perspectivas

Sábado, 10 Janeiro 2009

Olavo de Carvalho e o cientificismo

Quando o português António Damásio escreveu “O Erro de Descartes”, ele não quis colocar o filósofo francês na perspectiva do seu tempo, ao contrário de Ortega Y Gasset que criticou Descartes embora inserindo-o na sua circunstância temporal ― e o espanhol fez isso para defender a sua tese existencialista: “eu sou eu e a minha circunstância, e por isso, preciso de viver agindo e controlando essa circunstância”, defende Gasset.

Quando Damásio escreveu o seu livro, ele quis afirmar a autoridade daquilo a que já chamei aqui de “Novo Clero” constituído por gente de bata branca (em substituição da batina do sacerdote) que trabalha em laboratórios universitários e em consultórios médicos.

Ainda há pouco tempo, para se fazer parte do clero, um homem frequentava o seminário (do latim seminarium, significa “sementeira”). Hoje, para se ser sacerdote do “Novo Clero”, frequentam-se as “sementeiras” politicamente correctas dos cursos de biologia, bioquímica ou medicina. A diferença entre o Novo Clero e o Velho Clero é que este último pretendia racionalmente vencer a dúvida utilizando a filosofia ― e a teologia através da fé ―, enquanto que o primeiro pretende vencer a dúvida através da “certeza” empírica concentrada somente numa ínfima parte da realidade.

Este texto de Olavo de Carvalho é excelente; desde logo porque coloca (em sentido figurado; os maus livros também fazem falta) o livro de Damásio no lixo, e apenas utilizando menos de 1000 palavras.


Não há nenhuma mente racional que não critique o tema de uma discussão que aconteceu no ano 584 d.C., na localidade de Macon, perto de Lyon, em França. Reuniu-se ali um Concílio da Igreja Católica (o Concílio de Macon) em que estiveram presentes 43 bispos e 20 homens em representação de outros tantos bispos ausentes, e todos eles decidiram que a Mulher tinha alma humana, por 32 votos a favor e 31 votos contra. Por uma questão de um só voto, a Mulher correu o risco de ser considerada um animal irracional.

Contudo, uma análise racional do tema de discussão do Concílio de Macon deve colocá-lo na sua perspectiva histórica e sobretudo alertar-nos para as “certezas humanas” sobre a realidade. Porém, o Homem não aprendeu e continua a emitir as suas “certezas”, desta feita com o “Novo Clero” de bata branca, e estetoscópio ao peito que substitui o crucifixo.

Apesar das suas limitações de conhecimento, os homens reunidos em Macon utilizaram a dialéctica, a lógica e a razão para chegarem à conclusão acertada de que a Mulher tinha alma humana, como o Homem a tem. O problema da “ciência” é que se coloca, muitas vezes, como um dogma imune a qualquer discussão racional, e é esse dogma que sustenta o “Novo Clero” frente a uma opinião pública extasiada pelos “milagres” da Técnica.

O “Novo Clero” darwinista tem, amiúde e em termos relativos, tomadas de posição mais irracionais sobre as suas “certezas” do que a irracionalidade da incerteza sobre a alma da Mulher questionada por aquele Velho Clero reunido em Macon em plena Alta Idade Média.

O “Novo Clero” abortista tem a “certeza” de que o embrião humano não tem alma, e por isso consegue ser mais irracional do que o clero medieval de Macon que, apesar da sua ignorância científica, teve o bom-senso e racionalidade de se decidir pela existência de alma na Mulher ― o que significa que a Igreja Católica atribuiu oficialmente à Mulher, já desde o ano de 584, a mesma dignidade atribuída ao Homem, embora através de uma discussão polémica com um resultado tangencial. Em pleno século XX, o “Novo Clero” cientificista decidiu a “certeza” de que o embrião humano não tem alma, e portanto, não merece a dignidade humana.


« (…) o objecto de cada ciência é uma construção hipotética erigida dentro de um recorte mais ou menos convencional dessa totalidade. »

A observância de uma repetição dum determinado efeito em relação a uma causa prova apenas que determinado efeito ocorre parcialmente em determinada circunstância, e não há nada que possa provar que essa causalidade tenha o mesmo efeito em todo o Universo (Totalidade). Pelo contrário, o princípio de Heisenberg (1) define que “causalidade não é possível de uma forma consistente”, isto é, a causalidade “científica” rigorosa não existe.

Como resultado prático da fórmula de Heisenberg, é teoricamente impossível fazer a observação de um electrão e simultaneamente definir a sua posição; ou se faz a sua observação (tempo), ou se define a sua posição (espaço) ― isto é, numa observação de um electrão, ou se define o tempo ou o espaço que ele ocupa, e não as duas coisas simultaneamente (princípio da incerteza de Heisenberg).

