perspectivas

Domingo, 24 Julho 2016

O problema dos meios e dos fins na política (as éticas ontológica e a teleológica)

Filed under: A vida custa — O. Braga @ 11:40 am
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“Um trabalhador pode roubar numa fábrica onde é maltrato? Eu acho que não. Um jovem desempregado pode pedir dinheiro aos pais para evitar um trabalho de 400 euros que o vai desagastar? Eu acho que não. Acho que ele deve aceitar o trabalho e organizar-se no trabalho, se necessário clandestinamente, para conseguir aumento de salários – não acho legitimo que sejam os pais reformados a pagar esse preço. Como vêem não é tão fácil como parece, esta questão de meios e fins. Não temos nenhuma unanimidade neste ponto”.

Meios e Fins (Raquel Varela)

Se utilizarmos a razão, podemos chegar a um princípio unânime (mas não unanimista) acerca dos meios e fins da política. Dou como exemplo o conceito de Notrecht de Hegel.

O conceito de Notrecht, segundo Hegel, baseia-se no Direito Natural e significa basicamente “direito de necessidade”.

O direito à propriedade privada deve ser respeitado, mas há situações de perigo extremo – por exemplo, a miséria – que comprometem princípios morais inalienáveis – como por exemplo o direito à vida – em que o sujeito viola o direito à propriedade – por exemplo, quando um pobre rouba um pão para não morrer de fome –, cometendo assim, um delito jurídico e uma falta moral.

Neste caso, impõe-se legitimamente que o direito de necessidade (Notrecht) faça valer o direito a viver em detrimento do direito de propriedade. Esse direito a viver, que decorre do direito de necessidade (Notrecht) excede as simples considerações de circunstâncias atenuantes do delito jurídico, e exige a intervenção de uma “potência ética superior que vele pela sobrevivência de cada um”.

“Com efeito, por um lado, há violação infinita da existência empírica [no caso do pobre que rouba o pão], portanto, ausência total de direito, enquanto, por outro lado, mais não há do que violação de uma existência empírica limitada e singular da liberdade”. → Hegel, “Filosofia do Direito”

Quarta-feira, 29 Junho 2016

As filhas-da-putice do papa Chico

 

Eu sinto pelo papa Chiquinho um desprezo profundo; não é ódio: é desprezo. Quando odiamos alguém, damos-lhe valor; o desprezo reduz o valor de uma pessoa a zero.

Podemos ver aqui o elenco de algumas das filhas-da-putice do papa Chiquitito.

papa-açorda

A última filha-da-putice do Chico foi a de ter dito que “os católicos deveriam pedir desculpa aos gays”; a criatura confunde propositadamente e colocando no mesmo plano de juízo, a condição homossexual, por um lado, e o acto homossexual, por outro lado. O papa-açorda segue o princípio luterano de justificação moral pela fé: “os actos não contam: o que conta é a putativa fé subjectiva que alguém possa alegar que tem”.

Nota bem: eu não tenho nada contra os luteranos: cada um é livre de pensar o que quiser. Mas o papa Chico não é livre para seguir Lutero. E o luteranismo do Chico só se aplica aos católicos: por muita fé que estes tenham, terão que expiar e penitenciar-se pelos seus actos contra os gays  — ao passo que os gays justificam-se a si próprios apenas e só pela sua putativa e alegada fé.

O papa Chico é perigoso, porque, pela primeira vez, um papa nega o Direito Natural.

A negação do Direito Natural é uma característica do actual “império do Direito Positivo”, em que o Direito perdeu os seus fundamentos metajurídicos e tornou-se absolutamente arbitrário e discricionário, abrindo um campo fértil para a proliferação de novos totalitarismos.

Conforme escreveu Grócio, o Direito Natural é a priori (e por isso é o fundamento metajurídico do Direito), ao passo que o Direito Positivo (o Direito Voluntário ou Humano) é a posteriori.

O Direito Natural é definido por Grócio como “o comando da recta razão que aponta a fealdade moral ou a necessidade moral inerente a uma acção qualquer, mediante acordo ou desacordo dessa acção com a própria natureza racional”.

É racional respeitar a condição humana de um homossexual — e por isso é que o catecismo apela a esse respeito. Mas também é racional repudiar, por exemplo, os actos de sodomia; e sobretudo é racional repudiar a livre adopção de crianças por pares de invertidos ou as "barrigas de aluguer" (porque, neste caso, os actos de sodomia já envolvem pessoas inocentes).

