1. O argumento mais importante — senão o único com algum relevo — dos ateístas contra a religião cristã, é o seguinte: “se existisse um Deus bom e omnipotente, teria que intervir contra os males do mundo. Porém, dado que existem os males, resulta daí que Ele ou não quer ajudar, e portanto não é bom, ou não pode ajudar, e portanto não é omnipotente”.
2. Adicionalmente, os ateístas acrescentam a este argumento, uma adenda: “o mundo é como é; as leis das natureza são como são. A renúncia a uma explicação sobre o mundo e sobre as leis da natureza, é racional”.
Este argumento existe desde sempre: é o problema da Teodiceia. Antes de analisarmos este argumento ateísta, vamos consentir aqui em um ponto prévio.
Uma refutação de uma metafísica volta a ser, ela própria, uma metafísica. Quando um ateu refuta uma metafísica, assume uma segunda metafísica para refutar a primeira, porque a renúncia à metafísica seria o mesmo que uma renúncia ao pensamento. Em princípio, é possível rejeitar a metafísica, mas neste caso, não se pode querer ter uma só palavra para dizer seja o que for.
3. Temos que considerar que os “males do mundo” se dividem em duas categorias: os males morais, que são da responsabilidade do Homem através do seu livre-arbítrio, e os males físicos, que se devem às leis da natureza.
4. Em relação aos “males morais”: se Deus dá ao Homem a liberdade, seria contraditório que Deus, de modo geral, interviesse directamente nas decisões pessoais e livres dos seres humanos para impôr coercivamente uma determinada conduta moral. Trata-se aqui da aplicação básica do princípio da não-contradição.
5. A liberdade do ser humano para determinar, por si próprio, a sua conduta moral, depende da estabilidade e da regularidade das leis da natureza no macrocosmo. Ou seja, em um mundo macroscópico instável e irregular — do ponto de vista das leis da natureza — seria impossível assacar responsabilidades éticas e morais a quem quer que seja.
6. A adenda ateísta referida no ponto 2, não é racional, porque qualquer explicação dos males do mundo, por muito improvável que seja, é melhor do que nenhuma explicação.
7. Ademais, quem afirma que a existência dos males do mundo é a prova da inexistência de Deus (e sirvo-me, aqui, por uma questão de uma melhor compreensão, da noção teísta de Deus), parte do princípio de que vive num mundo absolutamente positivo — segundo a noção de que o bem se entende por si mesmo, e só o mal constitui um problema. Ou seja, o argumento ateísta pressupõe (ou parte do princípio) que o Ser é positivo — o que vai de encontro à mensagem do Cristianismo.
8. Em função do ponto 7., quem argumenta contra a ideia de Deus ao invocar os males do mundo, só o faz na medida em que aceitou previamente o conteúdo da concepção cristã de Deus.
9. Em relação aos males físicos — doenças, catástrofes naturais, etc. —, estes são consequências das leis da natureza — as mesmas leis da natureza que têm que ser estáveis e regulares para assegurar a liberdade do ser humano. Em termos objectivos, um mundo sem males físicos seria um mundo no qual não seria possível nenhuma responsabilidade moral, nenhuma liberdade ou livre-arbítrio e, por isso, nenhuma concretização de valores humanos.
Em relação à omnipotência e omnipresença de Deus:
10. Os conceitos de omnipotência e de omnipresença de Deus , segundo o Cristianismo, resumem-se basicamente numa noção: a de que “Deus ajuda”. Ou seja, Deus ajuda na medida em que garante a regularidade das leis da natureza que são, por sua vez, a garantia da liberdade moral do Homem, por um lado, e ajuda intervindo sistemática e constantemente no nosso mundo macroscópico por via, ou através, do mundo quântico do microcosmos, por outro lado.
11. Embora as leis da natureza sejam estáveis e regulares, a sua regularidade não é absoluta ou total, na medida em que a força entrópica da gravidade, que determina o nosso mundo macroscópico, depende, em certa medida, da acção da força quântica.