Mais: a própria tentativa de observação empírica de um fenómeno interfere com a sua natureza, alterando a autenticidade dos resultados obtidos. Mais ainda: a Física Quântica diz-nos que o princípio de Heisenberg aplica-se não só no microcosmos mas também no macrocosmos, só que neste último a percepção empírica humana é confundida pela sua inserção e participação nos próprios fenómenos. Acontece que a dedução científica utilizando a matemática, é sempre baseada em dados empíricos “a priori” adquiridos desta forma, isto é, constrói-se assim um “castelo” dedutivo baseado em fundações que incorporam apenas um recorte da totalidade.

Os verdadeiros cientistas têm a consciência de que a ciência “é uma construção erigida dentro de um recorte mais ou menos convencional da totalidade”, mas estão condenados ao silêncio para não perderem os seus lugares de cátedra. O cientificismo é a manipulação política da ciência, e o que estamos a assistir a nível mundial é à dogmatização da ciência pela política que utiliza o “Novo Clero” cientificista para disseminar o dogma da “certeza” cientificista.
“Cientistas” como Damásio “venderam a alma ao diabo”, trocaram a Razão pelo sucesso de uma carreira profissional nos “States”, aprovada pela política correcta que controla os meios académicos.

« O apego à autoridade da “ciência”, tal como hoje se vê na maior parte dos debates públicos, não é senão a busca de uma protecção fetichista, socialmente aprovada, contra as responsabilidades do uso da razão. »

A aprovação social contra as responsabilidades do uso da razão é promovida pela política controlada pela Utopia Negativa reformulada, actualizada e adaptada utilizando a manipulação da ciência. Quanto mais o ser humano se afasta da Razão, desresponsabilizando-se em relação a ela, mais caminha para a escravidão naturalmente imposta pela irracionalidade. A estratégia política do cientificismo é exactamente o controlo da Humanidade pela política correcta que passa pela imposição do dogma cientificista que inibe a responsabilidade do uso da razão, estratégia essa definida nos areópagos internacionais por uma elite que se prepara para erigir, a nível global, o mais violento totalitarismo que a Humanidade alguma vez presenciou.



(1)


Esta é a conhecida fórmula de Heisenberg, escrita em 1925, em que Dx é a incerteza da posição de um electrão em determinado momento, e em que Dp é a incerteza do próprio momento. A constante h é a “constante de Max Planck”, e ћ é a “constante reduzida” de Planck. Naturalmente que Pi ( л ) = 3, 141618…

A verdadeira ciência demonstra a incerteza da ciência.



Adenda: é pena que os livros de Olavo de Carvalho não existam nos escaparates das livrarias portuguesas. Se queremos um livro dele, temos que o mandar vir do Brasil.


Adenda 2:

Recebi neste postal um comentário que reza assim (sic):

«Esta gente pode ter lido o livro do Antonio Damásio, mas não o percebeu. Ele nunca disse que nao se devia deixar de usar a razaõ…apenas que as nossas decisões nao sao tao racionais qt temos a mania que são. Mostra isso com dados, não com wishful thinking. Querem ser totalmente racionais? É fácil, transformem-se em máquinas.»

Um dos problemas do nosso tempo é que as pessoas estudam nas universidades mas não aprendem a interpretar um simples texto. Quem não percebeu patavina do livro de Damásio foi o leitor que escreveu o comentário; podem ver aqui (PDF) a crítica ao livro de Damásio feita pela filósofa portuguesa Maria de Jesus Fonseca.
As divagações de Damásio sobre a Razão não constituem o Leitmotiv do livro; o que Damásio quis ao escrever o seu livro foi atacar o dualismo cartesiano, e com isso, consagrar o dogma cientificista do “Novo Clero”. Porém, Maria de Jesus Fonseca desmonta o conteúdo ideológico do livro de Damásio de uma forma sistemática; Olavo de Carvalho faz o mesmo nesse seu artigo ― embora não fosse essa a sua intenção imediata ― recorrendo a princípios gerais e básicos sobre a Razão.

A ideia de que “a Razão é atributo das máquinas” revela a ignorância sobre o que é a Razão e de como ela surgiu no contexto filosófico ― para além de que se pretende justificar assim a inibição do uso da razão imposta pelo cientificismo: “se a razão é característica das máquinas, a irracionalidade torna-se natural, consentânea e até adequada à realidade humana”. Assim, nivela-se por baixo, impõe-se ao ser humano o paradigma do instinto, que é exactamente o que a elite cientificista do “Novo Clero” pretende.
Ademais, parece-me que as pessoas não se deram ao luxo de ler o artigo de Olavo de Carvalho; ou se o leram, não o perceberam.


