perspectivas

Sexta-feira, 2 Julho 2010

Sobre o Ser e o Não-ser

« O Panteísmo imanentista é uma filosofia interessante e sedutora na medida em que defende que Deus gerou o Universo a partir da sua própria substância e, deste modo, não o criou a partir do Nada. O Universo é gerado e não criado. Assim, parece ficar resolvido e ultrapassado o problema do Nada.

É que do Nada não pode surgir alguma coisa a não ser que o Nada seja tratado como sendo alguma coisa. A criação a partir do Nada, quer seja por Deus quer seja pelo Acaso dos ateus materialistas, levanta uma contradição lógica, pois o Nada para “ser” Nada não pode ser “alguma coisa” e do verdadeiro Nada nada sai ou se produz ou se cria. O Nada é a ausência e a impossibilidade da Existência. Deste modo, é filosoficamente sedutor ver o Mundo como derivado da substância do próprio Deus, conquanto ele não seja Deus. »

Sérgio Sodré

Para resolver este problema, temos que invocar Parménides e Platão. Para o primeiro (no poema “Da Natureza”), “O Ser é, e o Não-ser não é”. Isto parece tautológico, mas não é. Se o Ser é a única coisa que pode ser pensada e dita, ele (o Ser) existe em contraposição ao Não-ser. O mesmo salienta Platão (no “Sofista”): é preciso que exista o Não-ser se quisermos conceber a existência do Ser — isto é, se quisermos pensar, falar, etc.. Para Platão, dizer o que é uma coisa, é dizer o que ela não é.

Portanto, não existe um atentado à lógica, porque uma coisa para “ser”, tem que não “não-ser”. Pelo contrário, aplica-se aqui o princípio lógico do Terceiro Excluído. Eu sou porque não não-sou. Nós até podemos pensar (sobre) a diferença entre o Ser e o Não-ser, mas não podemos pensar sobre aquilo que é o Não-ser, embora este exista do ponto de vista da lógica.

Depois de Parménides e Platão, temos que dar um salto até à filosofia quântica, porque o que se passou no intermezzo pouco interessa — Leibniz pergunta: “Por que há algo, em vez de nada?”; pergunta inteligente… As perspectivas de Hegel, Heidegger e Sartre partem do pressuposto de que o universo é infinito, eterno e estável, e portanto, estão erradas.

« Um pouco de ciência afasta-nos de Deus; muita ciência traz-no-Lo de volta. »
— Francis Bacon (1564 – 1626)

Em princípios da década de 70 do século passado, Stephen Hawking desenvolveu a teoria do Big Bang. A astrofísica deu-lhe razão quando constatou que o universo está em expansão. A existência de um primeiro instante, a unidireccionalidade do universo e a evolução que faz prever um estado final, parecem excluir a eternidade de um universo que não teria — na concepção de Hegel, Heidegger e Sartre — nem início nem fim. A natureza já não aparece regida por leis que só a influenciam exteriormente (Newton e Einstein), mas por tendências interiores (quântica).

O problema é que os biólogos — tanto os panteístas, como os ateus e os naturalistas — partem do princípio de uma concepção newtoniana de universo, e recusam absolutamente as constatações e novas descobertas da macrofísica e da microfísica. Por exemplo, para Richard Dawkins ou Christopher Hitchens, o universo é eterno, estável e infinito; para eles, a Física não é credível. Podemos constar claramente isto no livro “Desilusão de Deus”, do zoólogo Richard Dawkins, que em nome da sua ciência — leia-se, cientismo — recusa a ciência.

Uma coisa que a física quântica nos demonstrou, é que todas as coisas — no que diz respeito à essência da sua espécie — estão fora do espaço-tempo. A onda quântica existe, do ponto de vista da ciência: ela não é matéria porque não tem massa, e está fora do espaço-tempo.

Naturalmente que estas matérias não saem nos telejornais, porque são uma ameaça às religiões políticas saídas do Iluminismo. Hoje, a ciência é escondida do grande público pelos me®dia, e só o cientismo e a técnica são alardeadas.

