perspectivas

Terça-feira, 14 Maio 2024

O simulacro contemporâneo e pós-modernista de “ciência” [Ben Dupré]

Filed under: filosofia,Helena Serrão,metafísica — O. Braga @ 7:48 am

A filosofia da ciência necessita de filósofos sérios, de gente honesta. Não é o caso de Ben Dupré, que a professora Helena Serrão cita aqui.

cientismo webNo referido texto, o dito cujo começa por dizer que o universo “tende para o infinito”. O verbo “tender” significa que, a priori, não há certeza (científica) de que o universo é infinito, ou não. “Tender” significa “possibilidade”, ou “verosimilhança”.

Porém, mais adiante no mesmo texto, o cujo dito já diz que “Deus não se cansa de fazer as coisas sem fim” — assumindo agora que o universo já é infinito. É a “evolução” moderna da lógica.

Ou seja, o Ben Dupré tende para a estupidez, o que, na “lógica” dele, significa que ele é, de facto, estúpido.

É necessária muita fé para acreditar que, em um universo em que “há um padrão de coisas existentes” (sic) e em que “há leis de causa / efeito produzidas pela própria natureza da matéria” (sic) — todo esse universo não tem qualquer Causa.

Só um idiota contemporâneo, travestido de filósofo, teria tanta fé. É preciso ter mais fé para acreditar num mundo ordenado mas desprovido de qualquer Causa, do que a fé necessária para acreditar em Deus.

ciencia-milagre web

Bacon escreveu que “desde que o homem percebe um pouco de ordem nas coisas, supõe imediatamente muito mais”.

E Einstein escreveu o seguinte [“Wörte in Zeit und Raum”, 1999, p92]:

“¿Acha estranho que se considere a compreensibilidade do mundo como milagre ou como mistério eterno?

Na realidade, a priori, deveria esperar-se um mundo caótico que não se pode compreender, de maneira alguma, através do pensamento. Poderia (aliás, deveria) esperar-se que o mundo se manifeste como determinado, apenas na medida em que intervimos, estabelecendo ordem. Seria uma ordem como a ordem alfabética das palavras de uma língua. Pelo contrário, a ordem criada, por exemplo, pela teoria da gravidade, de Newton, é de uma natureza absolutamente diferente. Mesmo que os axiomas da teoria sejam formulados pelo ser humano, o sucesso de um tal empreendimento pressupõe uma ordem elevada do mundo objectivo, que, objectivamente, não se podia esperar, de maneira alguma.

Aqui está o “milagre” que se reforça cada vez mais com o desenvolvimento dos nossos conhecimentos. Aqui está o ponto fraco para os positivistas e os ateus profissionais.”

Mais adiante:

“A ciência só pode ser feita por pessoas que estão completamente possuídas pelo desejo de verdade e compreensão. No entanto, esta base sentimental tem a sua origem na esfera religiosa. Isto inclui também a confiança na possibilidade de que as regularidades que valem no mundo do Existente sejam razoáveis, isto é, compreensíveis à Razão. Não posso imaginar um investigador sem esta fé profunda. É possível exprimir o estado das coisas através de uma imagem: a ciência sem religião é paralítica, a religião sem ciência é cega” (idem).

O que é espantoso não é a fé do idiota Ben Dupré: é o facto de a professora Helena Serrão o citar acriticamente amiúde. Citar um idiota deste calibre, de forma acrítica, certamente não beneficia os alunos dela.

Sábado, 4 Maio 2024

O cepticismo, e o império do subjectivismo pós-moderno

Filed under: David Hume,filosofia,Kant — O. Braga @ 6:33 pm
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“Não seria irracional que um homem preferisse a destruição do mundo, a uma esfoladela no seu dedo.”

→ David Hume


bertrand-russell-300-webEu estudei a História da Filosofia Ocidental, da autoria de Bertrand Russell. Sublinho: estudei; e há muito tempo. Estudar um livro é diferente de lê-lo. Tenho duas edições do dito livro: uma, para colocar na estante, impecável, sem pó; e outra, para rabiscar e sublinhar, desconjuntado. Normalmente é assim que faço: compro dois exemplares dos livros de filosofia.

A minha grande divergência em relação a Bertrand Russell não é apenas na ética, em geral, mas principalmente nos fundamentos da ética. Bertrand Russell — assim como Richard Dawkins — não consegue fundamentar a ética senão nos costumes que podem mudar a cada geração. Mas, em relação à Razão (racionalidade) e à Lógica, é difícil estar em desacordo com ele.

