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Terça-feira, 7 Outubro 2008

Neoliberalismo não é Liberalismo; o primeiro, como ideologia política, é exactamente o contrário do segundo

Filed under: economia,Política — O. Braga @ 3:10 pm
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Adam Smith

Adam Smith

Toda a ideologia política tende para um totalitarismo. Este é um facto científico que não pode ser desmentido. O neoliberalismo não foge à regra.

Com a crise do Subprime ficaram expostos dois factos: o primeiro, a falência do neoliberalismo como ideologia política ― o neoliberalismo segundo a “escola austríaca” ― que ganhou uma supremacia no “mainstream” a partir de meados dos anos 70 do século XX, e com ele, este modelo de globalização política.
O segundo, o facto de que quem pretendeu misturar o “neoliberalismo” com o “liberalismo económico” já não tem argumentos a que se agarrar, e coloca, de forma injusta, o liberalismo económico em cheque.

Confunde-se “neoliberais” com “neoconservadores” (neocons), que é outra “confusão” do nosso tempo, desta feita promovida pelos movimentos marxistas. Um neoliberal não é necessariamente um conservador ― pelo contrário: existe no neoliberal uma grande dose da “mente revolucionária” que se descreve aqui. O neoliberal é essencialmente um libertário e, portanto, um revolucionário, assim como é um revolucionário um marxista cultural.

Ao contrário do neoliberal ― que não necessita da democracia (veja-se o caso da China) e de uma sociedade com uma ética universal aceite (por exemplo, Hayek desvalorizou a “tradição”) , para impor o seu modelo ideológico ― o “liberal económico” é eminentemente conservador na medida em que acredita na necessidade da estabilidade das instituições sociais em geral (religiosas, políticas e tradicionais) como base “sine qua non” para que a economia de mercado estável e sustentada se desenvolva.

Em suma: o liberal dá muita importância à qualidade da cultura de uma sociedade; o neoliberal despreza o tipo de cultura de uma sociedade.
Para o neoliberal, a economia de mercado é um meio para se atingirem objectivos ideologicamente definidos, enquanto que para o liberal económico, a economia de mercado é um fim em si mesma.
A grande contradição do neoliberalismo hayekiano é que é contra o “planeamento central” da economia, ao mesmo tempo que define (planeia) ideologicamente os objectivos (teleologia da economia) para onde deve caminhar essa mesma economia. O liberalismo económico não tem nada a ver com isto.

Friedrich Hayek

Friedrich Hayek

O “liberalismo económico” é apenas uma teoria económica que nunca pretendeu arrogar-se detentora de verdades existenciais acerca da natureza humana. O liberalismo económico é empírico: constata apenas as características ontológicas da natureza humana e não pretende fazer análises sobre as causas dessa natureza, nem pretende construir a ideia de um futuro como sendo “os amanhãs que cantam”, como fazem todas as ideologias políticas ― neoliberalismo incluído.

Da mesma forma que Karl Marx anunciou “o Fim da História” depois de ter escrito o “Manifesto”, o neoliberal Francis Fukuyama anunciou “o Fim da História” quando escreveu o livro “O Fim da História e o Último Homem”, depois da queda do muro de Berlim ― o que traça um flagrante paralelismo ideológico antropocêntrico entre o neoliberalismo e o marxismo.

Hayek escreveu o seu livro “Road to Serfdom” em 1944, quando o seu país de origem (a Áustria) estava tomado pelo nacional-socialismo, que como o próprio nome diz, é um socialismo que nacionalizou os meios de produção, e aqueles que não foram nacionalizados estava sujeitos a uma disciplina de Estado que os impedia de produzir e vender livremente. Portanto, o livro de Hayek tem uma história que não pode ser esquecida ― foi consequência de uma determinada situação política.

