perspectivas

Segunda-feira, 1 Outubro 2007

O anti-populismo dos populistas

A eleição de Luís Filipe Menezes para Presidente do PSD – e como previ no post anterior – já levantou celeuma. Mário Soares classificou a eleição de LFM de “desastre nacional” – e o novo líder do PSD ainda não abriu a boca. Quando LFM começar a sua oposição ao governo de José Sócrates, haverá quem reclame a instauração de um estado-de-sítio.
Vindo de Mário Soares, um comentário mais abstruso não me admira absolutamente nada. Desde que ele disse publicamente que os portugueses retornados das ex-colónias deveriam ser atirados aos tubarões, que lhe desconto as mudanças atrabiliárias de humor e de opinião (fiquemos por aqui).

Já o Pacheco é diferente. Nos anos setenta, Pacheco Pereira era um populista radical maoísta que tornaria angelicais os militantes do actual Bloco de Esquerda, e era visto a frequentar os cafés do Porto onde parava o núcleo duro dos militantes mais estalinistas do PCP, com quem convivia em tertúlia. Numa manifestação do 1º de Maio no Porto, lembro-me de ver o Pacheco a correr à frente da polícia para não enfardar forte e feio; fugia como um desalmado.

Nos anos oitenta, quando viu que o maoísmo não lhe dava futuro, Pacheco Pereira entrou para o PPD apadrinhado (entre outros) por Santana Lopes, a quem ele agora chama de “populista”, como se Pacheco Pereira não fosse um exemplar case study de incoerência política neste país. Mas a culpa não é dele, mas de quem o transformou naquilo que ele não é. Dentro do PSD, ninguém se atreve a contradizê-lo publicamente, não vá “dar a congoxa à alimária”.

Vejamos o que diz o dicionário:

Populismo
S.M. simpatia pelo povo; escola literária que procura descrever de modo realista a vida das pessoas do povo; política que se orienta pela obtenção do favor popular, através de medidas que agradem sobretudo às classes com menor recurso económico.

Ou brincamos com as palavras, ou um populista é alguém que se preocupa com os mais pobres; se bem entendo, para o Pacheco e Mário Soares, a eleição de um líder político que se preocupa com os mais desfavorecidos deve dar azo a luto nacional e a símbolos do PSD invertidos em blogue.
Mussolini foi “populista” no sentido pejorativo, porque arrastou multidões sem que existisse em Itália a possibilidade de contraditório e de alternativa democrática, porque o próprio Mussolini acabou com as eleições. Pacheco Pereira, como alguns outros, tem tirado partido da ignorância geral para manipular a opinião pública. Um exemplo disto, é a utilização do substantivo “populismo” na sua versão mais pejorativa – no sentido em que se aplica ao “populismo” dos líderes em regimes ditatoriais – aplicando-o aos seus adversários políticos internos. Pacheco Pereira deveria ter um poucochinho de vergonha; não lhe ficava pior.

Pacheco passou as últimas semanas a sugerir que alguns militantes “populistas” do PSD deveriam ser expulsos do Partido, numa manifestação do mais perigoso populismo que existe: o da intolerância política elitista. Pacheco Pereira faria um favor a si mesmo e à sua imagem se devolvesse o seu cartão de militante, por uma questão de coerência política – na certeza de que, não o fazendo, o PSD plural vai continuar a aturar as suas atoardas alarmistas sempre que o vento político não sopra a seu favor. Pacheco Pereira tornou-se grotesco, e já ninguém com dois dedos de testa lhe presta atenção – salvo quem simpatize com este PS de Sócrates. Defendi há muito tempo a ideia de que o Pacheco deveria mudar-se para o PS; faria um favor a muita gente e a si próprio, embora duvide que o PS o aceitasse de bom grado.

Marcelo Rebelo de Sousa também se “sentiu” com a eleição de Luís Filipe Menezes. Saíram furadas as contas do baronato da linha Cascais/Estoril. Não vou meter Marcelo e o Pacheco no mesmo saco, por tantas razões, mas também porque o primeiro é inteligente, e o segundo tem o alvará de inteligente. Mas não ficava mal a Marcelo um pouco de solidariedade com a maioria dos militantes do partido que ajudou a construir; e já agora, dê o benefício da dúvida a quem foi eleito há três dias.

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Fazendo um pouco de História

Como disse antes, não sou nem nunca fui militante do PSD, mas tenho na família muito próxima pessoas que militam do Partido, e portanto, é-me impossível estar alheado do que se passa. Já votei PSD para o Parlamento, como votei noutros partidos (não voto para a Presidência da República).

Sou de opinião de que o PSD com Marques Mendes não constituía alternativa de governo – pelo contrário, colaborou passivamente com a política de Sócrates, trabalhando para uma nova maioria absoluta de José Sócrates nas próximas eleições.

