perspectivas

Sexta-feira, 25 Janeiro 2008

O “centrão” cada vez mais radical

“A primeira consequência do facto de não acreditarmos em Deus, é passarmos a acreditar em qualquer coisa.”G. K. Chesterton

Somos hoje bombardeados por tantas ideologias e derivados que é difícil ao cidadão comum manter-se actualizado. Contudo, ouvi Mário Soares dizer (na TV) que a alternativa ao neoliberalismo é o “socialismo democrático”. E o que é esse socialismo democrático? Se olharmos ao que se passa nos países onde existem partidos políticos “socialistas democráticos” no poder, ou partilhando o poder – a ver, Portugal, Inglaterra, Espanha, Holanda, países nórdicos em geral –, verificamos que o socialismo democrático de Mário Soares está intrinsecamente ligado ao neoliberalismo; de facto, não podem viver um sem o outro – são duas faces da mesma moeda, porque baseados ambos em filosofias antropocêntricas.

Naturalmente que a política também lida com o material; mas quando a ética política passa a ser regida pelo niilismo “racionalista” que concebe o ser humano como resultado de um acaso cósmico, desprovido de ultimidade existencial, a distância entre o socialismo democrático e o neoliberalismo esbate-se e concentra-se na forma, e não na essência que é idêntica.

Não vou repetir aqui a minha opinião em relação ao aborto livre e libertário, mas é escandaloso que o aborto seja livre quando as mulheres não têm apoio digno à gravidez e à maternidade. O Estado socialista – como o neoliberal – dá-lhes o aborto livre, mas não lhes dá creches para os filhos, e existem crianças que nascem em ambulâncias ou em Espanha porque o Estado socialista democrático fecha maternidades.

O Estado socialista democrático – como o neoliberal – promove activamente a utilização de “engenharias sociais” que se reflectem em legislação que tem em vista o desmembramento e dissolução da família tradicional – e isto sem deixarem impressões digitais que comprometam as elites políticas –, tentando criar um Ersatz familiar sem valores e sem combustível moral, conduzindo a nossa sociedade a um desespero silencioso em que se encontra já.

Não vou aqui falar na eutanásia eugénica e económica que condena à morte seres humanos mais frágeis – hoje na Holanda, amanhã em Portugal. Não vou aqui falar na perseguição anti-religiosa, por enquanto ainda camuflada e sub-reptícia, em que as elites sibaritas e utilitaristas do socialismo democrático estão claramente empenhadas. Não vale a pena falar, porque já temos no poder em Portugal quem pugna pela desumanização crescente da nossa sociedade.

O Estado socialista – como o neoliberal – actua no sentido de estender o âmbito público da sociedade à vida privada dos cidadãos; o primeiro, através da ingerência orwelliana e sistemática na privacidade das pessoas; o neoliberalismo, através da noção de “mercado em constante expansão”, que faz com que só larguemos a vida pública nas escassas horas que passamos a dormir.

“Não há homens cultos; há homens que se cultivam.”Marechal Foch

Eu penso que a alternativa ao socialismo democrático e ao neoliberalismo é a necessidade de consciência política dos cidadãos; cultura. Quanto mais cultura existe nos cidadãos, melhor é a democracia e o controlo sobre os diversos poderes. Por isso, é irrelevante o tipo de movimento político que nos governa, se não dispusermos de uma forte opinião pública – o que implica que a sociedade se cultive. E uma forte opinião pública deve dizer claramente a este tipo de poder que temos que não pode ser mais poder em Portugal.

Naturalmente que existe muita coisa na teoria do socialismo democrático que é positiva; por exemplo, a protecção dos mais fracos distingue o ser humano dos animais irracionais, e faz parte da ética cristã e universal. Mas a protecção dos mais fracos não pode significar a existência do “totalitarismo das minorias” que acontece quando se cede perante lobbies políticos fortes, esquecendo-se os fracos na nossa sociedade que não dispõem de lobbies políticos (como as crianças e os nascituros). Tal como o neoliberalismo global, o socialismo democrático torna-se cada vez mais irracional – tende a não ter a Razão em devida conta. Uma sociedade que não cuida convenientemente dos seus membros mais fracos é uma sociedade condenada.

O diploma é o inimigo mortal da cultura.” Paul Valéry

Termos um país com 100% de licenciados não nos traz necessariamente cultura. Cultura não é Técnica. Cultura não é uma especialização científica. A cultura teve por base o relacionamento que temos uns com os outros e com a natureza, e em função desse intercâmbio relacional, surgiram as artes e a filosofia. A cultura é o que somos numa sociedade de plena cidadania, e o ponto mais alto de uma cultura é a civilização. Se um império não necessita da liberdade, não é possível uma civilização sem uma grande dose de liberdade. Por isso, a cultura e a liberdade são inseparáveis, e não faz sentido que nos tirem a liberdade em nome da cultura, ou que nos tirem o direito à nossa cultura em nome da liberdade.

Quando oiço a palavra «cultura», puxo logo da pistola.” – Joseph Goebbels

Inquieta-me o Portugal socialista democrático de hoje. Vejo cada vez mais gente que se preocupa exclusivamente com o material e desvaloriza as coisas do espírito, o que significa que se pensa cada vez menos na sociedade. A política submete-se ao dinheiro, o que significa que o espírito humano é subalternizado pelo vil metal. Cada vez mais é proibido pensar, e as pessoas parecem resignar-se às sentenças de um poder discricionário exercido com uma prepotência obscena. As pessoas transformam-se em robôs, repetem mensagens estereotipadas inculcadas através de uma lobotomia ideológica que as impede de raciocinar. É aflitivo ver gente com um cursinho superior que não gasta um minuto do seu tempo a pensar no que a rodeia. Grassa o consumismo ideológico: compramos as ideias em pronto-a-vestir, e nem sequer nos damos ao trabalho de verificar se essas ideias nos servem.

O fascismo não é só impedir-nos de dizer; é também obrigar-nos a dizer.” – Roland Barthes

A alternativa de poder a este partido socialista democrático, num país onde o povo nem sequer tem a liberdade de referendar a sua própria soberania, é um PSD que não sabemos bem se é socialista democrático ou neoliberal. Ambos defendem acerrimamente a ideia de que o nosso povo é idiota e que não tem capacidade para decidir o seu destino, obrigando-nos a aceitar sucessivamente uma série de factos consumados decididos por uma elite fascizante.
Deste centrão de exclusiva lógica de poder pelo poder, sem Razão, totalmente submetido à plutocracia e a lobbies políticos minoritários, desisto. Este centrão, para mim, acabou; nele já não cabe a minha liberdade.

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