“Também como Rawls, Nozick termina seu livro representando a sociedade justa como moralmente libertária ao extremo, negando implicitamente a legitimidade de leis que proíbem práticas como a prostituição e a venda de drogas viciantes.”
Recentemente, o liberal Carlos Guimarães Pinto (do partido IL [Iniciativa Liberal]) escreveu no Twitter que, em Portugal, os imigrantes indostânicos condutores de táxis (TVDE) não deveriam ser obrigados a falar a língua portuguesa. Ou seja: para o Carlos Guimarães Pinto, “os portugueses que se f*dam!”
Temos aqui um exemplo de uma pretensa “neutralidade” do Estado liberal que age em nome de uma alegada defesa da liberdade individual — uma “liberdade individual” radical que provoca, na sociedade, uma anomia e uma atomização social que, mais tarde, conduzirá inexoravelmente a uma qualquer formação de massa totalitária (Hannah Arendt).
Em uma sociedade em que não exista um paradigma maioritária- e geralmente aceite do que é a “vida boa” (vida boa = postulado de orientação ética e moral, e de sentido de vida) que oriente o indivíduo e o colectivo, só lhe resta a busca frenética pelo interesse próprio e um utilitarismo exacerbado. Rawls (liberal de esquerda) e Nozick (libertário de direita) são defensores deste tipo de sociedade. O Carlos Guimarães Pinto obedece caninamente ao último dos dois.
Mas esta neutralidade ética e moral dos liberais e dos libertários é uma treta — como bem demonstraram MacIntyre e Sandel. A invocação (liberal) de neutralidade ética e moral do Estado é uma forma que os liberais encontraram de colocar em causa a legitimidade de um determinado paradigma cultural (clássico), na tentativa de impôr à sociedade um outro paradigma cultural, diferente mas disruptivo, e em nome de uma determinada concepção de “progresso” — uma concepção ideológica romântica da História que entende o progresso como uma lei da Natureza.
Neste contexto, o Estado liberal também não é eticamente neutro. Por exemplo, Michael Sandel [“Liberalism and the Limits of Justice”] defende a ideia de que o Estado não deve intervir no tema do aborto se se demonstrar ser verdadeira a doutrina moral que concebe o aborto como um assassínio. Ou seja, a neutralidade do Estado acerca do aborto só é admissível se se demonstrar que o aborto não é um assassínio e, por conseguinte, neste contexto o Estado deverá deixar o indivíduo exercer o direito ao aborto.
Esta aparente neutralidade do Estado liberal/libertário em relação a um paradigma clássico de “vida boa” é liberticida, embora agindo paradoxalmente em nome da liberdade — porque ignora as restrições que a liberdade deve impôr a si própria para não se auto-destruir. Por exemplo, a mentalidade liberal igualitarista da socialista Isabel Moreira nunca entenderá que os horrores modernos que a ela repugnam são o [lado do] avesso das falácias que ela admira.