perspectivas

Sábado, 25 Fevereiro 2017

Mal-entendidos da filosofia moderna

 

Temos aqui um verbete de um tal Marcos L. Mucheroni (parece-me professor de filosofia no Brasil) que me mencionou aqui. Vou tentar, desta feita, analisar o verbete em causa que aborda a questão da mundividência, ou da ausência dela na nossa sociedade.

1/ Vamos começar com Einstein:

“Mesmo que os axiomas da teoria (não interessa qual, neste caso) sejam formulados pelo ser humano, o sucesso de um tal empreendimento pressupõe uma elevada Ordem do mundo objectivo — o que não se podia esperar de maneira alguma.” [“Worte in Zeit und Raum”]

É óbvio que Einstein tem razão. Existe uma Ordem do mundo objectivo. Essa Ordem é (não só, mas também) imanente ao mundo, ou seja, é uma Ordem que a nossa inteligência pode facilmente detectar através da ciência ou das teorias científicas. Qualquer cientista honesto detecta e reconhece publicamente essa Ordem imanente. Sublinho: honesto.

Mas, por outro lado, vejamos o que escreveu o físico alemão Hans Rohrbach (1967):

“A matemática não é um produto da razão humana, mas, por assim dizer, é mais inteligente do que a razão humana”.

Ou seja a lógica matemática está para além da razão humana, aponta para o infinito que, neste caso, não é o infinito imanente dos gregos (socráticos e pré-socráticos incluídos), mas é um infinito transcendente ao espaço-tempo e ao universo.

Este infinito transcendente é a novidade do Cristianismo (com a contribuição de Plotino e Proclo).

Portanto, o Marcos pode ter alguma razão quando diz que as filosofias de Platão ou de Aristóteles eram imanentes; mas já não tem razão quando pretende dizer que a filosofia dos pré-socráticos (de acordo com Heidegger) não eram imanentes.


Em Aristóteles, o conceito de “alma” não era transcendente, e portanto qualquer analogia com a “alma” cristã, é falácia.

Para Aristóteles, a alma era o “Nous” ou “Intelecto”. Tanto Platão como Aristóteles moviam-se mais ou menos na imanência herdada das divindades intra-cósmicas do panteão grego, e não admitiam sequer a criação do mundo a partir do “Nada”.

Para Aristóteles e Platão, o esboço ideológico de um Deus não era a de um Deus Criador, mas o de um demiurgo ou arquitecto que moldou a matéria original ou Ápeiron. A noção de Ápeiron vem dos pré-socráticos (nomeadamente, Empédocles).

Como escreveu Ortega y Gasset, o mundo das Ideias de Platão ou o Nous de Aristóteles pertencem a um “quási-lugar extra-mundano, a região sobre-celeste”(¿Que es Filosofia ?, página 30, segunda edição, 1960). O lugar das Ideias de Platão e do Nous de Aristóteles não é extra-mundano (transcendente): é quase extra-mundano, ou seja, imanente.

Quando Aristóteles fala da “superioridade da alma relativamente ao corpo”, não fala da superioridade da “alma cristã” em relação ao corpo, mas antes na superioridade do Nous (intelecto) de uns em relação a outros.

A diferenciação conceptual e cultural da “alma cristã” transcendente, em relação à “alma grega” imanente (seja socrática, seja pré-socrática), aconteceu mais tarde, com a influência judaica e com o neoplatonismo (Plotino, Proclo), já na era depois de Cristo.


2/ O Marcos escreveu:

“(…) o teocentrismo tem como catarse no final da idade média exactamente o problema do movimento dos planetas e da centralidade do sol, (…)”

O Marcos incorre no mesmo erro ideológico da pseudo-ciência actual — a ideia segundo a qual o geocentrismo e o teocentrismo estão estrita- e directamente ligados, e que Galileu fez a “catarse do teocentrismo cristão” através da defesa do heliocentrismo.

Em primeiro lugar, Copérnico (um clérigo católico) defendeu o heliocentrismo antes de Galileu.

E muito antes de Copérnico, Aristarco de Samos, que viveu no século III a.C., foi simbolicamente condenado à morte — ou seja, não foi realmente morto — por ter dito que era a Terra que se movia em torno do Sol e que as estrelas não rodopiavam à volta da Terra; e foi virtualmente condenado à morte precisamente porque Aristarco colocava assim em causa a existência da morada dos deuses gregos, porque segundo a mitologia grega era suposto que a Terra fosse o centro do universo, explicando-se assim a existência do Olimpo.

Em segundo lugar, se entendermos a ciência na perspectiva actual e actualizada — que não deve incluir o cientismo —, a reacção do Papa às teses de Galileu foi absolutamente correcta, do ponto de vista científico.

As teses de Copérnico receberam o imprimatur do Vaticano porque foram formuladas como hipóteses   — o que não aconteceu com Galileu, que não quis formular hipóteses, mas antes pretendeu afirmar verdades absolutas. E a tentativa de afirmação das suas verdades absolutas aconteceu numa época em que a hipótese de Ptolomeu podia explicar melhor muitos fenómenos celestes.

