perspectivas

Sexta-feira, 18 Outubro 2013

Ser cristão porque se é um céptico radical

Filed under: Ut Edita — O. Braga @ 10:05 am
Tags: , , , , , , ,

 

Eu tive uma educação católica e tive uma experiência pessoal "perto-da-morte", e por isso seria muito difícil eu ter uma concepção materialista da vida e do mundo. Mas o que contribuiu de forma significativa para fazer de mim um cristão foi (e é) o meu cepticismo radical; e, dizendo isto, já vejo alguns "católicos fervorosos" pensar: “Esta criatura ensandeceu! ¿Como é que um céptico radical pode ser cristão?!”.


A realidade da Totalidade é a condição de uma visão realista do mundo.

Em 1982, o físico francês Alain Aspect demonstrou que duas partículas elementares não só comunicam entre si, mas também “viajam” no universo a uma velocidade superior à da luz. Em 1992, um físico alemão e ilustre desconhecido, chamado Günter Nimtz, demonstrou que as partículas elementares podem deslocar-se (pelo menos) a uma velocidade quatro vezes superior à da luz. O que isto significa é que as estórias que os intelectuais contavam — na minha meninice e na minha juventude, na década de 1960 e de 1970 — acerca da teoria da relatividade de Einstein, não passam hoje de estórias da Carochinha. Em bom rigor, Einstein vale hoje tanto como Newton valia na primeira metade do século XX.

Mas o “desastre” não fica por aqui. O que é também importante na experiência de Alain Aspect — e de Nimtz —, é que ficou demonstrado que as leis válidas para aspectos físicos parciais foram anuladas em uma determinada situação. Nós já sabíamos que, nos buracos negros e na singularidade, as leis da física clássica eram anuladas; mas a experiência de Aspect não só alargou o espectro da anulabilidade das leis da física, como tornou essa anulabilidade em um facto vulgar e normal. Ou seja, quaisquer dois vulgares fotões anulam as leis da física clássica!

Em função da experiência de Alain Aspect de comunicação “espontânea” entre duas partículas elementares, e da consequente vulgarização do fenómeno da singularidade no mundo físico, a teoria de potencial quântico de David Bohm ganhou (ainda mais!) consistência. Hoje, deparamo-nos com a seguinte realidade:

Na física clássica, as propriedades e o comportamento das partes determinam o comportamento da Totalidade. Na física quântica, a Totalidade determina o comportamento das partes.

Ora, com a vulgarização universal da singularidade, as leis da física clássica “valem o que valem”: são leis que apenas se justificam para criar uma estabilidade no universo macroscópico que permita, por exemplo, o aparecimento da vida. Do ponto de vista filosófico, as leis da física clássica são epifenómenos, são efeitos de uma realidade causal mais profunda que passa pelo mundo dos quanta e que se escoram na metafísica.

De acordo com as experiências de Alain Aspect, as partículas elementares que alguma vez se encontraram em uma acção recíproca, permanecem partes de um único sistema, sistema esse que reage na sua totalidade às acções reciprocas seguintes. Ou seja, tudo o que podemos ver e tocar, é constituído pela acumulação de partículas elementares que se encontraram alguma vez, em uma acção recíproca, com outras partículas elementares e desde (ou até ao) o Big Bang. O corpo físico dos seres humanos e os objectos fazem parte de um único “sistema integrado”, de uma “rede universal” de partículas elementares.

A esta concepção do universo, D’Espagnat e David Bohm chamaram de Holismo: tudo está ligado a tudo, por um lado, e por outro lado, só é possível explicar o fenómeno das partículas elementares que comunicam entre si a uma velocidade superior à da luz mediante uma visão holística do mundo.

O Holismo significa a visão da Totalidade de um sistema: as partes estão em contacto com a Totalidade. Se tudo o que no Big Bang esteve numa acção recíproca permanece ligado, todas as partículas elementares, em todas as estrelas, e em todas as galáxias, “sabem” da existência de todas as outras partículas elementares.

O físico David Bohm escreveu o seguinte:

“O universo pode assumir a organização dos seus componentes (…) porque a Totalidade, por princípio, é constituída de modo que organiza as partes (…) tudo está ligado entre si através de conjunções invisíveis”.

O que isto também significa é que não podemos isolar uma parte, por um lado, da realidade, por outro lado — como a ciência positivista faz. Não podemos extrair objectos da Realidade, porque essa extracção implica sempre um erro, porque, na realidade, tudo está ligado com tudo. Isto não significa que a ciência não seja uma actividade boa: significa apenas que a ciência é útil ao ser humano como instrumento de sobrevivência no mundo macroscópico em que vivemos.