O princípio de uma prova científica — no sentido positivista — implica o próprio Ser, o quod quid est. Talvez por esta razão será mais difícil a uma mente formatada nos compêndios do positivismo conceber o Não-ser no sentido do “não-ser material”, sendo que a matéria é concebida como a aglomeração de partículas elementares longevas (electrões, neutrões, etc.) que compõem os átomos. Mas essas partículas existem como tal (matéria ou Ser, dentro do espaço-tempo, porque têm massa) e também na forma de ondas quânticas (não-matéria ou Não-ser, fora do espaço-tempo, porque não têm massa).

Portanto, e mais uma vez, não existe “contradição lógica” porque fica demonstrado que Parménides e Platão tinham razão, porque “o Não-ser, é”.

Porém, o problema não fica por aqui, porque tanto o Não-ser de Parménides e de Platão, como o Não-ser da física quântica, movem-se na imanência. A função ondulatória quântica é imanente e não-transcendente. A tudo aquilo que está para além da imanência própria da função ondulatória quântica, o físico francês Roland Omnès chama de “abyss” — ou seja, a física quântica admite que existe o “Além-espaço-tempo” entendido não só na imanência (que já se constatou que existe e já se compreende alguma coisa da sua essência), como constata o Além-espaço-tempo como sendo o “abismo” imperscrutável da singularidade quântica, que aponta para um infinito transcendente.

O infinito deixou de pertencer ao universo para se compreender que ele está para além do universo. E esse infinito que transcende o Ser material e quântico, é o Não-ser absoluto.

6 comentários »

  1. Se o Ser é a única coisa que pode ser pensada e dita, ele existe em contraposição ao Não-ser. A “singularidade quântica”, a “ondulação quântica”, o “Além-espaço-tempo”, o “infinito transcendente” podem ser pensados e ditos (com ou sem “matéria”) e não haverá pois razão para se identificarem com o Nada. É claro que são já “alguma coisa”, ou não?

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    Comentar por Sérgio Sodré — Terça-feira, 6 Julho 2010 @ 11:32 am | Responder

  2. Nós estamos condenados ao Ser; mesmo quando não É, o Ser prevalece. Daí a pergunta de Leibniz: “Por que há algo, em vez de nada?” O Nada é apenas o Ser que nós não compreendemos, porque é impossível ao conteúdo compreender o continente.

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    Comentar por O. Braga — Terça-feira, 6 Julho 2010 @ 9:07 pm | Responder

  3. Há uma gralha nesta troca de impressões e já não sei se é minha ou não. Eu levantei a hipótese do Panteísmo Emanentista e não Imanentista. Deus não seria imanente ao Universo, mas antes o Universo emanaria de Deus no sentido em que este o teria gerado a partir de si e não a parti do nada. Não estou a dizer que tenho fé ou que acredito verdadeiramente nesta hipótese, apenas julgo ser a mais racional (inclusive em face do ateísmo e do agnosticismo) e não estou interessado em enveredar por vias não racionais.
    Seja como for, deixo a pergunta sobre como será mais racional pensar em Deus e na sua relação com o Universo?

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    Comentar por Sérgio Sodré — Quarta-feira, 7 Julho 2010 @ 12:38 pm | Responder

  4. @ Sérgio Sodré:

    Uma coisa é “emanação”, que é um conceito do neoplatonismo (Plotino, Proclo, etc), e outra coisa é “imanência”, que é um conceito ligado ao panteísmo (por exemplo, Espinoza) e aos monismos religiosos, sejam estes espiritualistas (Hinduísmo, Confucionismo, etc) ou materialistas (marxismo, nazismo, naturalismo).

    No Budismo, a imanência prevalece na maioria das correntes religiosas búdicas, por exemplo no Zen chinês (ou Tchan) e no Budismo japonês, mas existe uma corrente búdica, o tantrismo, da qual evoluiu o lamaísmo tibetano do Dalai Lama, que embora sendo um monismo religioso (a individualidade do sujeito acaba por diluir-se no Todo e desaparecer como individualidade: o Nirvana), admite a transcendência (o Nirvana é transcendente à matéria e à imanência do Sam-sara ou Samsara) , e por isso, não é uma religião com uma filosofia imanente no sentido estrito do termo.