Em nome de uma pretensa flexibilidade na economia, o neoliberalismo torna-se inflexível, ao contrário do velho “liberalismo económico” que não tem tabus. O liberalismo económico, não sendo uma ideologia política, está aberto a todas as possibilidades, incluindo a intervenção do Estado quando necessária, que é o que está a acontecer neste momento em diversas economias do mundo. Ao contrário do neoliberalismo, o liberalismo económico não tem dogmas.

Hayek não compreendeu a ideia de que o ser humano pode existir como um ser individual e como um membro da sociedade; para ele, esta dupla dimensão do ser humano não existe. A partir do momento em que o ser humano passa a ser visto como membro de uma sociedade ― segundo Hayek ― submete-se ao “planeamento central” da economia; portanto, Hayek entra claramente num maniqueísmo que é próprio das ideologias, com a adopção dogmática do princípio aristotélico do “terceiro excluído”.

Para Hayek não existem “direitos sociais”, mas apenas “direitos negativos”. Aqui, Hayek aproxima-se do conceito de “justiça negativa” dos marxistas culturais, que retira direitos a uns cidadãos para dar direitos acrescidos a outros cidadãos, que são considerados como sendo “cidadãos especiais”. Para Hayek, o “cidadão especial” é aquele que se distingue pela “lei do mais forte” e pela ausência de escrúpulos (ambas as características invariavelmente associadas).

Existe também muito de Rousseau e Hume na filosofia de Hayek ― o retorno do ser humano ao “homem natural” não contaminado pela cultura (a utopia de Rousseau que ele próprio a considerou como tal, e portanto, impossível de existência), e o cepticismo de Hume quanto ao real valor da sociedade humana organizada. É na mistura das influências filosóficas ― caldo ideológico ― que Hayek adoptou que se tornam claros os contornos ideológicos (totalitários) da sua teoria: o totalitarismo da liberdade absoluta.

Em contradição com a ideia adoptada por Hayek do “homem natural” de Rousseau, despido de cultura (“cultura” que para Hayek é um mero “conjunto de tradições”), Hayek rejeita liminarmente o Jusnaturalismo (Direito Natural) porque pretende separar o seu conceito de justiça de algo que esteja estabelecido pela própria natureza do universo; é neste sentido (também) que Hayek pode ser considerado como uma mente radical e mesmo irracional. Portanto, Hayek “dá” sistematicamente “com uma no cravo e outra na ferradura”, consoante o seu interesse, e sem dar grande importância às suas próprias contradições.

É difícil distinguir a “ideologia neoliberal” do “liberalismo económico” quando não se conhece a história do pensamento europeu; a verdade é que o neoliberalismo e o liberalismo económico não são a mesma coisa.

14 comentários »

  1. Destaco:

    «Em nome de uma pretensa flexibilidade na economia, o neoliberalismo torna-se inflexível, ao contrário do velho “liberalismo económico” que não tem tabus. O liberalismo económico, não sendo uma ideologia política, está aberto a todas as possibilidades, incluindo a intervenção do Estado quando necessária, que é o que está a acontecer neste momento em diversas economias do mundo. Ao contrário do neoliberalismo, o liberalismo económico não tem dogmas.»

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    Comentar por Henrique — Terça-feira, 7 Outubro 2008 @ 9:25 pm | Responder

  2. O neoliberalismo é, como já ouvi, um neofascismo.

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    Comentar por cap — Quarta-feira, 8 Outubro 2008 @ 1:10 am | Responder

  3. ai achei o assunto do liberalismo nata 1000,

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    Comentar por beatriz — Quarta-feira, 6 Maio 2009 @ 7:07 pm | Responder

  4. Texto muito confuso…

    Vc sabe o que é direitos negativos?

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    Comentar por Fernanda — Quarta-feira, 23 Setembro 2009 @ 5:24 pm | Responder

  5. @ Fernanda:

    Ver : http://wp.me/p2jQx-3iu

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    Comentar por O. Braga — Quarta-feira, 23 Setembro 2009 @ 9:58 pm | Responder

  6. “há muito por fazer nos direitos políticos”, afirmou o responsável do MEP (Movimento Esperança Portugal), defendendo que residentes a partir do quinto ano, mesmo sem nacionalidade portuguesa, deveriam poder votar para integrarem a comunidade política.

