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Segunda-feira, 16 Novembro 2020

A aleatoriedade, entendida estritamente enquanto tal, é uma forma de determinismo

Filed under: filosofia,Quântica — O. Braga @ 7:16 pm

Niels Bohr afirmou que “quem não desespera com a teoria quântica, não a entendeu” [“Atomic Physics and Human Knowledge”, 1958, pág. 56]. Ou seja: qualquer abordagem à teoria quântica, do ponto de vista filosófico, é muito difícil (e do ponto de vista lógico-matemático, também).

Lendo este texto publicado pela professora Helena Serrão, estava eu a concordar com ele quando passei a discordar (passo o truísmo) a partir do ponto em que o respectivo autor nos diz que “o que a indeterminação (quântica) nos dá, é aleatoriedade”. O autor diz-nos que, na realidade quântica, as coisas acontecem de forma aleatória, ou seja, sem que exista uma ordem racional intrínseca e/ou definível pelo observador humano.

Porém, em boa verdade, a casualidade e a-casualidade (aleatoriedade), no domínio atómico, não são a expressão dos nossos conhecimentos humanos limitados, mas antes são constitutivas desse domínio da realidade. Por isso, falamos em “probabilidade objectiva”, em contraposição a uma probabilidade meramente subjectiva (aleatoriedade) baseada apenas no nosso desconhecimento das razões causais dos fenómenos.

Ou seja: não se trata de “indeterminação quântica => aleatoriedade”: trata-se, em vez disso, da expressão, por assim dizer, de uma vontade objectiva que é, na sua acção, independente da vontade do ser humano, e que tem as suas próprias razões que são independentes do nosso conhecimento ou desconhecimento circunstancial destas.

A tendência para uma ocorrência / acontecimento, no espaço-tempo, decorre de uma probabilidade (ou possibilidade) objectiva que é independente da vontade do observador humano — embora não possamos separar a matéria, por um lado, da pessoa ou do modo como a pessoa observa, por outro lado, na medida em que a observação é uma forma de medição, e a medição perturba e/ou revela o resultado da acção objectiva das “possibilidades quânticas” [Wheeler].

Por esta razão é que, por exemplo, as câmaras nocturnas de vigilância em vídeo, providas com feixes de infra-vermelhos, conseguem detectar e gravar a chamada “actividade paranormal” (observar é medir, e medir é perturbar o comportamento das partículas elementares = princípio de Heisenberg).

Quinta-feira, 27 Fevereiro 2020

Os factos são intersubjectivos, e não propriamente “objectivos”

Filed under: Ciência,filosofia,metafísica,Quântica — O. Braga @ 8:48 pm

A professora Helena Serrão transcreve aqui um texto que é uma logomaquia, ou, melhor dizendo talvez, um texto que pretende negar tudo, afirmando contudo o que se pretende.

No referido texto (da autoria de um tal David Wootton, ver em PDF), tergiversa-se sobre o conceito de “facto”.


A palavra “facto” vem do latim factum, que significa “aquilo que está feito” — o que contradiz (pelo menos, em parte) a noção expressa no referido texto segundo a qual não existia, no advento da modernidade e no latim, uma palavra que significasse “facto”. O que não existia, na Idade Média, era o conceito  enviesado de “facto” que existe hoje — senão vejamos o que pensa o Fernando Pessoa acerca do conceito de “facto”:

«Narrar é enganar-se, porque narrar repousa sobre factos; e não há factos, mas apenas impressões. Certos argumentos são bem feitos; é isso que é verdade.

Não há factos, só interpretações de factos. Quem narra factos, só pode ter a certeza de que corre o risco de errar nos casos, no que narrou, e na maneira de o narrar. Quem só interpreta, dispensa um dos riscos. Certos argumentos são bem feitos, porque os factos são apenas os argumentos.»

→ Fernando Pessoa (“O Sentido do Sidonismo”)

Quando Fernando Pessoa diz que “não há factos, só interpretações de factos”, entra em um circulo vicioso “contraditório” (o que é próprio do poeta: a poesia é filosofia desprovida de lógica) — porque se não há factos, não podem existir “interpretações de factos” (interpretações daquilo que não existe).


A definição comum de “facto” é a seguinte: “um facto é um dado da experiência, com o qual o pensamento pode contar”.


1/ A ideia de “facto” como “um dado da experiência” corrobora a ideia de Fernando Pessoa segundo a qual “o facto é uma impressão”.

olhos-de-sapo-webSenão, vejamos qual é a experiência, por exemplo, de um sapo face à realidade dele: este batráquio só come uma mosca (que esteja ao seu alcance físico) se esta estiver em movimento: se a mosca estiver imóvel, o sapo não a vê, e por isso não a pode comer. O mundo do sapo está limitado àquilo que mexe; e tudo que está imóvel faz parte de uma realidade que é indistinta para ele.