Só o Direito Natural fornece o critério do justo e do injusto. E Grócio acrescenta: “entende-se por injusto aquilo que repugna necessariamente a natureza racional e social”.

Maltratar um gay (ou qualquer pessoa) sem nenhuma razão plausível, é racional e socialmente repugnante; mas dizer que “não podemos julgar quaisquer actos de outrem” também é repugnante, não só porque é irracional e auto-contraditório — na medida em que o papa Chico emite um juízo de valor que nega aos outros a possibilidade de emitir um determinado juízo de valor —, mas também porque é anti-social na medida em que apela à repressão e privatização do próprio juízo de valor.

Terça-feira, 16 Fevereiro 2016

“Os cavalos também se abatem” — diz ele

Filed under: A vida custa — O. Braga @ 12:48 pm
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O Quim vem buscar aqui o exemplo da condenação à morte (por crucificação) para justificar o “golpe-de-misericórdia” (substantivo) ou a eutanásia; e vai também buscar o exemplo do golpe-de-misericórdia do soldado ferido de morte em cenário de guerra.

O mesmo argumento pode ser utilizado a favor da utilização da bomba atómica em uma guerra: o fim (o acabar) da guerra justificaria sempre o seu uso.

Ademais, a pena-de-morte é tão prometaica e utilitarista quanto a eutanásia ou o aborto. Um assassino com 20 anos de idade não será a mesma pessoa depois de cumprir 25 anos de cadeia. A pena-de-morte justificava-se quando a sociedade era nómada — como acontecia na sociedade do Antigo Testamento. Um povo nómada não pode ter prisões (a não ser que tenha prisões ambulantes); e portanto, é obrigado a matar os prevaricadores.

Portugal foi o primeiro país do mundo a abolir a pena-de-morte, e neste sentido foi civilizador. Matar alguém em nome da lei é fazer o papel de Deus. Por isso é que o exemplo dado pelo Quim é mal escolhido e falacioso — porque parte do princípio de que a pena-de-morte, sendo legal, é legítima.

Uma coisa é a pena-de-morte sentenciada pela Natureza (a morte natural); outra outra coisa, diferente, é a pena-de-morte sentenciada pelo ser humano em relação a outro ser humano. Nenhum ser humano tem o direito de tirar a vida a outro ser humano, nem que esse “direito” possa ser sistematizado em lei.

Quando o Direito Positivo se afasta do Direito Natural — como está a acontecer hoje na nossa sociedade —, o Direito Positivo passa a ser concebido como o próprio Direito Natural.

Terça-feira, 5 Janeiro 2016

O politicamente correcto dissolve as categorias da realidade humana

 

Temos aqui um artigo que vale a pena ler (em inglês).

Não sei até que ponto sou compreendido quando tenho dito aqui várias vezes que “o politicamente correcto dissolve as categorias”, através de um nominalismo radical que rejeita o universal.

categoriaPor exemplo, “ser humano” é um conceito universal que contém em si mesmo sub-categorias que, para além de cada indivíduo, se compõem também pelos dois sexos (homem e mulher). Mas o nominalismo radical (politicamente correcto) rejeita o conceito universal de “ser humano”, e transforma cada sub-categoria de “ser humano” em um conceito universal separado das outras sub-categorias de “ser humano”.

Esta destruição do conceito universal de “ser humano” é feita pelo politicamente correcto através do Direito Positivo já totalmente separado do Direito Natural (jusnaturalismo). E na medida em que dissolve as categorias da realidade conhecida, o politicamente correcto é anticientífico.

Não é possível separar a ciência, por um lado, da Natureza, por outro lado. Podemos criar teorias, mas temos sempre que voltar à Natureza para as legitimar; é esta a diferença entre “racionalismo” e “racionalidade”. O racionalismo (no sentido do ponto 2) não necessita da Natureza; a razão não pode viver sem ela.

O nominalismo radical tem a característica de ver no indivíduo (enquanto unidade e identidade) uma categoria universal, separado dos outros indivíduos; neste sentido, para o politicamente correcto, deixou em termos práticos de existir a categoria universal de “ser humano” que engloba todos os seres humanos, e passou a existir a categoria universal de “indivíduo” da qual se extrapola a “humanidade”.

E por isso já não faz sentido falar hoje em “direitos humanos”, mas antes faz sentido falar em “direitos do indivíduo” enquanto tal.