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    Comentar por - — Segunda-feira, 30 Maio 2011 @ 5:07 pm | Responder

  7. Há aqui pelo menos duas confusões ao meu ver: um neocon não é de modo algum um conservador; um neoliberal acredita que o subprime nasce da própria intervenção do estado na economia (o crédito foi de facto incentivado e artificialmente gerado pelo Estado). Nenhum neo liberal é a favor da forma como o crédito é injectado na economia.

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    Comentar por Pedro Moreira — Quarta-feira, 1 Junho 2011 @ 2:58 am | Responder

    • “Há aqui pelo menos duas confusões ao meu ver: um neocon não é de modo algum um conservador”

      Onde é que você viu aqui escrito por mim, neste texto, que “um neocon é um conservador” ?

      “um neoliberal acredita que o subprime nasce da própria intervenção do estado na economia”

      Esta sua frase faz-me lembrar a idiossincrasia dos marxistas: a culpa dos fracassos e das contradições nunca é da ideologia marxista, mas é sempre dos factos e dos acontecimentos.

      Como o Estado tem sempre um papel a desempenhar na economia, por muito pequeno que seja esse papel, a culpa de qualquer crise económica será sempre atribuída ao Estado. Ou seja: das duas, uma: ou Hayek (Karl Marx) foi mal interpretado e deturpado (argumento clássico), ou Hayek (Karl Marx) não tem culpa dos acontecimentos e dos factos.

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      Comentar por O. Braga — Quarta-feira, 1 Junho 2011 @ 9:01 am | Responder

  8. 1. Desculpe, de facto li mal. My bad!
    2. Não sendo libertário, vou tentar explicar o ponto libertário (e ser o mais credível possível):
    Para um libertário, os subprimes nascem da injecção do dinheiro emprestado pelo banco central nos outros bancos, que eles próprios emprestam aos particulares. Se esse dinheiro fosse indexado a um padrão ouro e que não houvesse portanto possibilidade que ele seja criado do nada para depois ser injectado, não teria havido uma bolha especulativa enorme que teria rebentado ao fim de algum tempo (o preço das casas não pode ficar alto para sempre).
    Para um neo liberal (ou libertário, você concorda comigo que é muito do mesmo), essa criação de moeda leva sempre a bolhas especulativas enormes que rebentam em crises. A própria crise de 29 nasceu (nós o sabemos hoje graças a Friedman) de um excesso de criação de moeda, que levou à tal especulação desenfreada e ao ciclo vicioso do “empresta-investe”.
    Portanto, um neo liberal não identifica-se com o actual sistema económico americano porque esse utiliza ideias claramente Keynesianas (inflação controlada) para chegar aos seus fins. E quando ele vê uma crise, atribui essa crise ao modelo Keynesiano e nunca ao modelo neo liberal.

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    Comentar por Pedro Moreira — Quinta-feira, 2 Junho 2011 @ 3:42 am | Responder

    • “Os subprimes nascem da injecção do dinheiro emprestado pelo banco central nos outros bancos,”

      O Federal Reserve dos Estados Unidos é privado, e ninguém sabe bem quem são os seus donos.

      “Se esse dinheiro fosse indexado a um padrão ouro”

      Foi o Federal Reserve, Banco privado, que aboliu o padrão ouro (salvo erro) em 1972.

      “Portanto, um neo liberal não identifica-se com o actual sistema económico americano porque esse utiliza ideias claramente Keynesianas (inflação controlada) para chegar aos seus fins.”

      Eu também não me identifico com Keynes, o que não significa que me identifique com Hayek. A maior parte dos neoliberais adora Hayek mas faz de conta que von Mises nunca existiu. Ora, entre Von Mises e Hayek há grandes diferenças na filosofia no que diz respeito à aplicação prática da teoria económica.