A ética, ou seja, os valores morais, devem ser 1/ universais, 2/ fundamentados racionalmente, 3/ ter uma validade intemporal e 4/ serem identificáveis nas suas características principais.

Ora, nestes quatro requisitos da ética, Bertrand Russell falha sistematicamente.

Neste texto de Bertrand Russell, transcrito pela professora Helena Serrão, um céptico (Bertrand Russell) critica outro céptico (David Hume). Porém, e daquilo que li de Bertrand Russell, o cepticismo deste é diferente do cepticismo de David Hume.

O cepticismo de Bertrand Russell é mais parecido com o da doutrina do grego Pirron de Élis (cepticismo pirrónico) que afirma que não podemos ter a certeza de alcançar a Verdade — mas que não nega a possibilidade da existência da Verdade.

Não devemos confundir a “dúvida céptica”, que tem por objectivo uma suspensão definitiva da opinião (David Hume), por um lado, e, por outro lado, a “dúvida metódica” (praticada por Descartes) que é provisória e estabelecida visando a descoberta da Verdade.

O referido texto é paradigmático desta diferença entre estes dois tipos de cepticismo. Porém, o cepticismo de Hume (ao contrário do que diz Bertrand Russell) não foi precedido por Kant e Hegel, quanto mais não seja por esta ideia ser anacrónica: o cepticismo de Hume já advém (evoluiu de) de Montaigne, e depois de Hobbes.


«Segundo este cepticismo muito moderno [de Hume], a faculdade humana do conhecimento é uma coisa que contém conceitos, e já que ela não tem senão conceitos, não pode atingir as coisas que estão fora [desses conceitos].

(…)

Nenhum ser racional iria imaginar que pelo facto de “possuir” a ideia de uma coisa, ele possui igualmente essa coisa. Portanto, este cepticismo não é bastante consequente para mostrar, ao mesmo tempo, que nenhum ser racional não deva imaginar que possui uma ideia.

Com efeito, a ideia é também qualquer coisa; portanto, o ser racional não pode ter senão a ideia da ideia, e não a própria ideia; nem mesmo a ideia da ideia, porque esta ideia na segunda potência seria, portanto, a ideia da ideia, até ao infinito.»

[Hegel, “A Ciência da Lógica”]


A ideia de Russell segundo a qual “Kant e Hegel podem ser refutados com argumentos humeanos” é, ela mesma, irracional. Bertrand Russell “embarra” sistematicamente com as tautologias próprias da Existência — a começar pelo empirismo que ele tanto defende.

Eu também defendo a racionalidade do empirismo, mas este entendido como uma dimensão necessária da existência que não elimina, per se, a necessidade de outras dimensões da existência — ao passo que Russell pretendia reduzir a realidade inteira ao empirismo — incluindo a dimensão da matemática (dedução), através da teoria do Logicismo (de Russell e Whitehead).

Porém, o texto referido de Bertrand Russell tem o condão de explicar o Império do Subjectivismo (e da irracionalidade, que volta a estar na moda) que governa a nossa actual cultura pós-moderna.

Quinta-feira, 25 Abril 2024

A arte é metafísica

Filed under: arte,filosofia,metafísica — O. Braga @ 1:18 pm

A professora Helena Serrão transcreve um texto de Aires de Almeida, através do qual se defende a ideia (de Bell) de que uma cópia / réplica de uma obra de arte também é uma obra de arte.


Eu defendo a ideia de que uma réplica de uma obra de arte não passa disso mesmo: uma réplica. Não é propriamente uma obra de arte, mas antes tem uma estrutura diferente da obra de arte propriamente dita. Podemos dizer, no limite e com muita condescendência, que “uma réplica é arte”; mas não podemos dizer que “uma réplica é uma obra de arte”.

Invoquemos a regra de Leibniz da “identitas indescernibilium” (a identidade do indistinguível). Segundo esta regra, as unidades que não se distinguem, em nenhuma característica, devem ser consideradas completamente iguais, ou seja, idênticas. E esta identidade é não só material, mas também metafísica. Ora, esta comunhão identitária não existe entre uma obra de arte e a sua réplica.

Vamos dar o exemplo do mito do Navio de Teseu. Depois de Teseu matar o Minotauro, os cidadãos de Atenas guardaram o seu navio no porto de Atenas, onde era alvo de romarias populares, e onde foi conservado com primor. Quando uma peça do casco apodrecia, a elite ateniense substituí-a por outra. E, à medida que as peças apodrecidas do casco iam sendo substituídas, o povo não duvidou que o navio continuava a ser o Navio de Teseu.