A erradicação (através do Direito Positivo) da categoria universal e natural de “ser humano” faz com que o indivíduo isolado encarne em si mesmo toda a humanidade — o que é uma inversão da noção de “categoria”, porque é o todo que dá significação às partes isoladas, e não são as partes isoladas que dão sinificação ao todo.

Os totalitarismos do século XX foram a demonstração inequívoca do que acontece quando o Direito Positivo se desliga do Direito Natural. Mas persistimos no mesmo erro de Hitler e de Estaline. Não aprendemos com a experiência.

Quando o Direito Positivo desliga o ser humano, por um lado, da Natureza, por outro lado, abre caminho às arbitrariedades das elites políticas (que manipulam o conceito de "Vontade Geral") e ao totalitarismo. Um Direito Positivo que adequa sistematicamente a norma ao facto é um Direito que nega as categorias da realidade humana. Um Direito Positivo desprovido de fundamentos metajurídicos (escorados no Direito Natural) é campo aberto para a tirania. Estamos a caminho de uma nova tirania; isto não pode acabar bem.

Domingo, 4 Outubro 2015

A igualdade do idiota Ricardo Araújo Pereira

 

“A liberdade é o direito a ser diferente; e a igualdade é a proibição de o ser.” — Nicolás Gómez Dávila

Quando falamos em “igualdade”, é essencial que façamos a distinção entre liberalismo político, por um lado, e liberalismo económico, por outro lado — embora os dois conceitos estejam intimamente ligados. Normalmente confundimos as duas coisas.

O Direito Positivo é hoje um código arbitrário, sem fundamento racional, cada vez mais dependente da opinião subjectiva dos juízes e da ruling class e sem qualquer fundamentação metajurídica.

O liberalismo político é uma forma abstracta e racional de um individualismo moderado, ligado ao desenvolvimento do Direito como defesa contra o Poder arbitrário. Este liberalismo político foi criticado por Rousseau e analisado criticamente por Tocqueville, por diferentes razões: Tocqueville considerava que o liberalismo político tendia a anular (paradoxalmente!), com a passagem do tempo, o liberalismo económico; e tinha razão.

O liberalismo económico é um conceito muito mais complexo do que o primeiro, porque a sua noção tem-se transformado radicalmente desde o tempo de Locke. Por exemplo, o Marginalismo foi uma vertente do liberalismo económico que influencia de forma decisiva o que hoje chamamos de “neoliberalismo”.

O neoliberalismo é o Marginalismo adaptado ao século XXI. Confinar o conservantismo ao neoliberalismo é o actual “veneno” da Esquerda.


“Sem uma estrutura hierárquica não é possível transformar a liberdade da fábula ao facto. O liberal acaba sempre por descobrir demasiado tarde que o preço da igualdade é o Estado omnipresente.” — Nicolás Gómez Dávila

Este texto no Insurgente revela a confusão da actual “Direita” que decorre da sua sujeição a priori aos conceitos da Esquerda.

O problema real é o de que temos de escolher entre igualdade, por um lado, e liberdade, por outro lado: o idiota Ricardo Araújo Pereira prefere a igualdade à liberdade — sendo que, para ele, a igualdade significa “igualdade social” —, ou seja, ele prefere (apenas em teoria hipócrita) mais igualdade social e menos liberdade. Mas se ele não tivesse liberdade, não teria o sucesso económico que tem — o que o transforma em um hipócrita.

A igualdade de direitos (que decorre também do liberalismo político, mas que já vinha dos filósofos cristãos pelo menos desde a Alta Idade Média) remete para a ideia de igualdade natural entre os homens, e para o conceito de Notrecht de Hegel. A “igualdade natural” não é um conceito de Esquerda, porque quando ele surgiu ainda não havia nem Esquerda nem Direita.

A igualdade natural é essencialmente um conceito cristão, também adoptado pelo estoicismo.

A igualdade social, perfilhada hipocritamente pelo idiota Ricardo Araújo Pereira, favorece a igualdade em detrimento da liberdade, por um lado, e por outro lado confunde igualdade com identidade: a igualdade natural parte do princípio de que os indivíduos têm uma natureza e/ou uma dignidade comuns (Cristianismo e estoicismo), mas não são semelhantes em todos os outros aspectos (o Cristianismo diz que o homem está mais perto de Deus do que do vizinho do lado, o que não significa que esteja longe do vizinho do lado).


“A desigualdade injusta não se cura com igualdade, mas com desigualdade justa” — Nicolás Gómez Dávila

Segundo o conceito de igualdade natural, distingue-se igualdade, por um lado, e justiça, por outro lado.