O ser humano moderno, adepto incondicional da ciência, afirma que o ser humano é diferente do sapo — no sentido em que as percepções humanas (ao contrário do que acontece com o sapo) são absolutas, na medida em que (alegadamente) as percepções humanas (os tais dados da experiência) abrangem a realidade inteira: para o ser humano moderno, não existe uma realidade indistinta (à semelhança do sapo), que seja inacessível ao ser humano, alegadamente porque “a ciência baseia-se em factos”.

Para o ser humano moderno, os factos que ele constata e/ou verifica (factos entendidos como alegados “dados da experiência”) formam a única realidade concebível — tal como os objectos em movimento fazem parte da única realidade concebível pelo sapo.

 Em bom rigor, o ser humano moderno em pouco se diferencia do sapo.

Na tradição de Kant, Karl Popper denunciou o culto empiricista da ciência. Não cabe agora aqui falar da oposição de Kant ao empirismo de Hume.

2/ Os professores de filosofia (como é o caso da Helena Serrão) ignoram completamente a filosofia quântica —, talvez por conveniência ideológica. Ignoram porque não sabem, ou ignoram porque não querem que se saiba.

Se tivermos em consideração a mecânica quântica, o “facto” — o da Helena Serrão e o do tal David Wootton — torna-se translúcido.

Ora, a mecânica quântica faz parte da ciência: ou seja, é a própria a ciência que coloca hoje em causa a suprema importância do “facto” como “dado da experiência”; e nunca vi um professor de filosofia mencionar este facto.

Os “factos” (como “dados da experiência”) são importantes para a nossa orientação e para o nosso comportamento saudável em um universo que resulta da entropia da gravidade (o universo que experimentamos é o produto de duas grandes forças: a força quântica e força da gravidade).

A ciência é um instrumento da nossa vontade de sobreviver neste universo, mas não substitui a filosofia ou/e a teologia.

A ideia — implícita no texto da Helena Serrão — segundo a qual a ciência pode substituir a religião por um saber inequívoco, está ultrapassada. Só os professores de filosofia ainda não se deram conta disso.

Terça-feira, 14 Agosto 2018

O Logos olha constantemente para o Pai, para que o mundo possa continuar a existir

Filed under: milagre,Quântica,religião — O. Braga @ 7:12 pm

 

1/ O Domingos Faria cita alguns teóricos a propósito do conceito cristão de “milagre”. Com todo o respeito, pelo menos um dos teóricos citados está errado.

“Ou, como defende Timothy McGrew (2016), se as leis da natureza são simples afirmações de regularidades naturais, então uma suposta “violação” seria mais naturalmente uma indicação de que aquilo que pensávamos que fosse uma lei, afinal não é realmente uma lei”.

¿Como definir “milagre”?

Uma “regularidade natural” não é “inviolável”; aliás, em princípio, não há nenhuma lei da natureza (do ponto de vista da ciência) que não admita a priori uma possível excepção, e essa possível excepção não a invalida só porque existe como tal (falsificabilidade) — desde logo porque as leis da natureza são verificadas no passado (estatística, observação, verificação e confirmação) e não há nenhuma garantia absoluta (certeza) de que manterão as mesmas características no futuro.

Não é porque uma determinada lei da natureza seja eventualmente “violada” que deixa de ser válida. Normalmente, os cientistas falam em “anomalia”; mas as “anomalias”, só por si, não invalidam as leis da natureza. Aliás, as “anomalias” (verificadas empiricamente) até corroboram as leis da natureza.

2/ Há que fazer a distinção clara entre o microcosmo (realidade quântica) e o macrocosmo (este último é o objecto da ciência experimental propriamente dita).

A força entrópica da gravidade, actuando na realidade quântica primordial, “está na origem” do macrocosmo (por assim dizer). Mas o macrocosmo tem leis objectivas que admitem (a priori) excepções. Por exemplo, a lei da gravidade é suposta actuar da mesma forma em qualquer ponto do universo; mas recentemente descobriu-se que as ondas sonoras têm uma massa negativa, ou seja, as ondas sonoras são uma forma de anti-gravidade: por outras palavras, “o som flutua para cima e não cai para baixo” — mas nem por isso a lei da gravidade deixa de ser válida.

3/ A ideia de que “o microcosmo é o veículo do milagre” não é nova: John Eccles já defendia essa tese há mais de 40 anos, quando aplicou o primeiro princípio da termodinâmica (Carnot-Clausius) a todo o universo (“o universo não é um sistema fechado”). E eu, há cerca de 10 anos, escrevi neste blogue um artigo acerca desse assunto.