Mas também não poderemos saber — nunca! — como a Totalidade organiza esses seus aspectos parciais, pela simples razão de que é absolutamente impossível forçar a totalidade do universo a entrar dentro de um laboratório, para se fazer com ele (o universo) uma experiência. Ou seja: como dizia Karl Popper com verdade, a análise da realidade não passa de um conjunto conjecturas, e será sempre um conjunto de conjecturas. Tudo são hipóteses.


A pergunta que devemos fazer é a seguinte: ¿Como devemos compreender a nossa vida e a nossa realidade? ¿O que nos resta, se tudo é efémero e nada é seguro?

Longe vão os belos tempos felizes da Idade Média, em que o pensamento e a fé eram coerentes entre si, e em que uma pergunta inteligente dava azo a uma resposta inteligente. Hoje — e como nunca aconteceu no passado da Humanidade! —, sabemos menos como devemos elaborar um conceito do nosso mundo. Tudo são hipóteses e conjecturas.

As concepções científicas acerca da Natureza são hipóteses da nossa investigação, e a tal ponto que até o materialista Nietzsche chegou mesmo a duvidar da sua (dele) existência! Os cientistas da neurologia dizem que o “Eu” humano é apenas uma hipótese das células nervosas. Hipóteses e conjecturas: nada é verdadeiramente fiável, embora, como escreveu Karl Popper, “é possível admitir o mundo como uma hipótese de trabalho para a ciência da natureza”. Em rigor, não pode ser encontrado uma prova concludente para uma evidência tão simples como a existência de um mundo exterior a nós próprios: Kant chamou a isto o “escândalo da razão”.

Mas se eu me entendo a mim próprio e ao mundo apenas e só como uma “hipótese de trabalho”, ¿onde fica a realidade?!

Antes de mais, temos que saber o que é uma hipótese. O conceito de hipótese só faz sentido se existir uma realidade que comprove a existência da hipótese — sendo a hipótese correcta, ou falsa. E se nada no mundo parcial (o mundo das partes, dos objectos) possui uma realidade fiável, então, pelo menos a Totalidade, da qual a minha vida e o mundo fazem parte, tem que ser real. A realidade da Totalidade garante a realidade das partes e do mundo dos objectos. A realidade que nos rodeia só pode ser deduzida da realidade da Totalidade.
A realidade da Totalidade é a condição de uma visão realista do mundo.

O Cristianismo expressou, embora por outras palavras e indo mais além da imanência, este conceito de Totalidade: a vida e o mundo só tem um ser e um sentido razoável a partir de Deus. O ser humano, o ser da realidade das hipóteses, nada mais é do que uma realidade deduzida a partir de Deus. Foi assim que a realidade entrou racionalmente na minha vida a partir de Deus: as “hipóteses de trabalho” da ciência são agora racionalmente seguras e firmes.

5 comentários »

  1. Estimado Braga.

    Seria adequado dizer que o relativismo é a morte da razão?

    Gostar

    Comentar por George Valadares — Sexta-feira, 18 Outubro 2013 @ 7:02 pm | Responder

    • Temos a seguinte proposição:

      “O relativismo é a morte da Razão.”

      Em primeiro lugar, temos de saber o que significa “relativismo” e o que significa “Razão” (com maiúscula), e depois saber de que forma e em que contexto estes dois conceitos são utilizados.

      “Relativismo” pode ter uma conotação ideológica com a teoria do conhecimento, por um lado, ou com sociologia, por outro lado.

      Na área da teoria do conhecimento, “relativismo” pode ter dois sentidos:

      1/ ou no sentido atribuído pelo sofista Protágoras (sentido este que ainda hoje é utilizado, e cada vez mais está na moda), segundo o qual a verdade é relativa aos indivíduos (“cada um tem a sua verdade”, dizem os ignaros);

      2/ ou no sentido do Positivismo, que defende a ideia segundo a qual a ciência se deve restringir ao relativo, alegando a impossibilidade de um conhecimento empírico absoluto dos princípios e das causas primeiras, e reduzindo toda a realidade a um espectro marcado pelo determinismo de causa-efeito.

      3/ Na sociologia, o relativismo consiste em afirmar que não existem diferenças culturais e de valores entre as sociedades, e critica quem faça juízos de valor acerca das culturas e valores de outros povos.

      No sentido 3/ e no sentido 1/, o relativismo recusa que possam existir quaisquer valores universais, o que significa a negação da ética — porque os valores da ética, quaisquer que sejam, têm que ser universais. Portanto, é mais neste sentido (ético) a que se refere a proposição supracitada.

      Definir “razão” é complicado porque se trata de um conceito alargado, mas podemos definir Razão (com maiúscula) como “a faculdade de combinar juízos de forma a julgar bem” — sendo que “juízo” é:

      “O processo mental que nos permite expressar e afirmar algo, estabelecendo uma relação entre um sujeito (S) e um predicado ( P) por intermédio da cópula (verbo), e estabelecendo relações entre conceitos que podem ser de afirmação ou de negação ou de indefinição. A expressão verbal do juízo é a proposição.”