A desigualdade social não é injusta em si mesma — só o sendo quando impede as pessoas de usufruírem os seus direitos naturais. É então possível resolver a contradição entre igualdade de direitos e desigualdade de condições sociais: não com a supressão desta última, mas reduzindo-a nos limites onde a desigualdade é compatível com a justiça (equidade, segundo Aristóteles).

Equidade não é a mesma coisa que igualdade social.

Finalmente, a noção de “direito” tem sido adulterada, porque deixou de ser Direito Natural para passar a ser direito subjectivo. E tanto o Marginalismo neoliberal como a Esquerda marxista são responsáveis por esta adulteração — porque tanto uns como outros têm reduzido a norma legal ao facto social.

O Direito Positivo é hoje um código arbitrário, sem fundamento racional, cada vez mais dependente da opinião subjectiva dos juízes e da ruling class  e sem qualquer fundamentação metajurídica. Só assim se compreende que, por exemplo, o “casamento” gay seja considerado um direito, assim como não nos surpreenderia que o casamento entre um ser humano e um animal qualquer pudesse ser visto como um direito pelo Direito Positivo.

Estamos já no domínio do totalmente arbitrário, e esta discricionariedade do Direito Positivo é da responsabilidade tanto da Direita neoliberal como da Esquerda marxista. A diferença é a de que a Esquerda manobra no seu próprio terreno por total inabilidade daquilo a que se chama hoje Direita.

Segunda-feira, 17 Agosto 2015

Os libertários seguem Nietzsche

 

A Helena Damião chama aqui à atenção para a “coimbrização” 1 da classe académica em geral: hoje é preciso ter muito cuidado com os professores universitários, tanto em Portugal como no Brasil. Hoje, professor que se preze é “coimbrinha”. A inteligência académica atingiu o grau zero — embora ainda longe do zero absoluto.

Temos aqui um texto de um professor de Direito do Brasil. Vou citar uma amostra:

“O direito ao próprio corpo ainda está longe de ser conquistado e reconhecido como um direito fundamental da pessoa humana”.

pessoa-humana
Gostaria que um professor de Direito (coimbrinha) me explicasse o que é uma “pessoa não humana” — porque se existem “pessoas humanas” (e “círculos redondos”, também), também devem existir pessoas que não sejam humanas. Quando uma “pessoa humana” — como parece ser o meu caso — verifica que um professor de Direito constata a existência (do ponto de vista ontológico) de “pessoas não humanas”, começa a desconfiar da merda do Direito Positivo. Talvez o distinto professor de Direito estivesse a pensar no pai dele.

Temos ali um professor de Direito que recusa a normalização do Direito. Ou seja, defende a lei da selva. Ou melhor: o Direito é visto como negação da sociedade.2 Kant explica por que razão o professor é coimbrinha.

1/ Os homens são “insociavelmente sociáveis” (Kant); querem viver em sociedade, pois sabem que isso é necessário (sociabilidade), mas nenhum está disposto a impôr a si próprio as exigências provenientes dessa existência colectiva (insociabilidade). Se entregues a si mesmas, as relações humanas seriam passionais e gerariam conflitos e insegurança, acabando numa situação contrária ao objectivo da associação. É necessário, por isso, compreender em que condições um direito é verdadeiramente um direito — garantindo realmente a cada um a faculdade de usar os seus direitos (direitos subjectivos), mas impondo-lhe também deveres legítimos.

2/ Se a função do Direito Positivo é o de rectificar, seria contraditório que fosse buscar os seus fundamentos àquilo que existe (na sociedade e na Natureza). Por exemplo, não é porque existem (na Natureza e/ou na sociedade) homens mais fortes do que outros que o Direito tem que necessariamente defender os mais fortes; ou não é porque existem gays que se torna necessário legalizar o “casamento” gay como um direito; ou não é porque existem pessoas viciadas em heroína que o seu consumo deve ser necessariamente legalizado como sendo um direito.

Os factos não justificam o direito e não fundam o Direito. Um professor de Direito deveria saber disto.

A redução da norma ao facto, que caracteriza o Direito Positivo actual, deve-se ao problema de saber o que funda o direito: trata-se de um problema metafísico que os coimbrinhas fazem de conta que não existe.

3/

“Cada qual se considera livre exactamente onde o seu sentimento de existir é mais forte.”