O microcosmo (com a sua "função de onda quântica") é a “fronteira” entre a imanência e a transcendência.

Como defendeu Newton, e com toda a pertinência, o Criador actua constantemente no universo; ou como escreveu Orígenes, “o Logos olha constantemente para o Pai, para que o mundo possa continuar a existir”.

Essa acção do Logos ou do Criador sobre o macrocosmo é realizada através do microcosmo, sem perturbar o determinismo “relativo” das leis da natureza — é um determinismo “relativo” porque (obviamente) não é um determinismo absoluto: por exemplo, não devemos afirmar que “é impossível que a Terra deixe o movimento em torno do Sol e se passe a movimentar em torno de uma outra estrela qualquer”: o que podemos dizer é que a probabilidade de isso acontecer ser muito próxima de zero (quase nula).

4/ não é possível definir “milagre”, da mesma forma que não é possível definir “realidade”. O podemos ter é um conceito de “milagre”.


A nossa simples existência como um Eu consciente é um milagre. Dado que as propostas de solução materialistas não permitem explicar a nossa singularidade, da qual fazemos experiência, sinto-me obrigado a deduzir a singularidade do Eu, ou da alma, de uma criação espiritual sobrenatural. Para exprimi-lo em termos teológicos: cada alma é uma criação divina.”

John Eccles [1989, Evolution Of The Brain : Creation Of The Self.]

Sábado, 10 Fevereiro 2018

A mecânica quântica defende a incognoscibilidade da "coisa-em-si-mesma" de Kant

Filed under: Kant,metafísica,Olavo de Carvalho,Quântica — O. Braga @ 7:18 pm

 

1/ Segundo Kant, a "coisa-em-si", — ou seja, “a realidade tal como é”, é incognoscível, por oposição ao “fenómeno” — se não pode ser concebida, pode ser no entanto ser pensada.

Olavo de Carvalho (tal qual Hegel) diz que a "coisa-em-si" (ou o númeno) e o fenómeno não se opõem : “mostrar-se como ‘fenómeno’ é uma característica das coisas em si mesmas” e “não uma limitação do nosso aparato cognitivo, como ele pretendia” (sic).

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2/ convém dizer que o conceito de "coisa-em-si" de Kant pode ter várias interpretações, e ele próprio utiliza o conceito de "coisa-em-si" ou “númeno” em situações diferentes e mesmo aparentemente contraditórias. Os idealistas (Hegel, por aí fora, até Heidegger) negaram o conceito de númeno ("coisa-em-si") pelas mesmas razões invocadas por Olavo de Carvalho: segundo os idealistas, a presença da "coisa-em-si" em um pensamento que não a pode conhecer, é um paradoxo, o que levou a Hegel a negar a especificidade da "coisa-em-si".

3/ temos que saber se o conceito de "coisa-em-si-mesma" tem alguma pertinência segundo os conhecimentos científicos actuais.

O que Kant quis dizer com "coisa-em-si" — ou "coisa-em-si-mesma" — é o seguinte: o ser humano não será nunca capaz de conhecer a verdadeira natureza da matéria.

Por isso é que a "coisa-em-si-mesma" (ou seja, a verdadeira natureza da matéria) é (segundo Kant) incognoscível, por oposição (segundo Kant) ao “fenómeno” que é aquilo que aparece à nossa percepção proveniente das manifestações “individuais” da matéria.

Este problema da "coisa-em-si-mesma" de Kant (assim como o problema de “mónada”, de Leibniz) é hoje reflectido de forma similar pela física quântica: por exemplo, não se pode atribuir directamente qualquer propriedade (característica) a um vector de estado (estado físico) representado por um feixe de fotões em um Espaço de Hilbert.

Baseando-nos nos conhecimentos da ciência física, Kant tinha razão: a "coisa-em-si-mesma" continua a ser incognoscível (obviamente devido à “limitação do aparato cognitivo” humano); e provavelmente não existe nenhuma substância a que possamos chamar de “espaço-tempo”.

Convém dizer o seguinte: para Kant, a Física (o estudo da matéria) tem que ser puramente fenomenológica (tal como é ainda hoje a Física Clássica).

4/ DxDp≥ћ=h/2π

Esta é a conhecida fórmula de Heisenberg (ou princípio da incerteza de Heisenberg), escrita em 1925, em que Dx é a incerteza da posição de um electrão em determinado momento, e em que Dp é a incerteza do próprio momento. A constante h é a “constante de Max Planck”, e ћ é a “constante reduzida” de Planck. Naturalmente que π=3,141618….

