perspectivas

Terça-feira, 14 Julho 2015

A Ideologia de Género, Kant e o romantismo

 

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Kant é culpado. Mas isso não significa que Kant seja culpado de tudo. Em vez de “bisneta legítima”, eu diria que a Ideologia de Género é “bisneta ilegítima” — ou seja, bastarda — de Kant. Mas, por outro  lado, diria que a Ideologia de Género é neta legítima do romantismo.  Ou seja, a Ideologia de Género tem muito mais a ver, por exemplo, com Rousseau do que com Kant.

romantismoO romantismo foi a revolta contra os padrões éticos e estéticos aceites na Europa, por intermédio da valorização da emoção e desvalorização da razão. Nos românticos, o erro não é considerado do foro psicológico, mas antes é atribuído a um qualquer padrão de valores. Admiram as paixões fortes, sejam quais forem — ódio, ressentimento, ciúme, remorso, etc.; basta ler Camilo Castelo Branco para se ter uma ideia do movimento romântico.

No romantismo, o Homem tornou-se gregário e social, mas apenas por interesse: instintivamente — o romantismo coloca o instinto a par (no mesmo nível) da razão — o Homem (o indivíduo) permaneceu solitário. O romantismo é anti-civilização: o hábito de renunciar a desejos prementes e satisfações presentes para satisfações futuras é considerado penoso (pelo romantismo); e quando as paixões despertam, as restrições prudentes do comportamento social são insuportáveis. O romantismo está na base do Existencialismo; o conceito de carpe Diem, antes de ser existencialista, é romântico.

A revolta dos instintos solitários contra as restrições é a chave da filosofia, da política, e os sentimentos não só do chamado movimento romântico, mas também da sua progénie até hoje. Vivemos hoje uma ressurreição do romantismo na cultura ocidental. A Ideologia de Género é neta do romantismo.

O romantismo, sob influência do idealismo alemão, tornou-se solipsista; e este solipsismo foi proclamado princípio fundamental da ética. O movimento romântico, na sua essência, visa libertar a personalidade humana de convenções e moralidade sociais. A Igreja Católica conseguiu, em certa medida, domar o romantismo; mas causas económicas, políticas e intelectuais estimularam a revolta contra a Igreja, e o movimento romântico levou a revolta à esfera da moral — animando um “Eu sem lei”, o romantismo tornou impossível a cooperação humana, e deixou a prole romântica na alternativa entre a anarquia e o despotismo.

Ora, não há quase nada em Kant que seja romântico (se exceptuarmos a “Paz Perpétua”); não podemos dizer que Kant tenha sido um romântico. Se é verdade que o princípio da autonomia de Kant defendeu a liberdade negativa, também é verdade que defendeu a liberdade positiva. Para Kant, o Homem não é um animal solitário, e enquanto a vida social existe, a auto-realização não pode ser princípio supremo da ética (imperativo categórico).


Disclaimer:

O facto de eu não concordar, aqui e ali, com algumas posições de Olavo de Carvalho, não significa que eu esteja contra ele. Pelo contrário, significa que a minha posição crítica está na base da minha concordância em relação à maioria das posições dele.

4 comentários »

  1. […] A Ideologia de Género, Kant e o romantismo […]

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    Pingback por Ideologia de Género - Sofos — Terça-feira, 14 Julho 2015 @ 9:54 am | Responder

  2. Sabe o que é triste em teu disclaimer? é que sem ele, você corria risco de virar alvo dos olavistas d’hoje em dia…

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    Comentar por Vitali Siilva — Quarta-feira, 15 Julho 2015 @ 1:04 am | Responder

  3. Olavo fala sobre a epistemologia kantiana, não sobre a ética. Princípio de identidade.

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    Comentar por A.K Carvalho — Sábado, 9 Novembro 2019 @ 3:58 pm | Responder

    • ¿O que é o “princípio de identidade”?

      É o princípio fundamental segundo o qual uma mesma proposição não pode ser, ao mesmo tempo, verdadeira e falsa, e sob a mesma relação — e enuncia-se A = A..

      Atenção: você não deveria confundir Kant, por um lado, com os românticos e/ou idealistas alemães (por exemplo, Fichte, ou Hegel), por outro lado. Quando você mete Kant no mesmo saco dos idealistas alemães, chega a conclusões erradas.

      Não há nada na epistemologia de Kant que sustente aquela proposição de Olavo de Carvalho.

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      Comentar por O. Braga — Segunda-feira, 11 Novembro 2019 @ 7:06 pm | Responder


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