— Nietzsche

Toda a actual infra-estrutura ideológica politicamente correcta do Direito e da política é baseada nas ideias de Nietzsche (que depois tiveram os seus sucessores ideológicos, desde Heidegger, Ayn Rand, a Foucault e a Derrida, por exemplo), — e, na economia liberal, nos marginalistas do século XIX que descambou na actual concepção de uma total subjectivização do capitalismo (neoliberalismo). Ou seja, a infra-estrutura ideológica vigente é baseada no sentimento, no subjectivo absolutizado, e na emoção; mas não na Razão.

Se o acto de meter uma bala nos miolos traduz o meu “sentimento mais forte de existir”, então segue-se que a minha felicidade de existir e de viver é reduzida à minha própria morte. O acto niilista do suicídio passa a traduzir uma felicidade de viver — o que é uma contradição em termos.

Segundo Nietzsche, por exemplo, o sentido da vida escolhido por Hitler é ontológica- e eticamente equivalente ao sentido de vida escolhido por Albert Schweitzer — porque, para ambos, alegadamente o que conta é que as suas (deles) liberdades foram apenas condicionadas pela força dos seus (deles) sentimentos (emoções) de existir.

A esta infra-estrutura ideológica niilista e nietzscheana, o politicamente correcto acrescentou uma super-estrutura ideológica baseada na absolutização (metafísica, ética, política e jurídica) da liberdade negativa a que chama “autonomia”.

À semelhança de Kant, o americano Isaiah Berlin3 opõe a liberdade negativa (por exemplo, a liberdade de se exprimir sem censura) à liberdade positiva que é o poder de tomar parte nas decisões públicas e de exercer a autoridade em geral.

Estes dois aspectos da liberdade deveriam sempre coincidir: aquele que exerce o Poder não pode (racionalmente) querer anular-se a si próprio.

Mesmo que coloquemos reservas a Kant e a Berlin, e seguíssemos o ponto de vista de Raymond Aron segundo o qual a liberdade negativa é a liberdade por excelência, então teríamos que aceitar todo o “pacote” ideológico de Aron que afirma que todas as outras liberdades — para além da liberdade negativa — não passam de “direitos-capacidades” ou de “direitos-crenças”: por exemplo, o direito a um emprego; ou o direito à educação; ou o direito ao reconhecimento legal de que um gay foi sexualmente violado durante a confusão de uma orgia gay; ou o direito ao “casamento” gay: tudo isto são “direitos-capacidades” ou de “direitos-crenças” (segundo Aron) que podemos exigir do Estado, mas que o Estado (ou seja, a sociedade organizada) não tem qualquer obrigação de conceder.

Porém, o que o professor coimbrinha brasileiro defende é liberdade negativa de Aron, e ao mesmo tempo a obrigação da sociedade em conceder “direitos-capacidades” ou de “direitos-crenças” em função da subjectivização absoluta do Direito e da ética, ou seja, negando qualquer critério à liberdade positiva: pretende conciliar Berlin e Kant, por um lado, e Aron, por outro lado, o que é uma impossibilidade objectiva.


Notas
1. A “coimbrização” é o equivalente português do Imbecil Colectivo, segundo Olavo de Carvalho: “O ‘imbecil colectivo’ é uma comunidade de pessoas de inteligência normal ou superior que se reúnem com o propósito de imbecilizar-se umas às outras”.

2. A sociedade é um reagrupamento de individualidades, estruturado por ligações de dependência recíproca, e evoluindo segundo esquemas regulamentados e regidas por instituições — sendo que “instituição” é uma forma de organização de vida social que a sociedade concede a si mesma para assegurar a sua perenidade.

3. “Duas Concepções da Liberdade”.

Terça-feira, 21 Julho 2015

O caso Liliana Melo demonstra que a Justiça portuguesa é abjecta

 

 

“O Supremo Tribunal de Justiça não dá razão às pretensões da cabo-verdiana Liliana Melo, que tem travado um braço de ferro com a Justiça nos últimos três anos para voltar a ter os sete filhos de volta. E confirma assim as decisões dos tribunais de 1ª instância e da Relação. A defesa alegou várias nulidades no processo. Mas o Supremo nega que haja qualquer tipo de ilegalidades.”

→ Caso Liliana Melo: Supremo defende separação de Liliana e os sete filhos


A Justiça portuguesa é corporativista, por um lado, e por outro  lado controlada pela política (no sentido ideológico) — com poucas excepções que confirmam a regra.

É corporativista porque a magistratura, em juízo universal, protege o seu clã: é muito difícil revogar uma decisão de primeira instância salvo se o processo estiver ferido de irregularidades escandalosas; ou então, a revogabilidade da decisão da primeira instância em tribunais superiores, é ditada por razões meramente políticas-ideológicas.