12. Deus intervém, por sua livre vontade e na esmagadora maioria dos casos, nos processos naturais sujeitos às leis da natureza do nosso mundo macroscópico, por via do mundo microscópico e quântico e sem perturbar as nossas expectativas de regularidade das leis da natureza. E quando essa regularidade das leis da natureza é visivelmente reconhecida pelos seres humanos como sendo quebrada ou colocada em causa, estamos em presença de um milagre devido à acção livre de Deus. Isto significa que tudo o que existe é milagre, por um lado, e que só alguns desses milagres são racionalmente percebidos pelos seres humanos, por outro lado.
13. A condição humana depende da regularidade das leis da natureza, em um duplo sentido: por um lado, as leis da natureza (macroscópica) são a condição da própria liberdade do ser humano e da possibilidade de o ser humano evitar os males morais. Por outro lado, essa regularidade das leis da natureza, que garantem a liberdade moral do Homem, estão na base da existência dos males físicos. E esta dupla condição, que depende das leis da natureza, é característica fundamental da existência humana.
14. A vontade de Deus que actua sistemática e constantemente no nosso mundo macroscópico, bem assim como o conteúdo de Deus, são insondáveis a partir do pensamento humano. Porém, este facto não significa que recusemos uma metafísica com o argumento de que não existe uma metafísica.
Este argumento ateísta, tem um viés em Epicuro que por sinal não conhecia as religiões abraâmicas. Ele foi criado para os Deuses de Epicuro.
Nas religiões abraâmicas, existe a idéia de que o ato da criação já foi o primeiro ato de benevolência máxima divina, já devemos agradecer a Deus por existir. Os males naturais e da existência seria consequências desta existência. Na religião de Epicuro, a idéia da criação não era algo tão importante.
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Comentar por shâmtia ayômide — Domingo, 15 Maio 2011 @ 6:50 pm |
Curiosamente a maioria dos que compactuam com este argumento ateísta, flertam fortemente com o niilismo.
Já vi deles dizer que seria melhor não-existir, do que existir com “sofrimento”…,
O argumento convida o homem a trazer a perfeição a este mundo, contudo diante do fato de que o homem não é capaz de realizar o paraíso na terra, o ateísta convida então o homem a se extinguir da face da terra(como os do tipo Peter Singer), assim some o mal de uma vez. Como para eles Deus não existe, o homem então é culpado por não querer ocupar o lugar de Deus. Trata-se de um complexo de édipo.
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Comentar por shâmtia ayômide — Domingo, 15 Maio 2011 @ 6:56 pm |
Seja qual for o argumento ateísta — ou de uma vergôntea epicurista, ou de origem niilista — ele é sempre metafísico; a negação da metafísica é, em si mesma, uma forma de metafísica. Ou seja, o ateísmo entra em contradição sistemática, porque a negação só existe em função da afirmação positiva do Ser.
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Comentar por O. Braga — Domingo, 15 Maio 2011 @ 7:05 pm |
O conhecimento são como brumas que se adessam a medida que se aprofunda nele. Algo que tenho notado é que o ateísmo em si não é propriamente a negação da religião, mas, isto sim, a negação do Deus Judaico-Cristão, pois seria esta a explicação para o Mal que existe no mundo, ou seja, a da Gnose que considera o Deus Revelado como sendo o demiurgo que apriosiona o seu contrário no universo criado.
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Comentar por Carlos Vendramini — Segunda-feira, 16 Maio 2011 @ 11:10 pm |
Mário Ferreira dos Santos,Filosofia Concreta,tese 51:
-A negação,considerada em si mesma,seria nada.
Consequentemente,toda doutrina negativista é falsa.
“A negação é a afirmação da ausência de um modo de ser.Se retiramos da negação a referência ao modo de ser,que é recusado,a negação se esvazia totalmente,e é nada.Por isso as filosofias negativistas tendem fatalmente a alcançar o nada absoluto,porque se alcançam a alguma coisa que não podem negar,terão de confirmá-la como incondionada e absoluta,o que é a refutação do negativismo.Eis porque as filosofias negativistas são absurdas,como o são o agnosticismo,o ceticismo,o nihilismo,o relativismo,etc”
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Comentar por Odonto — Sexta-feira, 20 Maio 2011 @ 4:55 pm |