Esta fórmula escandalizou a comunidade científica da altura, porque simplesmente defendia a ideia de que a “causalidade não era possível de uma forma consistente”, isto é, a causalidade rigorosa não existe. Como resultado prático da fórmula de Heisenberg, é teoricamente impossível fazer a observação de um electrão (ou outra partícula elementar) e simultaneamente definir a sua posição; ou se faz a sua observação (tempo), ou se define a sua posição (espaço) ― isto é, numa observação de um electrão, ou se define o tempo, ou o espaço que ele ocupa, e não as duas coisas simultaneamente (princípio da incerteza de Heisenberg).

5/ nós não observamos as trajectórias das partículas elementares (também chamadas de “acontecimentos”); podemos definir a posição de uma partícula no espaço, ou a sua velocidade no tempo, mas não podemos observar / verificar a trajectória dessa partícula (ou das partículas elementares em geral).

Isto significa que nós identificamos os corpos físicos como “aparências” interpretadas pelo “software” do nosso cérebro, e não como um conjunto de vectores de estado de partículas elementares.

O vector de estadoou “amplitude de probabilidade de função de onda”, ou "função de onda quântica" — é a "coisa-em-si-mesma" de Kant.

O nosso conhecimento físico fenomenológico (em relação à matéria) não é objectivo senão no sentido em que é intersubjectivo: é (apenas e só) porque é intersubjectivo, que o nosso conhecimento fenomenológico é objectivo. É no sentido em que o nosso conhecimento subjectivo das aparências é válido do ponto de vista intersubjectivo que podemos afirmar a objectividade desse conhecimento.

Isto não significa que as coisas não existam senão dentro dos parâmetros da nossa interpretação subjectivista. Kant não é idealista nem solipsista.

Dando o exemplo de uma rã. Ela não vê nada senão aquilo que se mexe. O seu olho é constituído de tal modo que tudo o que é imóvel lhe está inacessível. A rã vê a borboleta que voa, mas não vê a flor onde esta pousa. De modo semelhante, os seres humanos reconhecem aquilo que constitui para nós objecto do nosso pensamento ou da nossa percepção — até a nós próprios só nos conhecemos na medida em que nos podemos “objectivar de forma intersubjectiva”.

6/ A velocidade máxima no universo deixou de ser aquela que Einstein especificou na sua teoria. O conceito de “não-localidade” rebentou com a Relatividade de Einstein.

O espaço e o tempo são formas ou produtos da nossa intuição (humana) — ou aquilo a que Kant também chamou de “númeno em sentido positivo”, na medida em que se tratam de “conceitos” de “intuição não-sensível” (intelectual, espiritual) → em contraposição ao “númeno em sentido negativo”, que é algo que não é objecto da nossa “intuição sensível” e que depende da abstracção para a possibilidade de intuição.

Quinta-feira, 28 Setembro 2017

A medição transforma a onda quântica em partícula elementar

Filed under: espírito,Paranormal,Quântica — O. Braga @ 11:07 am

 

A medição através de um dispositivo — neste caso, uma câmara de vídeo como dispositivo de medição — pode transformar a onda quântica em partícula elementar que, por sua vez, pode agir facilmente sobre a matéria.

 

 

A medição através de um dispositivo electrónico não é exactamente a mesma coisa que a normal observação a olho nu — porque o dispositivo de medição produz radiação electrónica que interfere com o sistema quântico em presença. É essa interferência ou medição do dispositivo electrónico que torna possível que uma força espiritual (sem massa) possa facilmente actuar na realidade física.

Este tipo de fenómenos ocorre com mais frequência e facilidade em ambientes com pouca luz (escassez de fotões) e com câmaras de vídeo de medição em infravermelhos; mas também podem ocorrer em ambientes específicos que tenham sido sujeitos, no passado, a fortes traumas emocionais — como por exemplo, casas, quartos de hotéis, templos, cemitérios, etc..

Em casos extremos, a manifestação espiritual é tão traumática e elementar (emocionalmente básica) que pode ocorrer em qualquer situação que não podemos controlar, e pode colocar em sério risco a integridade física de pessoas.

Segunda-feira, 29 Fevereiro 2016

O Homem foi criado à imagem de Deus

Filed under: Quântica — O. Braga @ 12:10 pm
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"O acaso é a vontade de Deus".Pedro Arroja


A “vontade de Deus” pode ser directa ou indirecta. Quando é directa, estamos em presença do milagre. E quando é indirecta, a vontade de Deus é a causa de tudo quanto existe (e não só do “acaso”), o que engloba o determinismo das leis da natureza, mas também o livre-arbítrio (a liberdade) da consciência. Nem sempre “o acaso é a vontade (directa) de Deus”.