Depois de todas as peças de madeira do navio terem sido substituídas, os filósofos de Atenas questionaram-se sobre se o navio que se encontrava no porto não seria já um navio diferente do original Navio de Teseu. Estamos aqui perante a metáfora da obra de arte e da sua réplica. O Navio de Teseu foi duplicado a nível da dimensão do espaço, mantendo-se inalterado a nível do tempo. Ora, a regra da identitas indescernibilium aplica-se tanto na dimensão do espaço como na dimensão do tempo — daí podermos dizer, com propriedade, que aquele navio no porto de Atenas já não era o Navio de Teseu.

A identidade de uma obra de arte existe (também) em uma dimensão metafísica, porque a sua génese existe em uma dimensão não-física e intemporal, manifestando-se contudo na dimensão do espaço-tempo.

Se considerarmos uma obra de Picasso, por exemplo, como uma espécie particular de sistema quântico, então poderíamos dizer que dois quadros de Picasso, que estivessem no mesmo estado quântico, seriam exactamente o mesmo quadro (identitas indescernibilium). Ora, o vector de estado quântico do Navio de Teseu e o da sua réplica não era o mesmo — e por isso é possível distingui-los.

Uma réplica de uma obra de arte não é obra de arte: é uma réplica porque tem um vector de estado quântico totalmente diferente. Uma réplica apenas reflecte o valor da obra de arte, assim como a Lua reflecte a luz do Sol.

Sexta-feira, 19 Abril 2024

Wittgenstein é um caso Wittgensteiniano

Filed under: ética,filosofia — O. Braga @ 4:56 pm
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No seu último livro (“A Vida do Espírito”, publicado postumamente e inacabado), Hannah Arendt refere-se a Kant e à “Crítica da Faculdade de Julgar”, em que se defende que o ser humano, de uma forma intersubjectiva, procura a verdade: a partir da “Analítica do Belo”, Arendt define uma faculdade subjectiva que discerne o bem do mal, da mesma forma que o juízo estético distingue o belo do feio.

Porém, Kant defendia uma abertura de espírito, por forma a acomodar concepções alógenas de “Belo” e de “Bom”. Mas, conforme Arendt, isso não é sempre possível quando existe um conflito com os valores civilizacionais.

Mutatis mutandis: haverá sempre alguém que gosta do cheiro a merda — isto é “inevitável”, acontecerá sempre (Mateus 18, 7) —, o que não significa que uma minoria merdosa ganhe legitimidade e Poder para ditar o Gosto intersubjectivo e o conceito vigente de Belo e de Bom (que é o que acontece actualmente com uma minoria merdosa).


“Reduzir a filosofia à análise linguística equivale a supôr que só há pensamento alienígena.”

Nicolás Gómez Dávila


Wittgenstein estudou engenharia; e depois aprendeu filosofia com Bertrand Russell que nunca lhe dedicou uma linha nos seus escritos. Bertrand Russell ignorou completamente Wittgenstein.

A única obra publicada por Wittgenstein (em vida) foi o Tractatus Logico-philosophicus que é uma espécie de livro de aforismos altamente subjectivos, e que supostamente apresenta uma reflexão analítica da linguagem e as condições de representação do mundo através da linguagem.

Ou seja: o Tractatus Logico-philosophicus é um livrinho de defesa do positivismo puro e duro, que reduz a “verdade” ao “verificável”.

¿O que é, para Wittgenstein, uma proposição dotada de sentido? É uma proposição passível de ser verificada (ver verificação).

A velha “lógica” positivista (a tal “lógica que evolui”) é a seguinte: o critério da significação — ou seja, o critério da razão, ou o critério daquilo que pode ser considerado ‘racional’ — é a verificação. Tudo o que não é verificável não tem significado, ou seja, não é racional.

Isto é um nominalismo radical.

Porém, esta proposição — “o critério da significação é a verificação” — não é, ela própria, verificável. O engenheiro Wittgenstein não se deu conta da sua própria contradição.

A viragem de 180 graus: Wittgenstein é um caso Wittgensteiniano

Na última fase da sua vida, Wittgenstein mudou de tom: abandonou o nominalismo radical (atomismo lógico), e avança com a noção de “jogo de linguagem”, referida aqui pela professora Helena Serrão com o significado de “semelhança de família”.

