente da plutocracia globalista (o Utilitarismo e o Pragmatismo), e com a ideia de “liberdade” característica dos materialistas e/ou cientificistas, e/ou do materialismo dialéctico dos marxistas.


António Costa é um político muito perigoso. Esta concepção de “liberdade” nunca seria perfilhada por Mário Soares ou por Manuel Alegre, por exemplo. Com António Costa, o Partido Socialista sofreu uma evidente e clara involução para um radicalismo trauliteiro de Esquerda.

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