Se pudesse haver um diálogo entre Buda e Nietzsche, as formas como cada um dos dois concebia o mundo e a sociedade seriam totalmente diferentes; e embora eu estivesse mais de acordo com a mundividência de Buda, nem eu nem ninguém conseguiria provar que Buda teria razão por intermédio de argumentos do tipo usados em questões matemáticas ou científicas.
De modo semelhante, não podemos provar, por artes da matemática ou da ciência, que o Padre Gonçalo Portocarrero de Almada (ou quem se lhe opõe) tem razão. Podemos concordar com Buda ou com Nietzsche, mas não simultaneamente com os dois, através da nossa sensibilidade, intuição, inteligência e capacidade de raciocínio (lógica).
Pedro Galvão começou por dizer (minuto 39) que “não é relativista”. ¿O significa “relativismo”?
O termo relativismo pode ter pelo menos três acepções:
1/ a do sofismo grego ou cepticismo, segundo a qual a verdade é relativa aos indivíduos; neste sentido, podemos aceitar que Pedro Galvão não seja relativista na medida em que ele próprio diz que procura uma verdade objectiva;
2/ relativismo etnológico e sociólogo: doutrina que, distinguindo as diferenças culturais e éticas entre as diversas sociedades, recusa-se a julgar as sociedades em função de um qualquer paradigma ético e cultural. Penso que esta acepção de relativismo também não se aplica a Pedro Galvão;
3/ o relativismo como afirmação da impossibilidade de um conhecimento absoluto dos princípios e das causas primeiras, ou seja, alegadamente é a “ciência verdadeira” que se satisfaz com o relativo e que estabelece, por observação (empirismo, pragmatismo, positivismo ), as relações entre os fenómenos. O positivismo e o utilitarismo têm origem comum.
É no sentido 3/ que Pedro Galvão é objectivamente relativista; e por isso o Padre tem razão quanto implicitamente lhe chamou de “relativista”. E assim como não podemos fazer prova, através de equações matemáticas e/ou através de teorias científicas, que o Padre Gonçalo Portocarrero de Almada tem razão — também o relativismo cientificista do Pedro Galvão não pode ser usado legitimamente para defender uma teoria ética.
A premissa relativista de Pedro Galvão consiste na negação do absoluto (ou pelo menos a omissão dele, o que vai dar no mesmo): “se não é possível conhecer o absoluto”, pensará Pedro Galvão, “não vale a pena falar dele nem considerá-lo na teoria ética”. Isto é positivismo aplicado à ética.
Embora não possamos conhecer o conteúdo do absoluto, podemos, através da inteligência, da intuição e da lógica, detectar-lhe a forma — assim como, se olharmos para a linha do horizonte, podemos intuitivamente saber que existe “algo” para além dela. Se não existe nenhuma possibilidade de enraizar a ética no absoluto, todas as reflexões são inúteis e a lógica não existe.
A partir do momento em que Pedro Galvão nega o absoluto, navega em águas turvas, porque não há possibilidade do relativo sem uma relação lógica com um absoluto, mesmo que hipotético. E por isso é a ética de Pedro Galvão é inconsistente, relativista, ziguezagueante e sem razões.
(vídeo via).