      Qualquer juízo tem que partir de um princípio que pode estar certo ou errado.

      Em Lógica, chama-se “princípio” a uma proposição colocada fora de discussão no início do raciocínio. Mas na teoria do conhecimento, o “princípio” é a “causa primeira” – por exemplo, Aristóteles define a “sabedoria” como ciência “das primeiras causas e dos primeiros princípios”.

      Portanto, qualquer proposição parte de um princípio, mas este princípio escora-se noutro princípio, e este último ainda noutro que lhe é anterior, e assim sucessivamente, até que se chegue à definição de Aristóteles de “princípio” ou “causa primeira”. Essa causa primeira é o Absoluto. Não existe relativo sem o Absoluto. Portanto, podemos dizer o seguinte:

      Se não existe nenhuma possibilidade de enraizar a ética no Absoluto, todas as reflexões são inúteis e a lógica não existe. A razão humana entendida e concebida sem o Absoluto não é Razão.

      Gostar

      Comentar por O. Braga — Sexta-feira, 18 Outubro 2013 @ 7:40 pm | Responder

  2. Estimado Braga.

    Mais uma vez, muito obrigado por conceder seu tempo e dividir seu conhecimento.

    Abraços.

    Gostar

    Comentar por George Valadares — Sábado, 19 Outubro 2013 @ 2:57 pm | Responder

  3. Excelente texto!
    Você conhece a teoria de Stuart Hameroff e Sir Roger Penrose, segundo a qual a alma é um computador quântico conectado ao universo?
    Eles ” criaram a teoria quântica da consciência, segundo a qual a alma estaria contida em pequenas estruturas (microtúbulos) no interior das células cerebrais.
    Eles argumentam que nossa “consciência” não seria fruto da simples interação entre neurônios, mas sim resultado de efeitos quânticos gravitacionais sobre esses microtúbulos – teoria da “redução objetiva orquestrada” Mais:
    http://hypescience.com/mecanica-quantica-explica-a-existencia-da-alma/

    Gostar

    Comentar por Giovani Marinho — Sábado, 19 Outubro 2013 @ 5:44 pm | Responder

    • Penrose tem várias teorias estranhas, por exemplo, acerca dos buracos negros.

      Essa tese de Penrose não é uma teoria científica propriamente dita, porque uma teoria científica combina e interliga conjuntos de leis e hipóteses explicativas coerentes que permitem deduzir novas leis visando a explicação de novos factos. No caso da tese de Penrose, só há hipóteses, mas não há leis. Portanto, aquilo não é uma teoria científica. E voltamos ao problema das hipóteses que referi no texto…

      Karl Popper escreveu o seguinte acerca das teorias científicas:

      “As nossas teorias científicas, por melhor comprovadas e fundamentadas que sejam, não passam de conjecturas, de hipóteses bem sucedidas, e estão condenadas a permanecerem para sempre conjecturas ou hipóteses” – Karl Popper, em conferência proferida em 8 de Junho de 1979 no Salão Nobre da Universidade de Frankfurt , por ocasião da atribuição do grau de Doctor Honoris Causa

      Porém, a tese de Penrose pode ser considerada, com muita boa vontade, uma teoria filosófica — o que é diferente de uma teoria científica. Penrose entra pela metafísica adentro, e que eu saiba, metafísica não é ciência no sentido positivista.

      Em Filosofia, uma teoria é o conjunto de teses que formam um sistema em determinado domínio (por exemplo, a teoria dos animais-máquina de Descartes), que eventualmente pode evoluir para uma doutrina e, em alguns casos, acaba em dogma.

      A teoria filosófica dos animais-máquina de Descartes assemelha-se muito, nas suas características, à teoria de Penrose dos microtúbulos no interior das células cerebrais.

      O problema é que Penrose não sabe uma merda de bioquímica, porque se soubesse alguma coisa de bioquímica, saberia que os microtúbulos só existem dentro das células nervosas dele. Penrose não se deveria meter em assuntos que desconhece, porque corre o risco de dizer asneiras.

      Se alguém perguntasse a opinião, por exemplo, do famoso bioquímico Michael Behe acerca da teoria de Penrose dos microtúbulos dentro das células vivas, e que seriam alegadamente “a residência da alma”, Behe seria certamente educado e apenas esboçaria um sorriso complacente.

      Além disso, a nova teoria dos animais-máquina de Penrose não explica como surgiu o universo. Por muito que ele tenha razão, os microtúbulos dele teriam que ter origem em qualquer lado para além do universo.

      Adenda: Ver o que é a Teoria da Identidade

      Gostar

      Comentar por O. Braga — Sábado, 19 Outubro 2013 @ 8:52 pm | Responder


RSS feed for comments on this post. TrackBack URI

AVISO: os comentários escritos segundo o AO serão corrigidos para português.