No contexto de “jogo de linguagem”, a linguagem passa a ser (para Wittgenstein) uma espécie de caixa de ferramentas, com muitos instrumentos com muitíssimas funções, fazendo com que (alegadamente) não exista uma maneira correcta e outras incorrectas de os utilizar — se Wittgenstein vivesse hoje em Portugal, seria um acérrimo defensor do Acordo Ortográfico “à la carte”.

Por outras palavras: segundo Wittgenstein, não há regras na linguagem significante: não existe (alegadamente) uma essência da significação. Nesta última fase da sua vida, Wittgenstein já não concebe a linguagem do ponto de vista cognitivo, mas antes do ponto de vista da comunicação, variada e variável.

Em função da comunicação, toda a linguagem passa a ser legítima, mesmo que não signifique nada de preciso (por exemplo: “A isto, e a coisas parecidas, chama-se ‘jogo’” — isto é um “positivismo ao contrário”, um subjectivismo exacerbado que continua, porém, a negar a existência das categorias universais (realismo).

As “semelhanças de família”, segundo Wittgenstein, não são categorias (científicas) que tentam classificar a realidade (realismo): são impressões subjectivas, que não têm que ser necessariamente intersubjectivas. E a linguagem científica não é (para ele, esta fase) mais do que um jogo de linguagem, entre outros jogos.

Agora percebemos por que razão Bertrand Russell ignorou Wittgenstein.

Sexta-feira, 12 Abril 2024

Ben Dupré e o relativismo radical de Wittgenstein

Filed under: ética,filosofia — O. Braga @ 5:23 pm
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« Cada qual forja para si o mundo de beleza ou de fealdade em que habita. O que não significa que o Valor seja relativo, mas justamente o contrário, visto que mostra como cada ser, pelo acto de participar no Absoluto, cria de algum modo o absoluto de si próprio. »

Louis Lavelle (“Traité des Valeurs”)


A professora Helena Serrão transcreve aqui um texto de Ben Dupré (ficheiro PDF) que se refere a Wittgenstein, um pensador assumidamente homossexual.

Uma característica dos intelectuais homossexuais é (em geral, em juízo universal) o subjectivismo radical: a radicalização do subjectivismo é uma forma de colocar em causa a realidade objectiva ordenada pela Natureza de uma determinada forma, realidade essa que reduz a homossexualidade a uma anomalia ou a uma excepção (na identificação entre a cultura antropológica e a Natureza). Trata-se de uma tentativa de “desalinhar” a cultura antropológica, por um lado, e a Natureza, por outro lado.

O que diz o texto publicado pela professora Helena Serrão, resumindo, — seguindo o subjectivismo radical do homossexual Wittgenstein — é que “arte é aquilo que cada um quiser que seja”, na esteira do subjectivismo radical de David Hume, outro pensador homossexual.


“Não seria irracional que um homem preferisse a destruição do mundo, a uma esfoladela no seu dedo.”

David Hume


Através do conceito falacioso de “semelhança de família”, Wittgenstein destrói a ideia objectiva de “beleza”; ora, esta destruição do “belo” é absolutamente necessária para desestruturar a realidade mundana no sentido de acomodar (de uma forma privilegiada) a condição homossexual na cultura antropológica.

Com a noção do “belo” tradicional e cristão destruído, a condição da vivência homossexual (entendida em toda a sua dimensão prática) passa a ser tão válida como qualquer outra. E uma vez que a ética e a beleza são interdependentes, os pensadores homossexuais da contemporaneidade (em juízo universal) destroem também a ética cristã juntamente com a destruição da noção do “belo” existentes antes da Idade Contemporânea.

Em boa verdade, a tentativa de destruição dos conceitos cristãos de “belo” e de “bom” vem já da Idade Moderna: Montaigne, Espinoza, Hobbes, Locke, passando por Rousseau e Hume, ou seja, a tentativa niilista é anterior à Idade Contemporânea.

Na Natureza, não há “saltos”: a desestruturação cultural do “belo” e do “bom” (a revogação da ética cristã) é um processo contínuo. Wittgenstein é apenas um continuador da saga desconstrucionista e anti-natura que marca a “traição dos intelectuais” (Julien Benda).

Se separamos a ética e a estética, a discussão do “gosto” torna-se impossível. Ora, é esta impossibilidade de discutir o “gosto” que é objectivo do subjectivismo radical de Wittgenstein.

O autor supracitado (Ben Dupré) apresenta o postulado da impossibilidade de definir o “belo”, para a seguir justificar o subjectivismo radical de Wittgenstein.

