Quando leio textos como este, da Inês Pereira, fico um pouco confuso, por assim dizer, porque se fala em um determinado conceito (neste caso, o bullying) sem uma definição desse conceito.
E fazemos uma pergunta: ¿o que é o bullying? Mas não há, no texto da Inês, uma noção de bullying: é um conceito alargado que é “pau para toda a colher”, que qualquer pessoa pode utilizar sem qualquer critério objectivo. Ou seja, o bullying é aquilo que qualquer pessoa quiser que seja.
A Inês é muito opinativa, como as mulheres em geral, mas as opiniões devem ser racionalmente fundamentadas.
Por exemplo, não se pode dizer que “se a minha avó tivesse tido rodas eu seria um autocarro”, porque para além de ser impossível colocar em causa um determinado nexo causal baseado em factos e defender o contra-factual, não há nenhuma garantia de que eu não pudesse ser um avião, que também tem rodas; nem existe qualquer certeza de que eu não teria rodas mesmo que a minha avó fosse um autocarro.
A ideia segundo a qual “o mal actual tem origem no mal do passado”, e que “seria possível que não existisse hoje qualquer mal se o mal do passado fosse evitado”, é de uma estupidez fundamental. Esta ideia é a base ideológica do movimento revolucionário que foi responsável por mais de cem milhões de vítimas mortais no século XX. O movimento revolucionário é especialista em bullying, e depois vem censurar o bullying entre as crianças.
Este puritanismo de “espécie cristã” da Inês é muito semelhante, nas suas características fundamentais, ao puritanismo do Bloco de Esquerda. Parte-se do princípio de que o “progresso”, entendido como uma lei da natureza, vai eliminado o mal com a passagem do tempo. Trata-se de uma visão idealista e hegeliana da História e do Homem.
Ora, Jesus Cristo disse exactamente o contrário:
“Ai do mundo, por causa dos escândalos! São inevitáveis, decerto, os escândalos! Mas ai do homem por quem vem o escândalo!” — Mateus, 18, 7
Repare-se bem: os escândalos são inevitáveis.
A Inês deseja um mundo perfeito, em que, por exemplo, não exista o bullying que não se sabe bem o que é. Por exemplo, se uma menina não traz cuecas vestidas e é gozada pelos colegas na escola, é (segundo a Inês) bullying. A Inês pretende que tudo o que seja fundamentado pelo espírito crítico das crianças seja considerado bullying, na medida em que o acto de criticar a menina sem cuecas é, segundo parece, uma “desumanidade”. Segundo a Inês, uma criança não pode ser gozada pelas outras crianças, eliminando-se assim não só a interacção crítica das crianças, como assim se promove a incapacidade de discernimento crítico. A julgar pelo critério da Inês, Voltaire, quando escreveu o “Cândido”, não fez outra coisa senão bullying em relação a Leibniz.
A verdade é que só pode ser considerado bullying o ataque ad Hominem — seja físico ou psicológico, ou seja, o ataque à pessoa (neste caso, à criança), entendida em si mesma. A crítica a um determinado comportamento — que seja universalmente criticável!, e não só em relação a uma determinada pessoa em particular — não é necessariamente bullying.
O bullying é, em primeiro lugar, agressão física. E depois é agressão psicológica ad Hominem, dirigida à pessoa enquanto ela própria (uma crítica a uma criança que possua um critério universal não é “agressão psicológica”, porque a crítica, neste caso, não lhe é dirigida especifica e particularmente).
A crítica, mesmo que seja “violenta”, pode não ser bullying. Uma coisa que a Inês parece ainda não ter compreendido, é que o grande problema da educação das crianças é o de que não há receitas (como as receitas de cozinha): elas têm que aprender com a experiência. E a experiência passa pela crítica, que pode vir das outras crianças, dos professores, dos pais, etc.. Essa experiência crítica não é necessariamente bullying.
O “gozar com alguém” pode não ser bullying, se esse “gozo” obedecer a critérios e juízos universais de reprovação de um determinado comportamento. Chamam-se a esse conjunto de critérios universais de “cultura antropológica”. Era o que faltava que as nossas crianças fossem tratadas como robôs politicamente correctos: os robôs não têm dignidade.
Ficheiro PDF do texto da Inês