perspectivas

Sábado, 24 Abril 2010

Antes realista que positivista

Filed under: filosofia — O. Braga @ 7:44 am
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É comum definir “realismo” como qualquer doutrina que defenda a ideia de que existe uma realidade — seja esta composta de objectos, ideias e/ou relações lógico-matemáticas — independente do espírito humano.

Eu já fui “acusado” de realismo nos comentários a este postal. Diz-se que a filosofia recusa o realismo na medida em que aquela critica as certezas imediatas e mal fundamentadas. Porém, esta concepção de filosofia é absolutamente errada porque a reduz ao método positivista (filosofia = positivismo). Pelo contrário, talvez a filosofia possa ser entendida como uma ciência experimental, na medida em que acumula as experiências das tentativas humanas de explicação do mundo ao logo de milhares de anos — e a experiência humana não é só de carácter empírico ou positivista.

A definição supracitada está errada no seu próprio princípio, na medida em que ignora a validade e a importância dos axiomas universais; a definição parte do princípio implícito de que, em todo o universo e para além dele, só existe o espírito humano e que não existe mais nenhum tipo de consciência para além da humana — e nesta medida trata-se de um solipsismo existencial e de um antropocentrismo primário e básico.

O conceito de realismo está expresso nesta popular proposição inquisitiva: “Se uma árvore cair na floresta, e não existir ninguém por perto para ouvir o ruído causado pela sua queda, será que a árvore existe?”

O realista dirá que não é necessário que alguém ouça o ruído de uma árvore a cair na floresta para saber de antemão que existem árvores que caem na floresta. A queda das árvores na floresta faz parte do determinismo das leis da natureza segundo a visão clássica da física; o ruído que uma árvore faz ao cair é perfeitamente irrelevante para se comprovar o facto da necessidade da sua queda (até porque podem existir árvores mais pequenas que não façam grande ruído na sua queda), e se ninguém está perto para o ouvir, isso não significa que a árvore não caia de qualquer modo — e se não for hoje, a árvore há-de cair um dia.

O não-realista, ou melhor, o positivista, dirá que é impossível saber se a árvore alguma vez cai na floresta sem que haja uma testemunha da ocorrência. O positivista diz que talvez a árvore caia na floresta, mas só podemos saber com toda a certeza se existir alguém que constate, factualmente ou in loco, a sua queda.
Em última análise, e se nunca tivesse presenciado a queda de uma árvore na floresta, o positivista coloca em questão as leis da gravidade e da deterioração da matéria orgânica quando aplicável às árvores na floresta — dirá que não tem a certeza se a lei da gravidade se aplica às árvores na floresta, porque nunca viu nem teve conhecimento de que alguém tenha visto uma árvore a cair. Foi o que aconteceu com Newton no seu “Principia”, em que ele disse que com a ajuda da força da gravidade se poderia explicar fenómenos no céu e nos oceanos, mas que não poderia determinar uma causa para a gravidade — embora convencido de que uma causa existiria para a gravidade, não teve o rasgo de ao menos aventar sequer uma única hipótese para ela!
O positivista é fruto do iluminismo que tem em Kant o exemplo do pensador certinho, que não mija fora do penico e menino bem comportado.

Na antiga Grécia, são acusados de realismo tanto os atomistas (Demócrito) como os platónicos (Platão). E a partir do momento em que Einstein se colocou no lugar de observador do universo, fugindo aos cânones impessoais do positivismo, foi acusado de realismo. Mas do realismo de Einstein surgiu a teoria da relatividade. A verdade é que os atomistas imaginaram um conceito tosco do átomo, mas as bases do princípio atomista foram confirmadas 25 séculos depois, e foi mesmo adoptado o seu nome (átomo). É absolutamente inquestionável que alguns conceitos de Platão, seja o de Ideia seja o de Forma, são hoje confirmados — embora com outros nomes, como convém — pela teoria quântica.

O realismo só se torna contraproducente quando contraria os princípios da lógica, mas isso pode acontecer com qualquer doutrina ou sistema. Também não devemos confundir realismo com pragmatismo; este último é filho predilecto do positivismo.