Pela mesma ordem de razão, a impossibilidade de definir a “Realidade” pode ser a justificação da anti-ciência prevalente na ideologia política actual para negar uma estrutura da realidade formal e objectiva, em favor de um subjectivismo radical que desconstrói a própria Realidade (por exemplo, a Ideologia de Género).

Como escreveu Karl Popper, “a mosca que não conseguiu sair da garrafa é um perfeito auto-retrato de Wittgenstein”.

Terça-feira, 9 Abril 2024

A poesia é filosofia sem lógica

Filed under: filosofia,poesia — O. Braga @ 7:20 pm

Vejo aqui um trecho do denominado “poeta” Nuno Júdice e, a julgar pela amostra, corrobora a minha ideia segundo a qual “a poesia é filosofia sem lógica”.

“Construo o pensamento aos pedaços: cada
ideia que ponho em cima da mesa é uma parte do
que penso; e, ao ver como cada fragmento se
torna um todo, volto a parti-lo, para evitar
conclusões.”

Como é evidente, um fragmento nunca se torna em um Todo — porque, se assim fosse, não seria fragmento.

Por outro lado — e segundo S. Tomás de Aquino (e Kant) —, o ser humano vive (consciente- ou inconscientemente) para chegar a conclusões — por muito que essas conclusões sejam erradas, servem para o seu desenvolvimento ontológico: é chegando a conclusões, muitas vezes erradas, que o ser humano se abre a novos horizontes existenciais.

“Evitar conclusões” é chegar a uma conclusão.

Eu não leio poesia. Não gasto um tostão em poética. Talvez por isso é que o Fernando Pessoa teve necessidade de escrever a sua obra em prosa.

Sábado, 23 Março 2024

Thomas Kuhn e a “ciência revolucionária”

Filed under: Ciência,filosofia — O. Braga @ 7:34 am
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A professora Helena Serrão transcreve aqui um textículo de Thomas Kuhn acerca do conceito de “anomalia” (em filosofia da ciência).

Kuhn categorizou a ciência como “normal” e como “revolucionária”. O conceito de “paradigma” aplica-se à ciência normal, em que um paradigma é aceite e aplicado a novas situações que surjam.

Porém, a presença / existência de uma anomalia (ou duas) não é suficiente para causar o abandono de um paradigma — porque, segundo Kuhn, a lógica da falsificabilidade não é aplicável no caso de rejeição de um paradigma (o paradigma não é rejeitado apenas na base de uma comparação das suas consequências e das “provas” empíricas): a rejeição de um paradigma é uma relação de três termos que envolve 1/ o paradigma estabelecido, 2/ um paradigma rival, 3/ e as “provas” resultantes da observação empírica.

Quando surge, de facto, um paradigma rival, surge um estádio da “ciência revolucionária”.

lei de fourier web

Dou o exemplo da lei de Fourier. Surge a notícia de que o paradigma subjacente à lei de Fourier sofre de (pelo menos) uma anomalia; mas ainda não existe um novo paradigma viável em competição com o anterior, e por isso é que o actual paradigma da lei de Fourier (ainda) não é colocado em causa pela anomalia recentemente descoberta.

Porém, o novo paradigma da lei de Fourier, quando surgir, representará uma mudança da percepção da realidade (Gestalt-shift): a nova lei de Fourier, a surgir em função das anomalias verificadas, pode diferir do paradigma anterior em relação ao tipo de resposta admissível aos problemas colocados pela observação — ou seja, os dois paradigmas (o velho e o novo) não poderão ser medidos / avaliados num mesmo nível / qualidade de percepção da realidade.

Sexta-feira, 15 Março 2024

João Caupers, Isabel Moreira, e a institucionalização da eutanásia

Filed under: ética,eutanásia,filosofia,Moral — O. Braga @ 7:20 am

Não podemos confiar, exclusivamente ao Direito, as decisões sobre a vida ou morte de uma pessoa; não nos esqueçamos que o holocausto nazi, e/ou os Gulag soviéticos, foram perpetrados de forma legal. Aquilo que é legal não é necessariamente legítimo.

«De acordo com o Presidente do Tribunal Constitucional à data, João Caupers, "a este respeito considerou o tribunal que o direito a viver não pode transfigurar-se num dever de viver em quaisquer circunstâncias".»

O Caupers confunde “dever”, por um lado, e “necessidade”, por outro lado — o que revela impreparação para lidar com problemas desta índole. João Caupers é apenas um técnico; não passa disso.

