perspectivas

Quinta-feira, 4 Outubro 2007

Importamos desemprego

Filed under: Europa,Portugal — O. Braga @ 2:08 pm
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Os portugueses ficaram a saber que o desemprego em Espanha e na Europa diminui, e que em Portugal aumenta. Depois, temos os comentadores na área económica nos me®dia a tentar tornear a explicação óbvia para o fenómeno: Portugal está a importar desemprego, principalmente de Espanha. Quando uma economia se protege de uma outra economia sem proteccionismos, exporta o seu desemprego para a economia mais aberta. Há já um ano que escrevi sobre o vampirismo económico de que Portugal está a ser vítima de uma forma injusta, desde a entrada do Euro.

Como sabemos, nos Estados Unidos (com o seu dólar comum) existem estados federais com maior desemprego que noutros estados. O que acontece normalmente é que existem fluxos migratórios dos estados mais pobres para os estados mais ricos, num país que tem uma língua comum. Por exemplo: para além da cidade-casino que é Las Vegas, o território do estado do Nevada é um imenso deserto, com poucos recursos naturais e agricultura praticamente inexistente. Em resultado, os desempregados do Nevada desértico deslocam-se para a verde Califórnia, onde têm mais possibilidades de encontrar trabalho.
Na Europa, estes fluxos migratórios não existem nem podem existir com a mesma facilidade, não só por dificuldades impostas pelas línguas e culturas diferentes, como porque existem barreiras administrativas e burocráticas nacionalistas que os países mais ricos impõem à entrada de imigrantes dos países com mais desemprego dentro da União. Por outro lado, Portugal está longe de ser um deserto; pelo contrário, é de entre os países europeus um dos que possui um clima mais ameno e aprazível. A lógica americana de oferta e procura no fenómeno de ocupação territorial não existe na Europa.

Portanto, qualquer comparação entre a realidade americana e a europeia (ambos os espaços com uma mesma moeda) é pura ficção de mau gosto. Por isso é que o Euro é anti-natura e prejudica as economias menos desenvolvidas da União; se não existisse a actual transferência de fundos comunitários, o Portugal da moeda única estaria hoje já com taxas de desemprego oficiais a nível dos 20%.

O fenómeno irlandês é uma excepção que confirma a regra. Trata-se de uma ilha, com barreiras proteccionistas psicológicas naturais. Tanto é assim, que a economia irlandesa depende menos da poderosa economia da vizinha Inglaterra do que a economia portuguesa depende hoje da economia espanhola.

Dentro de pouco tempo, os portugueses chegarão à conclusão de que a diminuição do défice para um nível inferior a 3%, conforme imposto pela Comissão Europeia, não gerará uma expansão económica; os portugueses ficarão a saber, dentro em breve, que fizeram grandes sacrifícios para voltar a viver ao nível dos anos oitenta do século passado. A razão deste sacrifício inglório é simples: a dependência crescente de Portugal em relação à economia espanhola.

Inseridos num espaço com uma moeda única, destituídos dos mecanismos monetários de auto-defesa, e separados por barreiras culturais, linguísticas e administrativas, os portugueses estão a ser vítimas de uma política deliberada e programada de exportação do desemprego de alguns países da União, principalmente de Espanha. O fenómeno do desemprego em Portugal tende a agravar-se seriamente.

A exportação do desemprego de Espanha para Portugal é realizada utilizando vários mecanismos: o dumping disfarçado de “apoio logístico” estatal às empresas privadas espanholas, a imposição de requisitos especiais que dificultem a importação de produtos fabricados em Portugal, a existência de uma carga burocrática acrescida sobre as empresas espanholas que comprem produtos portugueses, e principalmente a propaganda institucionalizada e aculturada sobre a superioridade dos produtos espanhóis em relação aos produtos portugueses, etc. Dou um exemplo.
Existem algumas boas médias e pequenas empresas em Portugal que produzem camas hospitalárias de alta qualidade, entre elas, camas para os Cuidados Intensivos, que são extremamente elaboradas e de alta tecnologia incorporada. Essas empresas exportam os seus produtos a preços justos para países do Médio-oriente – como Israel e outros países ricos em petróleo da zona –, para alguns países africanos e mesmo para o extremo-oriente. Em contraponto, a única forma de entrar no mercado espanhol é através de distribuidores espanhóis que colocam uma etiqueta com a sua marca própria e revendem localmente (o que significa sacrifício nas margens de comercialização, para além dos fabricantes portugueses não terem o feedback do mercado). Qualquer participação de uma pequena/média empresa portuguesa num concurso para fornecimento directo ao comprador final em Espanha é tempo e dinheiro perdidos. O problema é que a economia portuguesa é composta essencialmente por pequenas e médias empresas, que não têm o poder financeiro das multinacionais.

Se Espanha protege o seu mercado, porque é que Portugal não o faz? Não o faz porque não pode. Espanha pode ter políticas internas de protecção dissimulada porque a Comissão Europeia “fecha os olhos” ao proteccionismo espanhol. A mesma atitude da Comissão Europeia não existe em relação a Portugal. Portugal tem uma economia aberta, e Espanha mantém resquícios do hermetismo económico inerente a uma cultura de continentalidade.

Ao contrário da política de “Espanha, Espanha, Espanha!” de José Sócrates, a política económica portuguesa terá que se distanciar de Espanha para se desenvolver, isto é, teremos que diversificar as nossas exportações e importações, e no caso das importações de Espanha, teremos que utilizar algum proteccionismo disfarçado em algumas áreas (exactamente o que os espanhóis fazem connosco).
Existem mercados emergentes no norte de África que devem merecer a prioridade da política comercial portuguesa; os países do Médio-oriente devem merecer uma atenção especial; a América Latina tem sido desprezada pela nossa balança comercial, bem como os países do sul de África. Na Europa, existem pequenos países periféricos com quem deveríamos trabalhar mais interligados: a Irlanda, Islândia, Malta, Chipre, etc., podem ser nichos de mercado para produtos Made in Portugal.

Portugal só pode baixar impostos (combustíveis, IVA, IRS, IRC) produzindo mais; só pode produzir mais com mais e melhores empresas; só pode ter mais empresas e menos desemprego se tiver mercados receptivos aos nossos produtos. Com Espanha, entramos em concorrência, e não em complementaridade económica – porque a complementaridade económica com Espanha significa subdesenvolvimento para Portugal. Precisamos de trabalhar com países com quem nos complementemos economicamente, e nesse sentido, a iniciativa da Fundação Mário Soares em relação à cooperação com a Venezuela na área petrolífera foi uma excelente ideia – este é um exemplo a seguir noutras áreas da economia.

1 Comentário »

  1. Parabéns por este artigo.

    Há muito tempo que eu, no meu blog, chamo a atenção a estes problemas mas, as campanhas de propaganda são de tal modo que a maior parte da população portuguesa ainda acha que deixaram-nos entrar no Euro foi uma benesse que nos deram.

    Não duvido de que ou saimos do Euro ou desapareceremos.

    O Euro, como Tavares Moreira disse ainda antes de entrarmos para o Euro, a adesão ao Euro estava a sufocar a economia portuguesa e devia ser adiada…

    Ninguém lhe ligou, mas ele tinha razão!

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    Comentar por O Raio — Sexta-feira, 5 Outubro 2007 @ 11:36 pm | Responder


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