Os que criticam o realismo são aqueles que, limitados na sua capacidade de dedução lógica, transformam a sua inépcia em uma virtude quando se atêm ao valor, tornado assim supremo e exclusivista, da indução.

(bom fim-de-semana)

5 comentários »

  1. Tenho empatia pela definição de realismo de Olavo de Carvalho. Uma das caracteristicas desse realismo é a crença na inteligência humana, em oposição as escolas céticas e teorias psicologistas.

    Sobre estre trecho:

    O realismo só se torna contraproducente quando contraria os princípios da lógica, mas isso pode acontecer com qualquer doutrina ou sistema. Também não devemos confundir realismo com pragmatismo; este último é filho predilecto do positivismo.

    Também vale citar que muitas vezes se confunde realismo com a escola ceticista, embora não tenha ligação direta com o psicologismo, este quando surgiu formou uma espécie de simbiose com o psicologismo.

    Uma boa perspectiva sobre o assunto pode ser encontrada no livro “Edmund Husserl contra o psicologismo” de Olavo de Carvalho.

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    Comentar por shâmtia ayômide — Sábado, 24 Abril 2010 @ 8:04 pm | Responder

  2. *só para esclarecer a postagem acima refiro-me quando o cético assume se declara realista, no sentido vulgar da palavra, ele se diz “realista”(conhecedor de alguma verdade) por que afirma que não existe realidade nenhuma, sendo esta uma afirmação auto-contraditória.

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    Comentar por shâmtia ayômide — Sábado, 24 Abril 2010 @ 8:07 pm | Responder

  3. O cepticismo é um meio, e não um fim em si mesmo. Quando o cepticismo se transforma em fim passa a ser niilismo. O realismo utiliza o cepticismo como um meio mas não como um fim em si mesmo. Se o realismo não utilizar o cepticismo como um meio, passa a ser ingenuidade.

    A única coisa que impede o homem moderno, embotado espiritualmente, do total colapso é a crença na técnica — o homem moderno não é céptico em relação à técnica entendida como um meio para atingir determinados fins. Não fora a técnica, o niilismo moderno seria total e completo.

    Porém, a técnica não é a ciência. Enquanto os chineses dispunham de uma técnica notável — utilizavam a pólvora, teciam tapetes em teares dignos da modernidade, utilizavam técnicas avançadas de pintura e de cerâmica, etc. — nessa mesma altura no tempo, os gregos inventavam a ciência. Se um aspirante a cientista não tiver uma boa dose de espiritualidade, não passará de um técnico (1). O problema é que muitos cientistas escondem as suas experiências espirituais com receio do politicamente correcto, ou como aconteceu no passado recente, reprimem a sua espiritualidade em nome de uma concepção positivista da ciência.

    (1) Sem a abertura à consciência ou espírito, a intuição humana fica embotada. Desenvolvemos a lógica (como foi o caso de Bertrand Russell) mas não nos abrimos à intuição que é resultado de uma espécie de “salto quântico” a uma escala pequena e individual que nos permite materializar possibilidades de eventos.

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    Comentar por O. Braga — Domingo, 25 Abril 2010 @ 9:21 am | Responder

  4. […] escrevi isto e alguém me chamou à atenção para isto. Antes de mais, vamos definir um “palavrão”: […]

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    Pingback por Solipsismo « perspectivas — Sábado, 29 Maio 2010 @ 9:20 pm | Responder

  5. SOU UM LEIGO NO ASSUNTO E ESTOU GOSTANDO DESSA PROVOCAÇÃO QUE MUITO ME AJUDA A ENTENDER A FILOSOFIA E LÍ SOBRE O REALISMO E NÃO SABIA QUE ERA UMA FILOSOFIA, POIS SÓ HAVIA LIDO ALGO SOBRE NA LITERATURA QUANDO CURSEI A ESCOLA PÚBLICA, MESMO ASSIM MUITO RAPIDO. GOSTARIA DE SABER ONDE SURGIA ESSA FILOSOFIA, POIS LÍ QUE FOI EM ARISTÓTELES E O QUAL A LIGAÇÃO COM A IDADE MÉDIA (IGREJA)?
    OBRIGADO

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    Comentar por antonio pereira — Domingo, 11 Julho 2010 @ 3:51 pm | Responder


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