Quando Sócrates fecha indiscriminadamente escolas no interior do País, contribuindo para a escalada da desertificação das zonas rurais mais deprimidas, Mendes cala-se (pelo menos ninguém se lembra de o ouvir falar). Um dos problemas de Mendes era esse: falava para os mídia, e cinco minutos depois já ninguém se lembrava do que ele tinha dito (ou se tinha dito alguma coisa). Pode-se ser um bom jurista, ou um bom filósofo, ou um professor ilustre, mas não se ter uma boa capacidade de comunicação.

Alguém se lembra da posição de Marques Mendes no caso da obsessão socrática do aeroporto na OTA? Uma no cravo e outra na ferradura. Teve que ser uma associação empresarial a tomar iniciativas de estudo de alternativas mais credíveis para a OTA.

Quando Sócrates fecha maternidades e SAPS por todo o lado, Mendes tem um discurso redondo e o povo não percebe se ele é contra ou a favor da política socrática economicista em relação à Saúde, que fez com que voltássemos aos anos setenta dos partos em ambulâncias, e com crianças portuguesas a nascer em Badajoz quando se fecha teimosamente a maternidade de Elvas.

No referendo do aborto, ao contrário de todos os outros partidos políticos portugueses, o PSD de Mendes foi o único que não assumiu uma posição oficial (independentemente da liberdade de voto dos militantes e simpatizantes, que não ficaria em causa); este tipo de atitude transmite sinais negativos para dentro e fora do Partido. Naturalmente que Pacheco Pereira (seguindo os seus resquícios culturais maoístas) sendo a favor da liberalização do aborto, concordou com a hipocrisia política da liderança mendaz do PSD. O PSD de Marques Mendes era um PSD de meias-tintas. Seria preferível que a direcção do PSD apoiasse oficialmente a liberalização do aborto a dar um sinal de fraqueza de liderança.

No pacto da Justiça, Mendes colabora com o descalabro do timing na aplicação do novo Código Penal, para além de ter colaborado tacitamente com os tiques autoritaristas presentes na reforma socrática que não ouviu os directamente interessados e envolvidos na aplicação da reforma.

No parlamento, a paz podre de uma oposição ineficaz reinava no grupo parlamentar do PSD; não existiam “nervo” nem ideias, mas antes uma filosofia do “vive e deixa viver”; dir-se-ia que o PSD funcionava (nas áreas social e económica) em relação ao PS como o BE funciona em relação aos socialistas (na área cultural): oposição mediática de fachada, com acordo programático submisso aos princípios da governação.

Alguém se lembra de Marques Mendes, em três anos, ter apresentado uma moção de censura ao governo de José Sócrates? Não houve nada para censurar neste governo? Mendes não foi sequer um líder a prazo, porque não chegou a liderar nada; foi um exemplo prático da validade do Princípio de Peter. Luís Marques Mendes foi o maior erro de casting político que alguma vez aconteceu no PSD.

Marcelo Rebelo de Sousa disse ontem na RTP que permanece a ideia (entre os militantes do PSD) de que o projecto santanista foi interrompido por Jorge Sampaio, que os militantes do PSD ficaram com dúvidas sobre a sua viabilidade, e que por isso optaram por LFM.
Isto significa que Marcelo liga directamente o fim do consulado de Santana Lopes à eleição de Luís Filipe Menezes – como se o descalabro económico-social socrático não tivesse existido, o nível de desemprego num país com salários baixos e com uma assistência social precária não tivesse ultrapassado a média dos países europeus com salários mais altos e subsídios de desemprego principescos, como se Sócrates não tivesse prometido na campanha eleitoral coisas tão básicas que não cumpriu logo a partir do primeiro mês de governo (este é o “populismo” a condenar, a demagogia daquele que promete para ganhar eleições e faz imediata e exactamente o contrário), como se fenómenos de perseguição e depuração políticas de funcionários públicos baseada em delito de opinião não tivessem acontecido um pouco por todo o país, etc., etc.

Ligar Santana de 2004 a Luís Filipe Meneses de 2007, é esquecer a governação de Sócrates. Foi isso que Marcelo Rebelo de Sousa fez na RTP: referindo-se a LFM, tentou fazer esquecer a governação de Sócrates. Compreendo a frustração de Marcelo com a eleição de LFM, mas a sua ideia é, no mínimo, rebuscada.

Assistimos ao absurdo de ver, perante a eleição de Luís Filipe Menezes, proeminentes do PSD a apoiar tacitamente Sócrates; “mal por mal, opto por Sócrates”, é o lema do baronato da Linha, quando deveria ser exactamente o contrário: “mal por mal, opto por Luís Filipe Menezes”. Pelo menos, com Menezes acontece a esperança de que algo pode mudar neste País.

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