    A emanação neoplatónica descreve a forma como o Uno (Deus) terá dado existência por emanação, em primeiro lugar, ao Nous (Logos), e deste emanou a Alma (o espírito) e finalmente, surgiu, por emanação, a matéria. Eu escrevi dois postais sobre o assunto, com o título genérico: “Plotino e quântica”.

    Aliás, no postal que deu origem a esta série de comentários — “O problema da Teodiceia” —, descrevi a diferença entre os dois conceitos.

    O problema da emanação é que não é totalmente compatível com o Deus pessoal do Cristianismo. Para o Cristianismo, Deus é pessoal na medida em que é acessível a todos os seres humanos, cada um acedendo a Ele segundo a sua própria subjectividade pessoal. Entra aqui o conceito cristão de “Graça”, que é a qualidade de Deus em atender e ajudar o indivíduo, de forma gratuita e sem lhe pedir nada em troca senão a fé. Nos dois outros monoteísmos universais, o Islamismo e o Judaísmo, Alá e Javé são quase-pessoais, enquanto que no Cristianismo, Deus é pessoal. O Cristianismo levou o processo de individuação religiosa ao seu máximo possível, o que permitiu a viragem subjectiva do Renascimento europeu e o desenvolvimento da ciência. A partir do século XIX, o Judaísmo europeu sofreu uma reforma, e nesta corrente reformista, Javé passou a ser pessoal 8como o Deus cristão).

    Dizia que o problema da emanação é que não é totalmente compatível com o Deus pessoal do Cristianismo, porque a emanação neoplatónica implica um Deus que não age directamente sobre o mundo — o processo de emanação é indirecto e decorrente da Sua própria existência, e não “por vontade de Deus”. No Cristianismo, o carácter pessoal de Deus permite-lhe, através da Graça Divina, agir directamente no mundo , seja através de interposta entidade (o Logos ou o Verbo, que no Cristianismo é Jesus Cristo), ou mesmo directamente caso seja de Sua vontade.

    Na minha opinião, a forma de conceber Deus é a de uma entidade (Ser) que está na origem da existência do Ser material (matéria atómica) e do Ser imanente (não-matéria quântica) , mas que não pertence — no sentido de ser da mesma qualidade — nem ao primeiro nem ao segundo. Contudo, e não obstante não ser da mesma qualidade da realidade material e da realidade imanente, e na medida em que está na base da existência destas duas realidades, Deus tem a qualidade da omnipresença (temos um vislumbre ou uma pequena amostra daquilo que é a omnipresença através da qualidade das ondas quânticas em se deslocarem no universo quase simultaneamente e sem dependerem do espaço-tempo; ver no Google: “não-localidade quântica”, ou “quantum non-locality”).

    Além disso, Deus é omnipotente porque tem o poder de dissolução de todo o universo, na medida em que Ele é a Consciência que, através da sua omnipresença, permite que o universo exista — podemos ter um vislumbre ou uma pequena amostra do que é a transformação de uma onda quântica (que não é matéria porque não tem massa) em uma partícula elementar longeva (que é matéria porque tem massa) por acção de uma consciência, através do seguinte vídeo:

    Em resultado da sua omnipresença e omnipotência, Deus é omnisciente, não no sentido de interferir de uma forma determinística com a liberdade das consciências do universo, mas no sentido em que O Criador conhece as criaturas. Este é o Deus pessoal cristão, que é transcendente ao ser material e ao ser imanente.

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    Comentar por O. Braga — Quinta-feira, 8 Julho 2010 @ 5:39 am | Responder

  5. O Problema do Não-ser e mais embaixo:

    O problema do Não-Ser

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    Comentar por Dante — Sexta-feira, 10 Junho 2011 @ 10:27 am | Responder

    • Eu não concordo com algumas asserções de OC, embora concorde com a ideia geral.

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      Comentar por O. Braga — Sexta-feira, 10 Junho 2011 @ 1:05 pm | Responder


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