O caso de Liliana Melo, a quem foram retirados, pelos tribunais, os seus filhos só porque ela é pobre, revela a abjecção, a baixeza moral, o estado ignóbil da Justiça portuguesa.

Mesmo depois de o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos ter decidido que Liliana Melo tem o direito de ver os seus filhos e estar com eles, o Supremo Tribunal de Justiça vem corroborar, de forma corporativista (e obedecendo caninamente à ideologia política que coloca o Estado acima dos pais das crianças) o que tinha sido decidido — de forma vil, degradante, desprezível, torpe, indigna e abjecta — pelo tribunal de primeira instância.

Espero bem que os advogados de Liliana Melo recorram para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

Quinta-feira, 11 Junho 2015

No Direito Positivo não há verdade

Filed under: josé sócrates — O. Braga @ 7:34 am
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“Para o presidente da Associação de Advogados Penalistas (AAP), Paulo Sá e Cunha, o facto de alguém recusar o uso de uma pulseira electrónica não deve levar o Ministério Público a sustentar a prisão preventiva. “A prisão preventiva é uma medida absolutamente excepcional. Quando o Ministério Público promove uma medida menos grave está a reconhecer que a prisão preventiva não é necessária e, por isso, a sua manutenção é ilegal”, sublinha Sá e Cunha.”

Manter Sócrates em prisão preventiva é “ilegal”, diz penalista


Quando um sistema político — o chamado “Estado de Direito” — se baseia em uma concepção do Direito que não admite a priori qualquer tipo de verdade, é o próprio Estado de Direito que está condenado à extinção.

Imaginem uma folha Excel. Preencham os quadradinhos com valores e fórmulas à vossa vontade e como vos der na real gana, e depois salvem o ficheiro como o nome de “Código Penal”, ou “Código Civil”. Isto é uma analogia para “Direito Positivo”.

Quando o actual Direito Positivo vigente na União Europeia (e em Portugal, porque Portugal passou a imitar simiescamente tudo o que emana da União Europeia) eliminou já quaisquer componentes metajurídicos provenientes do Direito Natural, em verdade o Direito Positivo passou a depender apenas e só da subjectividade de quem se alcandora ao Poder.

O Sá Cunha parte do princípio de que a prisão domiciliária não é uma forma de prisão. Como parece ser óbvio, o princípio está errado e, portanto, a teoria dele está errada (Aristóteles). Qualquer tipo de limitação severa da liberdade de movimentos de um cidadão é uma forma de prisão.

Podemos estabelecer graus de severidade de restrição da liberdade de movimentos de um cidadão (prisão), mas a gradação de uma categoria apenas cria sub-categorias, e não elimina a categoria em si mesma.

Quando um sistema político — o chamado “Estado de Direito” — se baseia em uma concepção do Direito que não admite a priori qualquer tipo de verdade, é o próprio Estado de Direito que está condenado à extinção. É uma questão de tempo.

Segunda-feira, 18 Maio 2015

Direito Natural e Direito Positivo em uma sociedade que não é comunidade

 

Sobre este artigo da Helena Matos:

Acerca do ponto 1/, estou de acordo.

Qualquer dia vamos ter um Código Penal do tamanho de uma biblioteca, e a Isabel Moreira — por exemplo — vai ser a bibliotecária; ela (Isabel Moreira) disse em directo em um programa de televisão: “Criem-se mais leis!”. A solução — segundo a Isabel Moreira — dos problemas da sociedade é “criar mais leis”; mas, por outro lado, a mesma Isabel Moreira diz que o Direito Positivo deve ser “antinatural, felizmente”.

Caros amigos: o rei vai nu. É preciso abrir os olhos a muita gente que não pertence às elites. Quando Portugal tem uma Isabel Moreira como “constitucionalista” e como tal deputada do Partido Socialista, batemos de facto no fundo.

Quando um homem é vítima de uma injúria, por exemplo, pode tentar justificar uma retaliação segundo a Lei Natural; o que o Direito Positivo faz — através de um contrato social — é estabelecer que a retaliação será feita pelo Estado. E se alguém matar em auto-defesa fá-lo segundo a Lei Natural, embora tenha que demonstrar em tribunal (Direito Positivo) a razão do acto. A lei do Direito Positivo contra o assassínio, por exemplo, é irrelevante se uma pessoa não se puder defender do assassino: se uma pessoa for assassinada antes de ter tempo de chamar a polícia, de nada serve a lei positiva contra o assassínio.

