perspectivas

Sexta-feira, 1 Agosto 2008

Liberdade e necessidade

Baruch Espinosa entrou em várias contradições, e uma delas foi a de defender a liberdade do indivíduo face ao Estado ao mesmo tempo que defendia um Determinismo do universo e a total falta de livre-arbítrio do ser humano. A característica determinante da filosofia de Espinosa é o determinismo que, segundo ele, marca a vida de todo o ser humano inserido num universo panteísta ― um universo que consiste no próprio Deus. Espinosa foi um dos precursores do Naturalismo ateísta contemporâneo.

«Chamo livre, quanto a mim, uma coisa que é e que age através da única necessidade da sua natureza; oprimida, aquela que é obrigada por uma outra coisa a existir e a agir de uma certa maneira. (…) Para tornar isto claro e inteligível, vamos conceber uma coisa muito simples: uma pedra, por exemplo, recebe de uma causa exterior que a empurra, uma certa quantidade de movimento e, ao acabar a impulsão da causa exterior, continuará necessariamente a mover-se. Esta persistência da pedra no movimento é uma imposição, não porque seja necessária, mas porque é definida pela impulsão de uma causa exterior (…) Vamos conceber agora que a pedra, enquanto continua a mover-se, pensa e sabe que faz esforço, tanto quanto pode, para se mover. Esta pedra (…) pensará que é bastante livre e que apenas continua o seu movimento porque assim o quer.» ― Espinosa, Carta 58.

…o
determinismo filosófico
é incompatível com a liberdade…
Portanto, para Espinosa a nossa liberdade é uma ilusão porque ela é determinada por uma causa exterior que a condiciona totalmente, apesar de nós pensarmos que temos liberdade. Não vejo é como se pode defender esta ideia e ao mesmo tempo defender a liberdade do indivíduo em sociedade ― liberdade de expressão incluída. A filosofia de Espinosa, como todo o Naturalismo, é intrínseca e essencialmente totalitária; o determinismo filosófico é incompatível com a ideia de liberdade individual.
Esta ideia foi mais tarde seguida por Kierkegaard e por outros existencialistas (para além dos materialistas). Contudo, Maquiavel dois séculos antes de Espinosa escreveu que o ser humano tem liberdade em 50% do seu comportamento, sendo que os outros 50% são restrições à liberdade devido ao meio-ambiente, condicionalismo de vida, educação, etc. Na minha opinião, Maquiavel estará muito mais próximo da Razão do que Espinosa, e a filosofia quântica veio corroborar isso mesmo.

A Física quântica veio demonstrar que o Determinismo não existe na Natureza, mas apenas a Probabilidade de que algo aconteça (“Princípio da Incerteza”, de Heisenberg). Analisando um fenómeno, podemos concluir sobre as suas probabilidades de ocorrência, mas nunca podemos estar 100% seguros de que ele aconteça. É nessa probabilidade falível que reside a liberdade; pelo facto de um determinado fenómeno ser provável significa que existe uma margem de manobra que possa demonstrar a sua não ocorrência: é provável que algo aconteça de determinada maneira salvo exista uma vontade e uma consciência que decida que essa probabilidade se transforme numa impossibilidade objectiva.

Espinosa tentou responder a uma pergunta: o que é a vida? Onde se encontra a fronteira entre as coisas vivas e não-vivas? Eu penso que entre estas duas realidades não existem fronteiras precisas a não ser aquela em que consiste a consciência, e os vários graus de consciência existentes. De facto, todo o universo está vivo ― e aqui Espinosa acertou ― e existe um Todo contínuo; quando esse universo é contemplado em partes separadas, obtemos a imagem vulgar do universo, no qual desempenhamos todos um papel secundário.

A liberdade de cada objecto da Natureza depende do seu grau de consciência; quanto mais consciente mais livre se é. Uma pessoa pouco consciente faz o bem ou mal sem saber bem porquê; uma pessoa com mais consciência sabe melhor porque faz o bem e sabe os riscos que corre ao fazer o mal. As “coisas” vivas são dotadas de uma consciência superior às coisas que designamos “não-vivas”. Quanto maior for o grau de complexidade e de consciência de uma “coisa” tanto mais viva e consciente estará essa “coisa”.

