Qualquer pessoa com um cursinho em filosofia sabe que as “ciências sociais” não são “ciências exactas”. Desde (pelo menos) David Hume que sabemos isso. Fernando Pessoa colocou esta questão de uma forma superior:
«Um hábito social, isto é, uma tradição, uma vez quebrado, nunca mais se reata, porque é na continuidade que está a substância da tradição. Além de que, não sabendo ninguém o que é a sociedade, nem quais são as leis naturais por que se rege, ninguém sabe se qualquer mudança não irá infringir essas leis. Em igual receio se fundamentam as superstições, que só os tolos não têm — no receio de infringir leis que desconhecemos, e que, como não as conhecemos, não sabemos se não operarão por vias aparentemente absurdas. A tradição é uma superstição. »
Mais adiante, escreveu:
«Só pode ser universalmente aplicável o que é universalmente verdadeiro, isto é, um facto científico.
Ora, em matéria social não há factos científicos. A única coisa certa em “ciência social” é que não há ciência social. Desconhecemos por completo o que seja uma sociedade; não sabemos como as sociedades se formam, nem como se mantêm nem como declinam. Não há uma única lei social até hoje descoberta; há só teorias e especulações, que, por definição, não são ciência. E onde não há ciência não há universalidade.»
→ Fernando Pessoa, “Obras em Prosa coligidas”, 1975, Tomo III, página 22 e seguintes
A Raquel Varela considera-se intelectualmente superior não só em relação a Fernando Pessoa, mas também em relação a todos os filósofos que tenham existido, quando escreveu o seguinte:
“A separação entre ciências sociais e ciências exactas é fictícia (…)”
Ora, se duas substâncias não são separáveis, infere-se que pertencem a uma mesma categoria.
O que é profundamente lamentável é que a intelectualidade portuguesa esteja basicamente entregue a gente da laia da Raquel Varela, José Pacheco Pereira e Isabel Moreira
— gente que não distingue entre “ciências sociais”, por um lado, e “ciências naturais” e/ou “ciências exactas”, por outro lado.
Segundo a Raquel Varela, as ciências sociais e as ciências exactas (ou ciências formais) pertencem a uma mesma categoria. Aqui, a “especialista” em “ciências sociais” ambiciona, antes de mais, quantificar o óbvio; e depois diz que é uma “ciência exacta”.
Alguém que tenha compreendido uma noção específica das ciências naturais (também chamadas de “ciências experimentais ou empíricas”), percebeu tudo o que havia para perceber; mas uma pessoa que compreendeu uma noção específica as ciências sociais, percebeu o que só ela pode perceber.
Nas ciências humanas e/ou sociais, a inteligência é o único método que nos protege do erro: se entregarmos a responsabilidade das ciências sociais a uma burrinha, o resultado será catastrófico.
A História (que é uma “ciência humana”) — tal como acontece com a “sociedade”, descrita por Fernando Pessoa — contém leis, mas não se rege por leis.
A ambição de transcender as representações empíricas da consciência alheia, transforma a História em uma mera projecção do historiador. A História não tem leis científicas que permitam fazer previsões — embora tenha contextos que permitem (até certo ponto) explicar, e tendências que permitem pressentir; mas o pressentimento não é falsificável.
Se existissem leis que regessem a História, a descoberta dessas leis torná-las-iam (a si próprias) nulas.
A História não tem sentido; ou melhor: o que dá sentido à aventura humana transcende a História.
A diversidade da História é o efeito de causas sempre iguais que actuam, ao longo do tempo, sobre individualidades sempre diferentes.
O que é profundamente lamentável é que a intelectualidade portuguesa esteja basicamente entregue a gente da laia da Raquel Varela, do José Pacheco Pereira ou da Isabel Moreira — gente que não distingue entre “ciências sociais”, por um lado, e “ciências naturais” e/ou “ciências exactas”, por outro lado.
Triste sina, a nossa… estamos fodidos!
Adenda: este é o meu último escrito acerca das “ideias” da Raquel Varela.
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