O “dever” distingue-se, em primeiro lugar, contrariamente do que sugere o Caupers, da “necessidade”, que se impõe a todos e não deixa qualquer alternativa — por exemplo, temos necessidade de comer, para viver, quer queiramos ou não.

A obrigação (quando coincide com o dever), pelo contrário, implica a vontade e a liberdade de escolha — por exemplo, “devo dizer a verdade” implica a possibilidade de não o fazer. O “dever” tende, assim, a confundir-se com “obrigação”, embora nem toda a obrigação seja dever: os deveres ligados a uma função, ou mesmo a um compromisso, não são ainda o dever moral.

De facto, o verdadeiro dever é distinto de qualquer móbil sensível: cumprir o dever não traz vantagem material, independentemente de todo o contexto ou condições particulares — é o imperativo categórico: “Age unicamente de acordo com o princípio que desejes poder tornar-se numa lei universal” (Kant).

Em suma: o dever é apenas a intenção e a vontade de fazer as coisas bem, exigência puramente desinteressada, motivada simplesmente pelo respeito pela lei (seja esta a lei divina, a lei natural e/ou a lei dos homens), e mais precisamente, do seu carácter universal.

A utilização do conceito de “dever” neste contexto por parte do Caupers, revela ou ignorância ou perversidade própria do relativismo esquerdopata caracterizado por um nominalismo radical que destrói o Direito e a nossa cultura.

Segunda-feira, 26 Fevereiro 2024

A felicidade do Joaquim, segundo Kant

Filed under: ética,filosofia,Kant — O. Braga @ 5:44 pm
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O Joaquim aborda aqui o tema da “felicidade”, desde logo assumindo a felicidade como algo possível de alcançar (não confundir “felicidade” e “alegria”).

Ao contrário dele, eu sou um céptico em relação à Natureza Humana;  sou mais apologista de Kant:

1. O desejo humano em relação aos objectos do mundo (o tal “direito à felicidade” que implica uma conduta interessada) não é compatível com a ética e com a moral, a não ser por puro acidente — se for uma motivação sensível (o desejo) a comandar o estabelecimento de uma norma (lei positiva ou regra moral), então qualquer mudança no objecto de desejo e de satisfação implica ipso facto uma reviravolta da conduta.

2. O “direito à felicidade” não se pode traduzir em uma lei prática ou regra moral. A ideia que cada ser humano tem de “felicidade” é uma ideia absoluta — que satisfaz em sumo grau o máximo de inclinações no decurso de uma duração indeterminada. Porém, o que acontece na realidade concreta, é que a experiência humana da satisfação das inclinações individuais é fragmentária, contingente e parcial. Logo, existe uma contradição entre a exigência de felicidade, por um lado, e a experiência humana concreta relativamente ao conhecimento dos elementos que a produzem, por outro lado. Ou seja: para que o homem pudesse ser feliz, teria que ter ao seu dispor exactamente o oposto do conhecimento empírico e contingente dos meios para satisfazer a exigência de felicidade: o ser humano teria, neste caso, que ser Deus — o que é uma impossibilidade objectiva.

Os homens querem ser felizes, mas não sabem exactamente o que querem, para serem felizes.

Uma vez que a ética deve ser universal (a ética é para todos), e que o Direito não deve reduzir a norma ao facto, o “direito subjectivo à felicidade” de cada ser humano não pode fundamentar uma regra ética (ou parte dela) nem uma lei positiva.

O “direito subjectivo à felicidade” é um ideal de imaginação (de cada indivíduo), e não um ideal da razão.

O “direito à felicidade da sociedade” é uma ficção. Uma regra moral é apenas objectivamente válida na ordem prática, da mesma forma que uma lei positiva é válida na ordem teórica — na medida em que uma regra moral se impõe sem condições contingentes e subjectivas (ou seja, uma regra moral, sendo universal, não pode depender da experiência isolada, das ficções e dos ideias de imaginação dos indivíduos).

O que está a acontecer na sociedade europeia (e não só) é uma tentativa de destruição do Estado de Direito através da pulverização das normas legais, reduzindo-as a factos mais ou menos isolados. E é sobretudo uma tentativa de destruição da ética através de uma atomização da sociedade, traduzida na recusa da universalidade da ética sob pretexto de que “cada indivíduo tem o direito” de ver o seu “direito à felicidade” traduzido nas regras morais, transformando a ética exactamente no seu contrário. E quem está por detrás desta tentativa da destruição do direito e da ética, são os promotores dos novos totalitarismos que se anunciam.