Portanto, não podemos fugir ao Direito Natural.

Podemos estabelecer uma identificação entre o Direito Natural e as regras morais que são independentes de disposições legais positivas. E se não existirem essas regras morais previamente ao Direito Positivo, deixamos de saber o que são actos bons e maus e, por isso, deixamos de fazer a distinção entre leis boas e más; e é isso que gente como a Isabel Moreira pretende quando defende que o Direito Positivo deve ser antinatural: impôr as leis de forma arbitrária e discricionária, o que denota um perigoso ideário totalitário.

Quando se afasta a imagem de um Criador do universo da equação humana, caímos invariavelmente em um qualquer totalitarismo — porque deixa de haver uma distinção ética entre acções justas e injustas. Se é verdade que o Direito Natural decide entre acções justas e injustas em uma comunidade sem Estado, também é verdade que o Direito Positivo deve guiar-se e inspirar-se no Direito Natural.

Dizer, como diz a Isabel Moreira, que o Direito Positivo deve ser antinatural, é defender uma qualquer forma de fascismo.

Sobre o ponto 3/, não estou de acordo.

Uma das formas de “demissão”, de que a Helena Matos se queixa, é o acto de esconder as caras dos protagonistas do vídeo violento em nome de uma putativa “não-estigmatização”. O conceito de estigmatização é politicamente correcto (marxismo cultural).

A Helena Matos entra em contradição entre o ponto 1 e o 3 do seu artigo. E parte do princípio estabelecido pelo idealismo alemão (Hegel, que está na base do materialismo dialéctico de Karl Marx) de uma distinção radical entre “sociedade” (Gesellschaft) e “comunidade” (Gemeinschaft), sendo que — segundo Hegel — não existe uma identificação entre os dois conceitos. Esta ideia de Hegel assombra mesmo os que hoje não se consideram marxistas.

Se separarmos a ideia de “comunidade”, por um lado, da de “sociedade”, por outro lado, chegamos às conclusões da Helena Matos, do Bloco de Esquerda, do Partido Comunista, do “governo sombra” da TVI, e da ILGA. É aqui que a Helena Matos se contradiz.

É suposto que uma nação seja uma grande comunidade, e é óbvio que a separação radical entre comunidade e sociedade leva não só à descaracterização da sociedade como à sua desnacionalização.

Por exemplo, em uma aldeia ou vila portuguesa do interior do país (ou seja, em uma comunidade), os protagonistas de um eventual acto de violência injusta são certamente conhecidos por quase todos os seus habitantes. A moral pública, em geral, ditada pelo Direito Natural — e pelas regras morais de que falei acima e que são anteriores ao Direito Positivo — condena a injustiça sem esconder as caras dos protagonistas.

Haverá sempre uma pequena minoria da população da vila que se comprazerá morbidamente com o acto de violência e com o sofrimento da vítima; mas não devemos é partir de comportamentos imorais de minorias para definir regras gerais — como defende a Isabel Moreira em um caso, e a Helena Matos em outro.

Anexo: ficheiro PDF do artigo da Helena Matos.

Sábado, 2 Maio 2015

O Direito Positivo protege o prevaricador

Filed under: Justiça — O. Braga @ 1:45 pm
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Theodore Dalrymple chama aqui à atenção para uma situação de que já falei neste blogue: a justiça que favorece o desonesto e o prevaricador.

Por exemplo, se eu inventar factos contra alguém e lhe meter um processo judicial, e se eu perder a litigância judicial, apenas tenho que pagar as custas do processo em tribunal e ao meu advogado; os prejuízos morais e de tempo perdido, e as despesas com o advogado da pessoa a quem eu meti o processo judicial de forma gratuita e desonesta, não são da minha conta. De certa forma, a desonestidade compensa.

A justiça natural pune o prevaricador; o Direito Positivo protege-o.

Na justiça natural, o prevaricador — neste caso, eu próprio —, perdendo o processo, deveria pelo menos pagar todas as despesas da pessoa contra quem injustificadamente levantei um processo em tribunal. Se tivéssemos uma justiça natural, as pessoas teriam mais cuidado quando demandassem caprichosamente os tribunais.