      Eu digo o seguinte: simpatizo com von Mises, não gosto de Hayek. Aliás, os dois homens viveram de relações cortadas a partir de determinado momento das suas vidas, e por divergências ideológicas profundas que se reflectiram no relacionamento pessoal.

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      Comentar por O. Braga — Quinta-feira, 2 Junho 2011 @ 11:58 am | Responder

  9. Hmm, a federal reserve é supostamente privada, mas tem algum controle do Congresso. O seu próprio presidente é apontado pelo presidente dos EUA.
    Segundo os libertários, a federal reserve desindexou o padrão ouro (que não o era propriamente porque o dólar estava apenas indexado a 10%) para o Estado poder produzir mais dinheiro e financiar as suas medidas.

    Facto é que os libertários andam por ai a gritar “stop the FED” porque muitos acham que ele tem medidas quase socialistas. Para eles, enquanto os EUA não tiverem uma política de poupança estilo Hayek (e Misses) e não consumo tipo Keynes, então os EUA vão estagnar num ciclo de crises cíclicas que não acaba.

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    Comentar por Pedro Moreira — Quinta-feira, 2 Junho 2011 @ 5:28 pm | Responder

  10. A Federal Reserve selecciona uma lista de candidatos para o presidente escolher — o que é muito diferente daquilo que o Pedro afirmou. Uma coisa é eu poder escolher o que quiser; outra coisa é eu poder escolher aquilo que os outros querem. Certo ou errado?

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    Comentar por O. Braga — Quinta-feira, 2 Junho 2011 @ 6:16 pm | Responder

  11. Parece-me que este debate está enviesado à partida, se me permitem esta pequena arrogância.
    Parece-me também que o artigo é muito bom e dá uma perspetiva interessante do assunto. Pode ser que não seja completamente correcto atribuir-se as crises do sub-prime ao neoliberalismo, mas ainda assim não andaremos tão longe da verdade. O facto é que se o funcionamento “monetário” do sistema é inspirado maioritariamente na teoria keynesiana o funcionamento da economia produtiva e financeira está entregue à doutrina neoliberal, e até a regulação do estado na economia tem ajudado a esse desígnio, ao contrário do que à partida se possa pensar. Pois o nivelamento cultural, o desprezo pela diversidade, a globalização à força de bombas e buldozzers, o espezinhamento dos trabalhadores, a veneração do capital abstracto, etc etc, são os factores que realmente interessam na crítica do neo-liberalismo. Daí que seja importante sublinhar, como diz o artigo, que o neo-liberalismo é uma ideologia: que tem uma visão e um projecto para o mundo, e não é uma simples teoria económica.

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    Comentar por mephistos Kuriolènes (@mephistos_fx) — Quinta-feira, 5 Janeiro 2012 @ 1:50 am | Responder

  12. @ Mephistos:

    Temos que ir às causas, e não só constatar e analisar os efeitos. Eric Voegelin escreveu o seguinte:

    “Quando o episteme (conhecimento científico) está arruinado, os homens não param de falar sobre a política; mas agora expressam-se em modo de doxa (opinião)”.

    A opinião — a doxa — não procura as causas das coisas ou dos acontecimentos; a opinião, em política, expressa-se como se não existisse nem passado e nem uma sequência causal dos fenómenos sociais e culturais. Em contraponto, o episteme, em política, é a procura de um nexo causal dos fenómenos sociais e culturais.

    O intervencionismo estatal, segundo Keynes, é influenciado pelo socialismo fabiano. O Neoliberalismo segundo Hayek, é o império do mercado utilitarista; é antes de mais, uma filosofia política.

    A diferença entre um conservador e um liberal

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    Comentar por O. Braga — Quinta-feira, 5 Janeiro 2012 @ 9:35 am | Responder


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