perspectivas

Sexta-feira, 6 Novembro 2009

Bardamerda para o povo italiano

« O desejo de igualdade levado ao extremo acaba no despotismo [de uma única pessoa] »

— Montesquieu (“O espírito das leis”)

Em Itália, sondagens diversas feitas ao povo italiano dão uma maioria que ronda os 80% contra a decisão do Tribunal Europeu dos “Direitos Humanos” de fazer retirar coercivamente os crucifixos das escolas públicas italianas. Berlusconi já fez saber que não irá cumprir a decisão de um tribunal europeu que é um tigre de papel: basta que uma só nação lhe faça frente para que todo o “prestígio” artificial construído politicamente desabe como um baralho de cartas em equilíbrio precário.

Em defesa da decisão do tribunal europeu, uma senhora de seu nome Anabela Cabral Ferreira, que penso que seja jurista porque faz comentários jurídicos na TSF, afirmou hoje nesta estação de rádio mais ou menos isto:

“A lei serve a todos e não só a uma maioria”


italia-sondagem

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Podemos, desde já, reduzir esta proposição ao absurdo partindo do princípio de que, na sequência do desenvolvimento político do Tratado de Lisboa que pretende construir uma federação europeia, um dia destes, um polaco que viva em Portugal poderá apelar para o tribunal europeu dos direitos humanos reclamando a retirada da bandeira nacional portuguesa dos edifícios públicos, uma vez que a presença do símbolo nacional não se compaginaria com a existência de uma federação transnacional europeia. E aqui teríamos uma só pessoa ― o polaco ― a colocar em causa a vontade da esmagadora maioria dos portugueses. E a Anabela Cabral Ferreira faria um editorial na TSF a aplaudir tal decisão do “tribunal europeu dos direitos humanos”.

Adiante.

« Mais vale que alguns sejam infelizes do que ninguém seja feliz, o que seria o caso se a igualdade fosse geral »

— Boswell (“A vida de Samuel Johnson”)

Vindo de uma jurista, esta proposição revela a que ponto chegou a concepção da “lei” e de “justiça”. Essa senhora parece ignorar uma coisa muito simples: os diferentes direitos positivos variam como varia a consciência moral e social, segundo os tempos e os lugares. O fundamento do direito só pode ser um ramo superior da lógica aplicada à realidade concreta e tendente a fazer prevalecer um mínimo de princípios. Retirar direitos a uma maioria para dar direitos acrescidos a uma pequena minoria não é lógico ― é mesmo irracional. O raciocínio de Anabela Cabral Ferreira é ilógico, irracional; diria mesmo: asinino.

A “lei” no sentido jurídico ― ou no sentido moral, que tem exactamente a mesma lógica ― é coisa diferente de “lei” no sentido científico, porque a primeira estabelece a ordem da regra (que admite excepções) e a segunda estabelece a ordem da necessidade (que nunca comporta excepções). Ora, a visão asinina de Anabela Cabral Ferreira acerca da “lei” é uma visão científica, e não jurídica ou moral. A lei científica pertence ao domínio da natureza; a lei humana pertence ao domínio da liberdade que a asinina Anabela Cabral Ferreira não reconhece à maioria do povo italiano.

[Os Franceses] querem a igualdade na liberdade e, não podendo obtê-la, continuam a desejá-la na escravidão »

— Alexis De Tocqueville

O argumento da abstracção da lei, que pode ser invocado a partir do conceito de “vontade geral” de Rousseau, não é compaginável com o desprezo pela vontade da maioria do povo. Já lá vai o tempo das ditaduras em que o conceito de “vontade geral” servia para tudo incluindo para a instituição de um capo-de-fila ou de um cacique nacional.

A separação das leis ― emanadas pelo sacrossanto tribunal europeu e de outras instituições do leviatão ― das vontades expressas pelos diversos povos da Europa faz parte de uma série de ensaios para a implantação de um totalitarismo a nível europeu. Anabela Cabral Ferreira não vê isso talvez porque a ideologia lhe tolda o raciocínio ― se é que ela tem algum raciocínio.

Se a lei é feita para todos não pode, por maioria de razão, sacrificar os direitos uma maioria esmagadora, para que uma minoria tenha os seus direitos acrescidos — na medida em que não só essa minoria vê os seus direitos garantidos como retira direitos à maioria. Pior do que uma ditadura da maioria é uma ditadura de uma minoria.

Diria mais a Anabela Cabral Ferreira : bardamerda para vontade do povo!

Adenda: Berlusconi, que estava em cotação negativa, subiu bastante na minha consideração.


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2 comentários »

  1. […] Henri-Frédéric Amiel teve um pensamento que complementa o primeiro: “Enquanto a maioria dos homens não for livre, não se pode conceber o homem livre”. Ora a liberdade não pode ser aquilo que Malato e quejandos da mesma agenda política niilista e gayzista querem que seja, e a maioria do povo italiano acha que a sua liberdade lhe dá o direito de ter uma cruz nas escolas públicas. O que o Malato nos diz implicitamente é o seguinte: “Bardamerda para o povo !”. […]

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    Pingback por José Carlos Malato « perspectivas — Domingo, 8 Novembro 2009 @ 7:59 pm | Responder

  2. […] Bardamerda para o povo italiano […]

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    Pingback por A prova de que a História não está definida segundo os desígnios do esquerdalho e gayzistas « perspectivas — Sexta-feira, 18 Março 2011 @ 7:31 pm | Responder


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