Ou seja: “vontade de Deus”, em termos gerais, é tudo o que existe; mas nem tudo é vontade directa de Deus. Deus dá um espaço para a causalidade das leis da natureza macroscópica e para a liberdade da consciência.

Aristóteles define o “acaso” como “uma causa acidental de efeitos acessórios revestindo a aparência de finalidade”; isto é, uma caricatura do determinismo, análogo ao fatalismo popular (“aconteceu porque tinha que acontecer”).

No século XIX, Cournot (salvo seja) formalizou a teoria das séries paralelas (independentes na ordem da causalidade) cujo encontro produz o “acaso”, ou o “azar”: um homem passa por uma ponte e esta desmorona-se: há o encontro entre uma causalidade (a intenção do homem) e outra causalidade (a degradação material da ponte).

Porém, a realidade é mais complexa. Do ponto vista da física, a realidade é muito resistente à análise.

Einstein passou a vida adulta a insurgir-se contra a ideia segundo a qual pudesse existir na Natureza algo que acontecesse sem causa (por acaso). “Deus não lança os dados”, dizia ele. A ideia de uma probabilidade de processo puramente estatística era-lhe completamente estranha. Segundo Einstein, deveria haver uma causa para o comportamento de cada átomo. Einstein estava errado. A verdade é que, por exemplo, é possível prever que uma metade de uma grama de urânio se decompõe em 4,5 milhões de anos, mas não é possível dizer quando é que um átomo concreto de urânio se decompõe: pode decompor-se imediatamente ou apenas daqui a muitos milhões de anos.

A opinião quase unânime (com excepção, por exemplo, de David Bohm) dos físicos modernos e contemporâneos é a de que “Deus lança mesmo os dados”. Fazem a distinção entre causalidade, casualidade e a-causalidade. A casualidade e a a-causalidade não são expressão dos nossos conhecimentos limitados, mas antes são constitutivas do domínio da realidade. Ou seja, existe uma probabilidade objectiva, em contraponto a uma probabilidade subjectiva que se baseie apenas em uma falta de conhecimento das razões causais. Heisenberg escreveu: “A física quântica forneceu a refutação definitiva do princípio de causalidade”.

Mas não podemos atribuir o “acaso” exclusivamente à vontade directa de Deus, porque isso seria desvalorizar a consciência (criada). Não podemos separar a matéria, por um lado, da pessoa (da consciência) ou do modo (livre) como a pessoa observa, por outro lado. Temos aqui, portanto, a matéria enquanto sujeita às leis da natureza macroscópica (sujeita à entropia da gravidade), por um lado, e por outro lado a consciência que observa livre e subjectivamente a matéria, influenciando também as “relações de possibilidades de acontecimentos” sem uma causa definível pela física clássica. É neste sentido que podemos dizer que “o Homem foi criado à imagem de Deus”.

Sábado, 14 Novembro 2015

Os dados da experiência vão além da “utilidade prática”

Filed under: filosofia,Quântica — O. Braga @ 6:36 pm
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O Domingos Faria conclui aqui que é possível que se obtenha conhecimento a partir de falsidades; e deu como exemplo as horas de um relógio, que é um instrumento de medição (neste caso, medição do tempo).

1/ É claro que podemos obter conhecimento a partir de “falsidades”, mas apenas se entendermos “falsidade” como sinónimo de “verdade parcial”. Uma verdade parcial não é a verdade absoluta mas também não é erro absoluto. Por exemplo, a dinâmica de Newton era em grande parte falsa, o que não significa que fosse totalmente falsa. Ou seja, a ciência adquiriu conhecimento a partir da teoria (parcialmente) falsa de Newton.

2/ Uma teoria que consideremos falsa pode ser verdadeira; e uma outra que consideremos verdadeira pode ser falsa.

3/ Mas, do conhecimento a partir de uma falsidade a que se refere o Domingos Faria no caso do relógio, resulta uma “verdade” que só é aplicável no sentido prático, ou seja, no sentido de uma utilidade prática (aplicável à nossa realidade macroscópica). Todos os instrumentos de medição — incluindo o relógio do Domingos Faria — são falíveis (dão-nos sempre apenas uma aproximação à verdade) fora da utilidade prática que caracteriza a chamada “física clássica”.

4/ Nada, na realidade do infinitamente pequeno, obedece às leis ordinárias da física clássica — incluindo as leis que medem o tempo e o relógio do Domingos Faria. A medição define literalmente o sistema medido.