Segunda-feira, 20 Abril 2015

O critério da verificação do direito

Filed under: Justiça,Política,Portugal — O. Braga @ 12:28 pm
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Mulheres forçadas a espremer mamas para provar que amamentam

Clique na imagem para ler a notícia


Eu compreendo a argumentação da Helena Matos, mas há que ver o problema no plano dos direitos: parece que o actual critério de verificação de um direito depende exclusivamente do facto de custar dinheiro ao Estado.

O direito de uma mulher amamentar o seu filho é um direito natural que o Direito Positivo apenas adoptou; esse direito existia antes do Positivismo. Mas como esse direito natural custa dinheiro ao Estado (ou a outra entidade empregadora), tem que ser verificado através do esguicho da mama da mãe.

Mas, por exemplo, o reconhecimento legal do direito ao “casamento” gay não provém de um direito natural, mas como não custa dinheiro ao Estado não há que verificar se as duas avantesmas são gays. Basta que eles assumam que são gays e o direito ao “casamento” gay realiza-se.

Temos, portanto, um direito natural que custa dinheiro ao Estado, e um direito positivo mas não natural que não custa dinheiro ao Estado. E o Estado verifica a autenticidade do primeiro mas não a do segundo. O critério da verificação do direito é o dinheiro, e não o direito entendido em si mesmo.

Aparentemente, desde que não custem dinheiro ao Estado, todos os direitos e mais alguns são permitidos e passíveis de ser legalizados. Em última análise, e por absurdo, se um assassínio não custasse dinheiro ao Estado através do processo em tribunal, também seria permitido como direito.

Portanto, é a lógica do sistema do Direito que temos que está em causa. O Estado desconfia de um direito natural porque lhe custa dinheiro, mas por outro  lado abre uma caixa-de-pandora de todos os direitos não-naturais desde que sejam grátis em relação ao Estado. Desde que o Estado não seja (aparentemente) sobrecarregado com despesas, podes transformar uma tara qualquer em direito.

Sendo o direito de uma mãe amamentar o seu filho um direito natural, ou é reconhecido pela lei ou não, e independentemente do dinheiro que o Estado gaste. Se Passos Coelho entende que esse direito natural não deve ser reconhecido por lei porque custa dinheiro ao Estado, ou entende que a lei deve ser revista estabelecendo um prazo máximo de amamentação da mãe, então que actue nesse sentido; mas o Estado não tem é o direito de transformar todas as mães em prevaricadoras em potência.

Segunda-feira, 15 Dezembro 2014

A lei é sempre repressiva, ou não é lei

Filed under: A vida custa — O. Braga @ 6:59 pm
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Uma das características da modernidade é a ideia de que mudando a lei se muda a natureza das coisas. Por exemplo, muita gente pensa que legalizando o “casamento” gay, aquilo passa a ser mesmo casamento. Estão mesmo convencidos disso. A lei passa a ser uma espécie de varinha de condão alquimista que transforma qualquer material em ouro (falso).

Aqui defende-se que a lei seja mudada para que exista mais respeito pelos animais. Mas a lei, no sentido jurídico, é repressiva e estabelece uma obrigação; e em vez de estimular o respeito, fomenta o medo — a não ser que a lei seja sufragada em um referendo maioritário.

dog-africaMesmo a “não-esquerda” alinha pelo conceito de “Vontade Geral” de Rousseau: não é preciso a aquiescência da maioria em relação à promulgação da lei: uma plêiade de auto-iluminados, com um qualquer alvará de inteligência, decide pela maioria e faz a lei.

Não é por que se mude o estatuto jurídico dos animais que estes passam automaticamente a ser melhor tratados. Pelo contrário, pode acontecer que muita boa gente deixe de ter animais para não se meter em sarilhos — para não ter que sofrer a repressão da lei, que muitas vezes é ambígua e presta-se a manipulações políticas. E em vez de termos alguns animais maltratados, as ninhadas serão afogadas à nascença — mas isso, o legislador já não vê; e o que não se vê não conta.

A lei não muda a ética; desenganem-se: é a ética e os seus valores que podem mudar a lei.

Na Tragédia de Sófocles, Antígona opôs-se à lei positiva que proibia a sepultura do seu irmão. Vemos aqui como a Lei Natural se opõe muitas vezes ao Direito Positivo imposto pela “Vontade Geral“.

Numa altura em que, através da cultura elitista da “Vontade Geral”, se pretende equiparar ontologicamente o animal irracional ao ser humano através do conceito de “ser sensiente”, mais vale mandarmos a elite política à bardamerda: se um animal tem um dono, não deixa de ser “coisa móvel” só porque a lei positiva pretende transmutar a realidade imposta pela lei natural.

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