Segundo a perspectiva actual não-cientificista e, por isso, racional e científica propriamente dita, a Igreja Católica do tempo de Galileu defendeu a concepção científica mais moderna (a ciência do paradigma), embora tenha errado tanto quanto erra a ciência actual.

Domingo, 21 Junho 2015

O professor Galopim de Carvalho deveria dedicar-se ao estudo das pedras e deixar a História em paz

 

Quando o professor Galopim galopa os corcéis da história ou da filosofia, sai asneira:

“Na mesma época, o Santo Ofício levara Giordano Bruno à fogueira e obrigara Galileu a repudiar as suas ideias sobre o heliocentrismo, tidas por ofensivas da Fé”.

Burrice do Galopim de Carvalho

Misturar, em um mesmo parágrafo e pelas mesmas razões, Giordano Bruno e Galileu, só pode ser burrice de quem aprendeu a classificar pedras e faz da história das ideias uma espécie de menir. Giordano Bruno não foi executado pela Inquisição por ter ter defendido o heliocentrismo!

Por outro lado, já aqui demonstramos aqui que a mente retorcida de Carlos Fiolhais e o cérebro empedernido de Galopim de Carvalho não têm razão em relação a Galileu, porque a ciência actual comporta-se da mesmíssima maneira que a Igreja Católica medieval:

“Qualquer cientista propriamente dito — e não alguém contaminado pelo cientismo, como é o caso de Carlos Fiolhais — reconhece hoje, e a partir da perspectiva actual segundo o conceito de paradigma de Thomas Kuhn, que a reacção do Papa às teses de Galileu foi absolutamente correcta. As teses de Copérnico receberam o imprimatur porque foram formuladas como hipóteses. Porém, Galileu não quis formular quaisquer hipóteses, mas afirmar verdades absolutas — e isto numa época em que a hipótese de Ptolomeu podia explicar melhor muitos fenómenos celestes.

A Igreja Católica, naquela época, defendeu a concepção científica mais moderna embora se tenha atido a concepções cosmológicas erradas. O mesmo critério da Igreja Católica daquele tempo é utilizado por Carlos Fiolhais quando defende o darwinismo: mas Carlos Fiolhais fala sistematicamente em Galileu sem falar nele próprio e naquilo que comprovadamente de errado ele ainda defende.”

Quarta-feira, 7 Agosto 2013

O blogue Rerum Natura e a astrologia

O escriba do Rerum Natura deve ter escrito isto numa noite de lua cheia. ¿Já viram alguém aluado reconhecer a influência da Lua nos seus neurónios? Nunca vi…

A crítica do aluado escriba em relação à astrologia anda em torno do conceito de “ciência”. Diz o aluado que a astrologia não é ciência. Vamos saber o que é “ciência”.


Ciência vem do latim scientia, derivado de scire, “saber”.

  • Em sentido lato, ciência significa “saber” em geral, e mesmo a habilidade técnica ou artística.
  • Entre os gregos, a ciência é o episteme: conhecimento simultaneamente eminente (um saber superior), universal (opõe-se à doxa ou opiniões particulares) e teórico (difere das aptidões práticas).
  • Entre os modernos, a ciência é o conhecimento científico positivo – positivismo – que se apoia nos critérios precisos da verificação, permitindo uma possível objectividade dos resultados.

Portanto, quando falamos de “ciência”, devemos especificar o conceito de ciência, que pode ser a ciência no sentido lato do termo, pode ser ciência no sentido de episteme, e pode ser ciência no sentido do positivismo. Não há um único conceito de “ciência”!

Naturalmente que não se pode pedir aos aluados do blogue Rerum Natura que saibam disto – com excepção de Desidério Murcho que se cala convenientemente. E é óbvio que a astrologia não é uma ciência no sentido positivista. O aluado escriba do Rerum Natura não se dá conta de que, por exemplo, a Lua influencia os movimentos das marés: é um pouco como os burros: andam aluados mas não se dão conta disso.

E a propósito da Lua e das marés, é conhecida a teoria das marés de Galileu que se demonstrou errada porque ele baseou a teoria apenas no movimento de rotação da Terra, e propositadamente não tomou em consideração a influência da Lua no movimento das marés. Galileu não colocou a hipótese da influência lunar no movimento das marés porque tinha um preconceito negativo em relação à astrologia.

Terça-feira, 5 Junho 2012

O cientismo, e a querela entre Galileu e a Igreja Católica

“Não é por uma teoria cientifica cair que deixa de ser científica. Pelo contrário, só as teorias científicas podem cair, por poderem estar erradas, isto é, por serem passíveis de negação, pela lógica, pela observação e pela experiência.

Por exemplo, o sistema geocêntrico foi substituído pelo sistema heliocêntrico, no século XVI, por ser mais lógico e estar mais de acordo com as observações. Foi Galileu, no século seguinte, quem fez vingar a visão de Copérnico.

