Depois de ler este postal, que se refere a estoutro, não posso deixar de tecer aqui algumas considerações. A julgar por aquilo que eu tenho lido, os neo-ateístas portugueses federados e empedernidos não se baseiam na ciência, mas apenas em uma determinada interpretação da ciência.
É hoje ponto assente que “a física actual não é materialista” (Alfred Gierer, biofísico).
O discípulo e sucessor de Heisenberg, Hans-Peter Dürr, escreveu que “o espiritual é fundamental para mim; vou mesmo ao ponto de afirmar que não existe matéria, mas apenas espírito. (…) Nesta reflexão, aquilo que constitui o fundamento da realidade não é a matéria, mas um campo que, no entanto, não é material, representando, contudo, uma espécie de potencialidade. Um potencial que possui a capacidade de se materializar”.
Von Weizsäcker escreveu: “A matéria, que só podemos definir como aquilo que satisfaz as leis da física, talvez seja espírito, na medida em que este se submete à objectivização”.
Só podemos compreender as posições dos neo-ateístas de serviço através de uma de duas hipóteses: ou uma forma de fazer passar, de uma forma camuflada, as suas posições políticas marxistas — uma vez que o marxismo felizmente perdeu aceitação na nossa cultura —, ou a assunção de uma mundividência que pertence ao século XIX, ou mesmo à Idade Média: algumas das posições dos ateístas de serviço poderiam ser lidas na obra De Rerum Natura, de Telésio, que viveu na Idade Média!
A diferença entre um ateu tradicional e um neo-ateísta, é que este último é um naturalista (à semelhança de Telésio). Um ateu tradicional pode não ser um naturalista; mas um naturalista tem que ser ateu.
Na melhor das hipóteses, os neo-ateístas (ou naturalistas, que vai dar no mesmo) ainda não aceitam sequer as posições mais modernas da ciência da natureza, como por exemplo, a teoria do “mentalismo emergentista”.
Há alguns anos atrás, num postal, eu fiz a distinção (não me lembro se foi aqui se noutro sítio) entre a física, por um lado, e as ciências da natureza, por outro lado. Alguém comentou que a física pertence às ciências da natureza (que engloba a biologia e disciplinas afins), e eu mantive a ideia segundo a qual, na minha opinião, a física passou a ser uma disciplina à parte e distinta das outras disciplinas comummente integradas na categoria das ciências da natureza. Naturalmente que fui chamado de “burro”, para cima e para baixo…
Dito de uma maneira simples, os naturalistas (ou neo-ateístas), tal como o medievo Telésio, partem de um princípio: a vida surgiu a partir da matéria morta. A visão de um cientista da natureza em relação à realidade (que não é nem coincide, de modo nenhum, com a visão de um físico), é exclusivamente macroscópica, ou seja, o objecto de estudo das ciências da natureza limita-se àquilo que existe em resultado da acção entrópica da força da gravidade. Tudo o resto não interessa às ciências da natureza, e por isso é que a física moderna deve pertencer a uma categoria à parte.
Partindo do princípio de que a vida surgiu a partir de matéria morta, nas ciências da natureza surgiram os conceitos de “propriedade sistémica”, por um lado, e na biologia, o conceito de “emergência”, por outro lado.
Segundo a teoria (porque não passa disso), quando a matéria (matéria, aqui sempre entendida como produto da entropia da força da gravidade) passa a um novo estado qualitativo — ou seja, quando passa a possuir uma qualidade superior ao estado anterior —, então aparece um novo nível de desenvolvimento. A este “salto” para um novo nível de qualidade, as ciências da natureza chamam de “propriedade sistémica” e os biólogos chamam de “emergência”.
Porém, o surgimento repentino de uma nova propriedade sistémica não pode ser explicado através das propriedades do nível implicado!
É aqui que falha o evolucionismo naturalista, e é por isso que Eric Voegelin diz que “o evolucionismo (materialista) é um mito, porque é impossível explicar a mutação das formas”.
A nova propriedade sistémica só pode ser explicada pelas ciências da natureza através da teoria da auto-organização da matéria, que deixa muito a desejar, conforme eu escrevi aqui:
Se o ADN tivesse origem baseada nesse tipo de lei física, a sequência do ADN seria simples e repetitiva (tipo ABCABC) e sem muita informação, e seria incapaz de transmitir milhões de instruções como o faz o mais simples dos organismos (o químico Michael Polanyi reconheceu este facto em 1953).
Da mesma forma que a informação contida n’ “Os Lusíadas” não foi determinada pelos químicos utilizados na tinta das penas de Luís Vaz de Camões, assim a informação do código genético (ainda que codificada num alfabeto de 4 letras) não é determinada pelos elementos químicos desse seu alfabeto.
As informações provenientes dos órgãos dos sentidos são transmitidas ao cérebro humano onde se encontram cerca de 15 mil milhões de células nervosas: os neurónios. Infelizmente, os naturalistas (ou neo-ateístas) parece que só utilizam uma pequena parte da rede neuronal…!
Os neurónios estão ligados entre si através (de cerca) de 10^15 (1 seguido de 15 zeros) pontos de transmissão, a que chamamos de “sinapses”. Seriam precisos mais de 30 milhões de anos, se quiséssemos registá-las à velocidade de uma sinapse por segundo. E mais: se quiséssemos testar os estados possíveis de apenas 130 neurónios, necessitaríamos de um computador gigante que, para tal efeito, precisaria de 20 mil milhões de anos!!! E se quiséssemos testar todos os neurónios do cérebro humano, o número de operações necessário perder-se-ia no infinito que não existe na condição finita do nosso universo — ou seja, ultrapassaria o limite da constante cosmológica da natureza de 10^120 de que falei noutro postal.
Percebe agora, o caro leitor, por que é que é uma perfeita estupidez e uma burrice de todo o tamanho, este relambório neo-ateísta acerca do ADN?
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