Quanto ao princípio de Heisenberg aplicado ao macrocosmos, pode-se ler aqui (PDF) um artigo que “saquei” ontem na Internet (num dos links que estão no meu comentário abaixo) e que corrobora a teoria da filosofia quântica ― e sobre este assunto eu já escrevi bastamente neste blogue; p.f. fazer uma busca no blogue sobre a palavra-chave “Huxley” ― de que o princípio de Heisenberg se aplica ao macrocosmos, embora a nossa percepção seja desvalorizada, isto é, a separação da nossa percepção em relação àquilo a que se convencionou chamar de “leis da natureza”, não é mais do que uma simplificação utilizada pela metodologia científica (que se dedica a uma parte da totalidade). A partir destas premissas, o epifenomenalismo tradicional de Huxley e de Damásio passou à história ― embora esta teoria quântica continue a pensar que a consciência é fruto do cérebro, o simples de facto de a consciência assumir um papel de interrelacionamento no mundo físico, desmonta a tese epifenomenalista tradicional segundo a qual o pensamento (consciência) é um subproduto do cérebro que não tem uma função causal no mundo físico.

Tudo aponta para que a “consciência”, aka “Ondas Quânticas”, esteja na origem do universo (totalidade).

7 comentários »

  1. Conheci o António Damásio. Excelente cabecinha que estava a ser lixado pelo «establisment» neurológico da época, neste país. Por isso emigrou. Talvez a sua posição «philosophica» se deva a sua mulher — Hanna — judia, filha de foragidos do III Reich. Por detrás de um grande homem está uma grande mulher. Neste caso, Hanna é quem mandava e mandou.

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    Comentar por me — Domingo, 11 Janeiro 2009 @ 9:19 am | Responder

  2. “A estratégia política do cientificismo é exactamente o controlo da Humanidade pela política correcta que passa pela imposição do dogma cientificista que inibe a responsabilidade do uso da razão…”

    Ouro.

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    Comentar por fenéco — Domingo, 11 Janeiro 2009 @ 8:01 pm | Responder

  3. Aconselho uma visita visita aqui: http://dererummundi.blogspot.com/2007/06/o-princpio-da-incerteza.html

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    Comentar por matrix — Segunda-feira, 12 Janeiro 2009 @ 2:11 am | Responder

    • @ Matrix:

      Dispenso o seu conselho porque desse blogue pode esperar-se tudo.
      Aconselho eu :

      http://pt.wikipedia.org/wiki/Princípio_da_incerteza_de_Heisenberg

      «Resumidamente, pode-se dizer que tudo se passa de forma que quanto
      mais precisamente se medir uma grandeza, /forçosamente/ mais será
      imprecisa a medida da grandeza correspondente, chamada de *canonicamente
      conjugada*

      Algumas pessoas consideram mais fácil o entendimento através da
      analogia. Para se descobrir a posição de uma bola de plástico
      dentro de um quarto escuro, podemos emitir algum
      tipo de radiação e deduzir a posição da bola através das ondas que
      “batem” na bola e voltam. Se quisermos calcular a velocidade de um
      automóvel, podemos fazer com que ele atravesse dois feixes
      de luz , e calcular o tempo que ele levou entre
      um feixe e outro. Nem radiação nem a luz conseguem interferir /de modo
      significativo/ na posição da bola, nem alterar a velocidade do
      automóvel. Mas podem interferir muito tanto na posição quanto na
      velocidade de um elétron, pois aí a diferença de tamanho entre o fóton
      de luz e o elétron é pequena. Seria, mais ou menos, como fazer o
      automóvel ter de atravessar dois troncos de árvores
      (o que certamente alteraria sua velocidade), ou
      jogar água dentro do quarto escuro, para deduzir a
      localização da bola através das pequenas ondas que baterão no objeto e
      voltarão; mas a água pode empurrar a bola mais para a frente, alterando
      sua posição.»

      O que eu escrevi foi uma versão simplificada do que está ali.

      http://www.aip.org/history/heisenberg/

      http://en.wikipedia.org/wiki/Uncertainty_principle

      +++++++

      The measurement of a quantum entity is a process which projects quantum uncertainty into the macrocosm.

      +++++
      http://www.allbusiness.com/science-technology/physics/10200009-1.html

      Nobody will argue that a sunrise and other such phenomena, events in a macrocosm, are perceived by all people equally. But in a microcosm this is not so. Perception of the invisible world of electrons is not whole or complete and therefore depends on the level of our scientific knowledge. But that knowledge is connected to our consciousness.It becomes clear then why the consciousness of the observer finds itself a place in quantum physics.

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      Comentar por O. Braga — Segunda-feira, 12 Janeiro 2009 @ 2:10 pm | Responder

  4. Ok, Orlando, ficamos assim. Fiz uma cadeira baseada em quântica, teoria de cordas/tudo, com profs do LIP e está toda errada! Boa semana!

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    Comentar por matrix — Segunda-feira, 12 Janeiro 2009 @ 3:59 pm | Responder

    • Ficamos assim. Einstein também disse que Heisenberg estava errado, e foi
      Nobel. Parabéns pela seu alvará de inteligência. O conteúdo dos links
      estão todos errados.

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      Comentar por O. Braga — Segunda-feira, 12 Janeiro 2009 @ 4:13 pm | Responder

  5. Este postal foi actualizado (informação para quem subscreveu os comentários).

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    Comentar por O. Braga — Terça-feira, 13 Janeiro 2009 @ 2:37 pm | Responder


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