É um erro pensar que por detrás das descobertas da ciência está “o desejo de felicidade”.

Quem estudou alguma coisa da filosofia da ciência (epistemologia) sabe que o avanço da ciência se deve à imaginação como faculdade do espírito (e que é independente do “desejo de felicidade”) — a imaginação não é simples imitação do real por imagens: consiste em produzir representações e, por isso, pressupõe uma actividade do espírito. Esta actividade não consiste apenas no facto de se representar objectos ou seres ausentes: consiste também na possibilidade de combinar as ideias ou de antecipar acontecimentos, e mesmo na faculdade de nos fazermos representar no que não existe (ou ainda não existe), ou seja, na imaginação criadora.

Podemos dizer, contudo, que a imaginação não cria verdadeiramente, mas antes que ela inventa combinações novas com elementos dados. No entanto, é necessário que as combinações sejam completamente livres. A imaginação criadora manifesta a liberdade do espírito que se confunde com a faculdade humana que “ir para lá” do dado, de pensar o ausente, o passado, o futuro e o possível — independentemente do desejo de felicidade.

Sábado, 23 Dezembro 2023

Hume tinha razão, sem querer

Filed under: David Hume,filosofia — O. Braga @ 2:00 pm
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Alguém que aborde, actualmente, a filosofia da ciência (epistemologia) e não tenha em devida consideração a Quântica, deve ser ignorado.

Obviamente que, no tempo de Hume, a noção de “átomo” era a dos pré-socráticos. Portanto, não podemos exigir de Hume o que teremos de exigir de um analista actual.

“Acreditar, portanto, que o Sol pode possivelmente não nascer amanhã é, num sentido estrito, lógico, uma vez que a conclusão que ele nascerá amanhã não se segue inexoravelmente das observações passadas.”

David Hume e o problema da indução

Hoje, pensar que a Terra pode passar a “elipsar” em torno de outra estrela, ou que o Sol pode não nascer amanhã, não é tão absurdo quanto seria no tempo de Hume. Naturalmente que a probabilidade é mínima: quanto maior for a matéria (a massa) de um objecto, menor é a possibilidade de ocorrência de um “efeito de túnel” e de um “salto quântico”.

Um átomo de hidrogénio, o mais simples de todos, tem um protão e um electrão. O electrão “gira à volta” do protão sob o efeito da força eléctrica de atracção, ou “energia potencial”.

¿O que impede que o electrão, no seu movimento giratório, se “despenhe” sobre o protão?

Pelo facto de o electrão “girar” em torno do protão, ele sofre uma aceleração radial — mais ou menos como um carro de F1 em uma curva apertada. Em função desta aceleração radial, o electrão, porque possui carga eléctrica, perde energia emitindo luz [toda a realidade é fluorescente!]. E na medida em que perde energia potencial, o electrão aproxima-se do protão, ao mesmo tempo que aumenta a sua energia cinética que provém do movimento de aceleração do electrão em torno do protão.

No electrão, aumenta a energia cinética e diminui a energia potencial. A soma entre os dois tipos de energia é a “energia total” do electrão. Quando a energia total do electrão chega a um ponto de equilíbrio entre os dois tipos de energia [cinética e potencial], o electrão entra no “estado fundamental” que corresponde à normalidade da natureza. Mas isso não significa, de modo nenhum, que a probabilidade de o electrão embater no protão é de ZERO. E, de modo semelhante, existe a probabilidade de o electrão saltar da sua órbita ou “salto quântico” [quantum leap].

A probabilidade de o planeta Terra “saltar” da órbita do Sol e passar a girar em torno de uma outra estrela, quiçá a milhões de anos/luz de distância, não é de ZERO [salto quântico]. A probabilidade é pequeníssima e residual [talvez na ordem de 10^80, ou coisa que o valha], mas não é de zero. Não é lógico que se diga: “a possibilidade é pequena, e por isso, impossível”. Ou existe possibilidade e não é impossível, ou sendo impossível a possibilidade é igual a zero.

Por exemplo, físicos actuais dizem que é provável que nenhum objecto macroscópico (pertence à nossa dimensão física) com mais do que 10^23 [1 seguido de 23 zeros] átomos tenha jamais atravessado a barreira do “efeito de túnel”. Eles dizem: “é provável”, mas não dizem que é 100% certo. A ciência é construída sobre dados recolhidos no passado, e como é impossível conhecer o futuro porque este ainda não existe, e porque não existe, de facto, um determinismo total, seria irracional que a ciência dissesse o seguinte: “existe uma certeza absoluta, ou de 100%, de que o Sol vai nascer amanhã”.