Não podemos afirmar que uma partícula elementar já tinha uma determinada característica, antes e/ou independentemente da observação ou medição da dita através de um instrumento. Se utilizarmos um instrumento para medir um sistema microscópico, por exemplo, uma medição da sua energia, produz-se uma redução brutal do seu vector de estado: apenas um dos termos da soma do “vector de estado” subsiste: aquele que corresponde ao valor da energia que foi efectivamente medida.

5/ E se o relógio do Domingos Faria fosse colocado na estratosfera, “andaria” mais depressa, e provavelmente induziria em erro o seu proprietário: poderia ele julgar que já estaria atrasado para a conferência das 17 horas quando, na “verdade horária” da crusta terrestre, ainda eram 16:59 horas. Os próprios relógios andam mais depressa ou mais lentamente dependendo do local terrestre em que se encontrem.

6/ A física mais actual demonstrou que o ser humano está confrontado com uma eterna (“eterno” no sentido do “tempo”, que é finito) “aproximação à verdade”, porque os seus instrumentos de medição da realidade são falíveis e têm apenas uma utilidade prática.

Domingo, 8 Novembro 2015

Anselmo Borges está errado acerca do dualismo aplicado ao ser humano (1)

Filed under: Igreja Católica,Quântica — O. Braga @ 10:59 am
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Hoje já não é possível falar de conceitos filosóficos de forma totalmente abstracta, ou seja, sem meter alguma da mais actualizada filosofia da ciência no “barulho” da discussão. O Anselmo Borges escreve aqui:

Podemos afirmar que Anselmo Borges é “um ateu que ainda não saiu do armário”.

« Já não é sustentável uma concepção dualista do ser humano, à maneira de Platão ou Descartes: composto de alma e corpo, matéria e espírito. O homem é uma realidade unitária, para lá do dualismo e do materialismo.

O jesuíta J. Mahoney, que já foi membro da Comissão Teológica Internacional, escreveu de modo feliz: “Não se deve considerar a alma humana, constitutiva da pessoa, como se fosse um espírito puro infundido a partir de fora num receptáculo biológico no instante da concepção, mas referir-se a ela mais apropriadamente entendendo-a como um brotar ou emergir a partir do interior do próprio material biológico dado pelos progenitores, genuínos originantes pela sua parte, sem necessidade de ter de recorrer a uma intervenção divina quase milagrosa, para a produção de uma nova realidade.

Portanto, a afinidade que existe entre matéria e espírito permite-nos, e inclusivamente exige-nos, considerar o emergir da nova pessoa humana como um processo que leva tempo e requer um certo período de existência pré-pessoal como o umbral através do qual se dá a passagem a uma existência animada no sentido pleno da palavra.” »


O Anselmo Borges traduz a mundividência imanente generalizada dos “progressistas” (positivistas e utilitaristas) que actuam dentro da Igreja Católica e que toleram o aborto.

Vamos definir “dualismo”: em metafísica, é a teoria segundo a qual a realidade é formada de duas substâncias independentes uma da outra e de natureza absolutamente diferente: por exemplo, o espírito e a matéria, ou, como em Descartes, a alma e o corpo.

(more…)

Sexta-feira, 30 Outubro 2015

Complementando Feynman

Filed under: filosofia,Quântica — O. Braga @ 7:14 am
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«O que não está rodeado de incerteza não pode ser verdade.»Feynman.

Mas isso não significa que a verdade se identifique (seja idêntica à) com a incerteza: significa apenas que há uma verdade na incerteza que o ser humano não controlará jamais.

Domingo, 4 Outubro 2015

A ciência demonstrou e verificou a necessidade da identidade

Filed under: filosofia,Quântica — O. Braga @ 12:41 pm
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“Uma afirmação de identidade é qualquer afirmação segundo a qual um objecto A é numericamente idêntico a um objecto B. Por exemplo, a afirmação de que Bernardo Soares é idêntico a Fernando Pessoa é uma afirmação de identidade deste género, tal como sucede com Túlio e Cícero, Véspero e Fósforo, Miguel Torga e Adolfo Correia da Rocha, ou água e H2O, etc.”

Domingos Faria

Bernardo Soares não é idêntico a Fernando Pessoa, como é evidente; embora H2O seja idêntico à água, assim como o vitríolo é idêntico ao ácido sulfúrico concentrado. Para serem idênticas, duas coisas devem ser indiscerníveis. Não devemos confundir identidade, por um lado, e semelhança, por outro lado; nem devemos confundir identidade e igualdade: o facto de um conjunto de pessoas ser tratado da mesma maneira não significa que essas pessoas sejam idênticas.