O que determina os graus de consciência? Se tudo se encontra vivo, por que razão nem tudo é igualmente consciente? O grau de complexidade entra aqui em equação. Constatámos que mesmo entre seres humanos, existem uns mais conscientes que outros, e que o grau de consciência não está directamente ligado à capacidade de aprendizagem intelectual, mas à conjugação da intelectualidade com aquilo a que se convencionou chamar de “sensibilidade” ― que é a capacidade de percepção do universo em si mesmo, independente de teorias científicas que podem ser válidas em determinado momento e questionadas noutro. A sensibilidade é a “inteligência da consciência”, é a capacidade de percepção da complexidade do universo em termos de “relação cooperativa” entre os diversos componentes (ou “coisas”) do universo ― uma relação entre duas “coisas” é uma “relação cooperativa”, o que significa que o conhecimento de uma dessas coisas nos dá sempre algum conhecimento sobre a outra. Quanto maior for o número de correlações tanto mais informação será possível obter, isto é, maior será a complexidade, e as correlações não são só estabelecidas ao nível do que chamamos “intelectualidade” mas também a nível da “sensibilidade”. Quanto mais interagimos com o universo ― isto é, quanto mais somos sensíveis a ele e com ele estamos sintonizados ― mais temos consciência dele, e mais livres somos.

O grau de consciência ― que é determinado pela “inteligência da consciência” ― é irreversível, e a própria auto-destruição da consciência é um acto de liberdade.
Vamos a um exemplo: imaginemos uma sala com as luzes apagadas e cheia de pessoas, onde não é permitido falar ou tocarem umas pessoas nas outras. Aquilo que as pessoas podem dizer sobre o sítio onde estão é muito pouco, porque o seu grau de consciência é limitado; elas só sabem que a sala está cheia de gente. Agora, conservando as luzes apagadas e sem falarem, deixemos as pessoas tocarem-se umas às outras. O que se passa agora? A interacção entre as pessoas criou mais informação sobre o local onde se encontram ― por exemplo, sabemos agora que parte das pessoas são mulheres e a outra parte são homens. Ao fim de algum tempo, as pessoas distribuem-se na sala escura de acordo com as suas simpatias e atracções mútuas.
Se acendermos as luzes, a capacidade de visão aliada à presença da luz, produz uma maior consciência e causa uma ainda maior interacção entre as pessoas presentes na sala. Se o silêncio for abolido e for permitido às pessoas conversarem, o nível de consciência aumenta ainda mais com a aprendizagem. A estas pessoas, que foram sujeitas a um processo de aprendizagem, esta não é reversível naquele momento, isto é, não é possível que o conhecimento adquirido por aquelas pessoas naquele exacto momento se desvaneça no momento imediato ― salvo aconteça a morte física ou degradação súbita das condições cerebrais, e isto no caso da inteligência do intelecto; no caso da inteligência da consciência (sensibilidade), ela não depende das condições cerebrais de uma circunstância mas da ondulação quântica, e por isso podemos dizer que o grau de consciência, em sentido alargado e cósmico, é irreversível salvo se a consciência individual entrar num processo de auto-destruição do seu grau de consciência, que compete ao seu livre-arbítrio. Nem mesmo a evolução do nosso grau de consciência é previamente determinada, mas antes depende da vontade que caracteriza a liberdade.

Em suma: uma pessoa com um grau académico superior não tem, necessariamente, mais consciência ― ou disporá de um maior grau de consciência ― do que um indivíduo com o primeiro grau académico. Existe a probabilidade de que esse facto ocorra, mas se o catedrático considerar apenas a inteligência cerebral como importante e for desprovido de sensibilidade (a “inteligência da consciência”), poderá não ter o grau de consciência universal de uma pessoa com o ensino básico que tenha desenvolvido uma consciência cósmica. Não só o Determinismo não existe, como a Necessidade é interpretada de acordo com a vontade e liberdade de cada um de nós.

1 Comentário »

  1. Orlando, te gustará. espero:

    Some reflections on the Freedom of Expression. Spinoza’s Theological-Political Treaty

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    Comentar por AMDG — Sexta-feira, 8 Agosto 2008 @ 7:45 pm | Responder


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