perspectivas

Domingo, 14 Setembro 2008

A ética do desejo

O João Miranda parte de uma premissa errada:

Tanto os progressistas como os conservadores continuam a acreditar que o casamento é necessário.

Alguém acredita que os progressistas (libertários de direita e de esquerda, isto é, neoliberais e ala esquerda do PS e Bloco de Esquerda) acreditam que “o casamento é necessário”? O João Miranda está a tentar enganar quem? Então o casamento não é necessário para mim (que sou “progressista” e “libertário”) e já é para os outros (a escumalha)?

E depois passa ao “casamento” à la carte:

As regras do casamento e do divórcio devem ser decididas pelos noivos no dia do casamento e não pelo Estado quando o partido do Governo sente necessidade de impor os seus valores à sociedade. Uma pluralidade de valores exige uma pluralidade de contratos de casamento.

Em nome da “pluralidade” vai-se destruindo a unicidade e universalidade ética absolutamente necessárias a uma sociedade; o homenzinho ou é ignorante ou malicioso. Gente desta é perigosa porque em nome da “liberdade” vão legitimando a “ética do desejo” : segundo eles, ética não é mais do que a súmula dos desejos das pessoas que constituem a sociedade ― é a mesma ética que legitimou o nazismo e o comunismo na fase de instalação dos regimes. Se o desejo do cidadão for esdrúxulo e ilegal, há que criar leis que normalizem ética e legalmente a excentricidade do desejo, “desde que não viole o resto da lei” (corrupção progressiva, paulatina e indolor da legalidade ética), e assim se vão mudando as leis rumo à particularização infinitesimal da ética, por forma a acomodar todas as tendências na sociedade, sejam elas as mais aberrantes; e com o desenrolar do processo de involução ético-cultural, acaba-se por se mudarem as leis para que o desejo de uma “minoria activa” se sobreponha a uma “maioria indiferente”, e por mais monstruoso que seja esse “desejo” pretensamente “libertário”, passa a ser legal em nome da “liberdade”.
Esta é “a inversão revolucionária do sujeito e do objecto”: utiliza-se a lógica para inverter os seus valores e premissas, é a lógica ética e legal do partido holandês que defende a legalização da pedofilia. É o utilitarismo levado ao um grau de cinismo tal que se torna execrável.

Por causa do acumular de gente desta é que o país chegou onde chegou. E enquanto esta gente tiver tribuna privilegiada, a coisa tende a piorar.


Adenda: a contradição do João Miranda é notória: aqui já não defende o casamento à la carte. É confome os dias, ou conforme dá jeito; “uma no cravo, outra na ferradura”; ora implicitamente a favor do Bloco negando-o explicitamente, ora explicitamente contra o Bloco contemporizando implicitamente: o melhor é alistar-se de vez — as relações de “amor/ódio” também dão em casamento.

Actualização: sobre a tolerância libertária que acomoda tudo e todos, ler isto (via).

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