Por outro lado, no mesmo século, a teoria de movimento de Aristóteles foi substituída pela mecânica de Galileu e Newton, que tinha, ao contrário das antigas ideias gregas, não só sustentação matemática como também um enorme poder preditivo na descrição de acontecimentos reais.”

via De Rerum Natura: ASCENSÃO E QUEDA DE TEORIAS CIENTÍFICAS.


Se entendermos a ciência na perspectiva actual e actualizada — que não deve incluir o cientismo —, a reacção do Papa às teses de Galileu foi absolutamente correcta, do ponto de vista científico.

As teses de Copérnico receberam o imprimatur porque foram formuladas como hipóteses — o que não aconteceu com Galileu, que não quis formular hipóteses, mas antes pretendeu afirmar verdades absolutas. E a tentativa de afirmação das suas verdades absolutas aconteceu numa época em que a hipótese de Ptolomeu podia explicar melhor muitos fenómenos celestes.

Segundo a perspectiva actual não-cientificista e, por isso, racional e científica propriamente dita, a Igreja Católica do tempo de Galileu defendeu a concepção científica mais moderna, embora tenha errado, tanto quanto erra a ciência actual.

No entanto, não é a primeira vez — nem será a última — que o Blogue Rerum Natura se refere à questão Galileu versus Igreja Católica de uma forma enviesada, o que revela a forte carga cientificista e politicamente orientada daquele blogue.

Domingo, 12 Dezembro 2010

O neodarwinismo, e a teoria das marés de Galileu

É conhecida a teoria das marés de Galileu, que se demonstrou errada porque ele baseou a teoria apenas no movimento de rotação da Terra, e propositadamente não tomou em consideração a influência da Lua no movimento das marés.

Galileu não colocou a hipótese da influência lunar no movimento das marés porque tinha um preconceito negativo — normal entre os físicos daquela época — em relação à astrologia.

Uma coisa algo parecida com essa (ressalvo as diferenças) acontece hoje com o repúdio apriorístico do Establishment científico em relação ao Desenho Inteligente, tal qual é proposto por cientistas “heréticos” como Michael Behe.

Tal como Galileu descartou a Lua na sua teoria das marés por ter feito uma associação ideológica pejorativa com astrologia, assim a ciência politicamente correcta descarta o Desenho Inteligente por a associar à religião.

Todavia, ainda me dizem que a humanidade — desde o tempo de Galileu — “evoluiu”.

(Votos de um bom Domingo)

Terça-feira, 26 Agosto 2008

Giordano Bruno

Filed under: filosofia — O. Braga @ 10:50 am
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Não há nada que possa justificar a Inquisição católica; mas a Inquisição secularista, cientificista e ateísta do século 20 foi de uma virulência tal que transforma os inquisidores católicos medievais em meninos de coro.

Giordano Bruno

Giordano Bruno

Há já tempo que estou para escrever alguma coisa sobre Giordano Bruno; sempre que me deparo com um postal blogosférico clamando por justiça contra a ICAR a favor do mártir herético, lembro-me do caso de Galileu: a razão porque Galileu caiu na desgraça da ICAR prendeu-se com uma sua publicação na qual deliberadamente caricaturou a figura do Papa; tratou-se de uma questão pessoal. Afinal, o diferendo entre o “físico” e a ICAR resumiu-se a um diferendo pessoal e privado entre ele e o Papa Urbano VIII ― a ICAR já tinha inclusivamente aceite o heliocentrismo nove anos antes de Galileu o ter proclamado, através da teoria heliocêntrica da autoria do clérigo católico polaco Copérnico ― pasme-se! o heliocentrismo original é da lavra de um padre católico. Portanto, a estória de Galileu foi mal contada, ou pelo menos, enviesada. Coisa semelhante se passa com Giordano Bruno.

Giordano Bruno não foi morto por serviços prestados à ciência, assim como Galileu não foi perseguido por defender o heliocentrismo. Bruno foi morto por razões que se misturam entre a transgressão espiritual e teológica, e questões pessoais e privadas.

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Sexta-feira, 21 Março 2008

Quem ameaça o ser humano?

«O partido comunista não pode ser neutral em relação à religião, porque a religião é algo que se opõe à ciência.»
– José Estaline, ditador sanguinário

Um dos argumentos ateístas contra o cristianismo foi o caso da pretensa proibição do papa Urbano VIII na publicação dos escritos de Galileu sobre o heliocentrismo. Oito anos antes de Galileu, Copérnico – que era um clérigo católico – publicava a mesma teoria sem nenhuma oposição da Igreja de Roma. A razão porque Galileu caiu nas más graças do Papa prendeu-se com uma publicação anterior, na qual deliberadamente caricaturou a figura do Papa. O pretenso “problema” da Igreja Católica com Galileu não tinha nada a ver com a teoria heliocêntrica , mas constituiu um problema pessoal entre o Papa Urbano VIII e Galileu.

Adenda: nem de propósito, ver este post.
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