A identidade é o carácter do que é completamente semelhante a qualquer coisa, ou do que permanece o mesmo através do tempo.

Na física quântica, uma partícula elementar é idêntica a outra partícula elementar. Por exemplo, um electrão é (rigorosamente) idêntico a outro electrão. De certa forma, Leibniz tinha razão quando se referiu à “identidade dos indiscerníveis”. A identidade tem maior dificuldade em se manifestar, aos nossos olhos, na realidade macroscópica em que existe o ser humano, mas isso não significa que o conceito de identidade seja uma abstracção.

Não é necessário recorrer à lógica de Kripke para justificar a tese da necessidade da identidade: basta falar com o Carlos Fiolhais . Ele explicaria, melhor do que eu (obviamente), que a identidade entre partículas elementares é um facto necessário. E sem partículas elementares não há força entrópica da gravidade, nem o universo conforme se nos apresenta aos sentidos.

Domingo, 5 Julho 2015

A primeira lei da termodinâmica e o dualismo metafísico

Filed under: filosofia,Quântica — O. Braga @ 7:22 am
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Em metafísica, “dualismo metafísico” é a teoria segundo a qual a realidade é formada de (pelo menos) duas substâncias independentes uma da outra e de natureza absolutamente diferente: o espírito e a matéria, ou, como em Descartes, a alma e o corpo.

Não confundir com “dualismo ontológico” de diferentes sistemas religiosos que admitem, para o universo, não apenas um, mas dois princípios de explicação ou de origem (por exemplo, o maniqueísmo , ou a gnose).

“Dualismo” é, neste verbete, entendido como “dualismo metafísico”.


A grande dificuldade da afirmação do dualismo é a primeira lei da termodinâmica:

Primeiro princípio ou axioma da termodinâmica: princípio da equivalência (ou conservação de energia): a energia não pode ser nem criada nem destruída, mas apenas transformada. Num sistema fechado, a sua energia total permanece constante e representa o “equivalente mecânico” do calor.

A primeira lei da termodinâmica é equivalente, por assim dizer, à lei de Lavoisier: na Natureza, nada se cria, nada se perde, e tudo se transforma.

Portanto, o actual raciocínio científico “politicamente correcto” (paradigma) é o seguinte:

  • se o universo é um sistema fechado e é constituído por matéria (seja o que for o que se entenda por “matéria”), então não pode haver lugar para o espírito, nem pode haver qualquer influência do espírito sobre a matéria (o cérebro). Se o espírito quiser actuar sobre a matéria do cérebro a partir do exterior, tem que desrespeitar a primeira lei da termodinâmica — ou seja, seria necessária uma energia material exterior ao sistema físico para influenciar a matéria.

Em última análise, para que a primeira lei da termodinâmica fosse respeitada (porque a energia no universo tem de permanecer constante, segundo a primeira lei da termodinâmica), o espírito também seria uma qualquer forma de matéria, e, neste caso, deixaria de fazer sentido o conceito de “dualismo”.

Portanto, a ciência clássica parte do princípio de que o universo é um sistema fechado, e só em um sistema fechado a primeira lei da termodinâmica faz sentido e pode ser aplicável.

E se a primeira lei da termodinâmica é válida, então segue-se que não pode existir espírito e/ou alma, e as ideias e os pensamentos não passam de epifenómenos da actividade química do cérebro1 . Paul Churchland, por exemplo, supõe que é possível substituir a frase: “O senhor Manuel pensa que…”, pela afirmação: “No cérebro do senhor Manuel disparam no momento T1 os neurónios N1 a N12 do núcleo X, desta e daquela maneira”.

Portanto, ser cientista, segundo o paradigma clássico, significa não só a negação do espírito ou/e alma, mas também significa literalmente ser ateu. Surge então a Teoria da Identidade. 2


 
A física quântica veio alterar este paradigma científico, colocando em causa a concepção do universo como sistema fechado.

human-spiritA “amplitude de probabilidade de função de onda” (ou “função de onda quântica”, ou ainda, na terminologia mais recente, “vector de estado“), por exemplo, de uma partícula atómica, não constitui um campo material (ou não tem massa ou tem uma massa mínima), mas actua sobre a matéria ao causar a probabilidade de um processo de partículas elementares.

Estamos a falar de um facto científico baseado na experimentação, e não apenas de uma teoria. Este facto científico abriu as possibilidades de estados finais diferentes resultantes de processos dinâmicos idênticos, e sem que tivessem sido alteradas as condições iniciais (como, por exemplo, o abastecimento de energia).