A ciência actual concorda com Hume sobre as dúvidas acerca da indução — não porque concorde com o subjectivismo e com o cepticismo radical de David Hume, mas porque conhece, hoje, melhor as leis que regem a Natureza.

Sábado, 30 Setembro 2023

Uma crítica sucinta ao livro "The Psychology of Totalitarianism" de Mathias Desmet

Filed under: filosofia,Kant,materialismo,Mathias Desmet,Positivismo — O. Braga @ 6:22 pm
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Na sequência do descalabro da “pandemia do COVID-19” e dos confinamentos promovidos por uma classe política sem escrúpulos, Mathias Desmet lançou em 2022 o livro em epígrafe cuja leitura recomendo vivamente.

Contudo, na sua crítica ao “materialismo mecanicista” (Diderot, D’Holbach, La Mettrie, etc.) em todo o livro 1/ Desmet confunde “racionalidade” e “racionalismo”; e 2/ mistura “Iluminismo” e “Criticismo”, por um lado, com positivismo e cientismo, por outro lado.


Chamamos de “racionalismo” ao conjunto de doutrinas que atribuem à razão humana a capacidade exclusiva de conhecer a Verdade e que, por isso, se opõem ao cepticismo.

Já a “racionalidade” é o diálogo incessante entre o nosso espírito, que descobre as estruturas lógicas e que as aplica no sentido da compreensão do mundo, por um lado, e o mundo real, por outro lado.

O “materialismo mecanicista”, que Desmet critica, é uma visão racionalista do mundo — e não uma visão racional do mundo.


No dito livro, Desmet identifica o “materialismo mecanicista” com o Iluminismo — quando, em verdade, o “materialismo mecanicista” identifica-se com o Positivismo e com o cientismo.

“O Positivismo é o romantismo das ciências” (“História da Filosofia”, de Nicola Abbagnano, Tomo X, §629, Editorial Presença, Lisboa, 1970), por um lado, e é o mesmo que “cientismo” — que é a atitude intelectual que se desenvolveu a partir da segunda metade do século XIX e que concede um valor absoluto ao progresso científico.

O “cientismo” concede à ciência o monopólio do conhecimento verdadeiro e atribui-lhe a capacidade de resolver progressivamente o conjunto dos problemas que se apresentam à Humanidade. A noção de “cientismo” foi fundada por Augusto Comte, com o Positivismo.

O maior filósofo do Iluminismo, Emmanuel Kant, era profundamente religioso — ao contrário de todos os enciclopedistas franceses; é famoso o conceito kantiano do “Princípio da Intencionalidade”. Para Kant, existe uma “intenção da Natureza”: embora não possamos provar que a Natureza está intencionalmente organizada, segundo Kant devemos sistematizar o nosso conhecimento empírico vendo a Natureza como se assim fosse organizada.

Kant defendeu a ideia segundo a qual a sistematização do conhecimento empírico apenas é possível se agirmos com base no pressuposto de que “uma compreensão”, para além da nossa, nos forneceu leis empíricas organizadas de modo a que nos seja possível uma experiência unificada.

Confundir o Positivismo e/ou o cientismo, por um lado, e o Iluminismo, por outro lado — é injusto para este último.

Sexta-feira, 19 Maio 2023

A função heurística do Contrato Social de John Rawls

Filed under: filosofia,Justiça — O. Braga @ 8:54 pm

“¿A experiência hipotética de Rawls é a maneira correcta de abordar a questão da justiça? ¿Como podem princípios da justiça resultar de um acordo que não aconteceu de facto?”

Será que um contrato social hipotético dá alguma garantia de justiça?

John Rawls reconhece (“O Liberalismo Político”) que não foi celebrado nenhum contrato social real (na sua teoria do “véu da ignorância”): a função do “contrato” (diz ele) é de mera avaliação da maior ou menor justiça das convenções sociais.

Um contrato social (propriamente dito) define, à partida, o que é justo; John Rawls diz que não é isso que ele quer: pretende ele utilizar o “processo contratualista” como um meio (e não como um fim, em si mesmo) para se descobrir o que é justo. Portanto, a natureza do “contrato” do “Véu da Ignorância” de Rawls é apenas heurística.

Ainda assim, teoria contratual de John Rawls não resistiu ao pragmatismo que caracteriza Michael Sandel.

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