Ou seja, segundo a ciência mais recente, o universo como sistema fechado e a primeira lei da termodinâmica estão colocados em causa. A primeira lei da termodinâmica pode ainda ser utilizada em ciência da mesma forma que o conceito de “absoluto” foi utilizado por Newton para elaborar a sua Dinâmica (o conceito de “absoluto”, em Newton, era uma espécie de muleta).

Resulta disto que a alma ou/e espírito não são produto da evolução (“evolução” entendida no sentido naturalista e darwinista), e que o dualismo metafísico passa a fazer sentido mesmo à luz da ciência. Hoje já não faz sentido que um cientista seja necessariamente ateu, ou que defenda uma mundividência naturalista do ser humano.


Notas
1. por exemplo, segundo Susan Blackmore, Rodolfo Llinas, Paul e Patrícia Churchland.

2. Para a “teoria da identidade”, as ideias não possuem qualquer realidade própria, sendo apenas um produto da actividade neuronal. Aquilo que é primário [aquilo que está em primeiro lugar] são os processos químicos e físicos nos neurónios, que decidem o que eu penso, o que faço e o que sou.

Karl Popper demoliu a “teoria da identidade” quando demonstrou que esta teoria não pode ter qualquer sentido se obedecer aos seus próprios pressupostos: se as minhas ideias não podem existir sem suporte físico, ou seja, se as minhas ideias são produtos e portanto, efeitos, da química que se processa no meu cérebro, então nem sequer é possível discutir a “teoria da identidade”. Esta teoria (da Identidade) não pode ter qualquer pretensão de verdade, visto que, por exemplo, as provas dela decorrentes são igualmente química pura. Se alguém defende uma teoria contrária, também tem razão, dado que a sua química chegou a um resultado diferente. Karl Popper chama a esta armadilha lógica de “pesadelo do determinismo físico”.

Quarta-feira, 10 Dezembro 2014

¿A lógica é uma batata?

Filed under: filosofia,Quântica — O. Braga @ 9:34 am
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A lógica formal trata das formas dos raciocínios, independentemente do seu conteúdo ou dos objectos aos quais se referem. Por exemplo, a seguinte proposição ou silogismo:

1/ Todos os tubarões são pássaros;
2/ o meu peixe vermelho é um tubarão;
3/ então, segue-se o meu peixe vermelho é um pássaro.

Nenhuma das duas premissas é verdadeira “materialmente”, ou seja, nenhuma delas corresponde à realidade. Mas o encadeamento que as une umas às outras é válido na sua forma: a conclusão do silogismo é a consequência formal necessária das duas premissas. Por isso é que se diz que “a lógica é uma batata”.

É assim que o Domingos Faria coloca o problema da possibilidade lógica dos zômbis contra o materialismo. Se a premissa 1 é, de facto, verdadeira, a premissa 2 é verdadeira se considerarmos que existe consciência humana em todo o universo com milhões de galáxias. E aqui colocam-se quatro hipóteses:

a/ não é possível que exista outra consciência que não a humana em todo o universo;
b/ é possível que exista outra consciência que não a humana em todo o universo;
c/ é verosímil que exista outra consciência que não a humana em todo o universo;
d/ é provável que exista outra consciência que não a humana em todo o universo.

Eu diria que é, pelo menos, verosímil que exista outra consciência que não a humana em todo o universo. Mas podemos acreditar naquilo que quisermos.

Naturalmente que podemos dizer que “não há provas de que exista consciência no universo que não seja a humana”, mas também podemos dizer que “não há provas de que existam zômbis”. Podemos afirmar com certeza que uma coisa existe, mas já não podemos ter a certeza de que uma coisa não existe. Porém, podemos ter uma certeza: os axiomas da lógica não são físicos.

Porém, se o David Chalmers se interessasse pela ciência, e para além da Lógica, poderia ter em consideração a Interpretação de Copenhaga da Teoria Quântica: a observação da função de onda quântica (“não-matéria”, porque não tem massa) causa o seu colapso e transforma-a em partícula elementar (matéria, porque tem massa).

O físico francês Bernard D’Espagnat chegou mesmo a escrever:

«A doutrina segundo a qual o mundo é formado por objectos cuja existência é independente da Consciência revela estar em desacordo com a mecânica quântica e com os factos estabelecidos através da experiência.»

Mesmo que a observação da função de onda quântica — que provoca o seu colapso — seja feita através de um dispositivo construído pelo Homem, esse dispositivo foi construído por um ser com consciência (o Homem). Por isso, não podemos separar o colapso da função de onda quântica, por um lado, da consciência que observa, por outro  lado. Poderíamos ir mais longe neste raciocínio, e colocar na equação a consciência de Deus.

A Física moderna e teoria quântica destruíram brutalmente o materialismo.

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