Se o que há de lixo moral e mental em todos os cérebros pudesse ser varrido e reunido, e com ele se formar uma figura gigantesca, tal seria a figura do comunismo, inimigo supremo da liberdade e da humanidade, como o é tudo quanto dorme nos baixos instintos que se escondem em cada um de nós.
O comunismo não é uma doutrina porque é uma anti-doutrina, ou uma contra-doutrina. Tudo quanto o Homem tem conquistado, até hoje, de espiritualidade moral e mental — isto é, de civilização e de cultura — tudo isso ele inverte para formar a doutrina que não tem. »
Fernando Pessoa, “Ideias Filosóficas”
Não conhecia esta faceta do Fernando Pessoa, que tanto admiro. Mas já emiti opinião concordante sobre o ateísmo no blog do “Tretas”.
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Comentar por Carlos — Sexta-feira, 25 Junho 2010 @ 6:14 pm |
Bom dia Orlando. Já agora, e muito a propósito deste tema, gostaria de lhe perguntar uma coisa. Como encara o Orlando o facto de Pessoa se considerar Cristão gnóstico? Pessoa não se considerava católico, e para além disso era partidário de um misticismo baseado em antigas tradições de cunho esotérico. Tinha muitos conhecimentos de astronomia, astrologia (a verdadeira, não a actual), Kaballah (a primitiva) e outras coisas mais.
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Comentar por Filipe Crisóstomo (@Skedsen) — Quarta-feira, 30 Maio 2012 @ 12:14 pm |
1. Fernando Pessoa foi, no seu tempo, um hipster. Ver : http://bit.ly/L4QDGb .
Por exemplo, ele chegava a tomar 40 cafés por dia — naturalmente que eram chávenas de café de saco, e não cafés-expresso. Mas seja como for, eram 40 cafés por dia.
Há quem diga que Fernando Pessoa era dependente do ópio, mas é falso. Ele escreveu, de facto, “O Opiário”, mas não foi propriamente um viciado ou um consumidor de ópio.
O problema dele era o álcool: Fernando Pessoa era consumidor assíduo de bagaço, logo pela manhã. Também bebia vinho diariamente, mas o bagaço era o preferido. E era também um grande apreciador de absinto, que ele conseguia arranjar em alguns fabricantes clandestinos em Lisboa e arredores.
2. A obra poética e filosófica de Fernando Pessoa não é a de um homem normal. Há qualquer coisa de estranho, ou “especial” se quisermos, em Fernando Pessoa. Não é normal, não só a qualidade da escrita, mas também a sua diversidade. Eu penso que Fernando Pessoa era detentor de mediunidade — aquilo a que os espíritas chamam de “médium”.
Ora, é muito difícil conciliar essas características espirituais de Fernando Pessoa com a doutrina oficial da Igreja Católica. Porém, Fernando Pessoa nunca foi um detractor da religião católica: as poucas críticas que fez, nem sequer foram em relação a Igreja propriamente dita, mas apenas a alguns clérigos e bispos da nossa praça. Em termos gerais, Fernando Pessoa defendeu quase sempre o catolicismo, com excepção das críticas que fez a um certo e determinado clero católico.
3. Fernando Pessoa não era um milenarista [milenarismo: http://bit.ly/Ley9Tn ] ou um defensor da escatologia do “fim dos tempos”. E também não era um esotérico propriamente, mas antes um exotérico. As suas teorias eram exotéricas: por exemplo, a astrologia é exotérica.
O que era esotérica era a sua poesia, que necessita de uma certa decifração. Por exemplo, a “Mensagem”, que é altamente esotérica, porque necessita de uma exegese. Mas alguns textos da Igreja Católica, como por exemplo, o Livro do Apocalipse, de S. João, também necessita de uma exegese, e nem por isso a Igreja Católica condena o esoterismo implícito no Livro do Apocalipse.
4. É muito difícil julgar a experiência subjectiva de um outro ser humano, e mais difícil ainda julgar a experiência subjectiva de um homem como Fernando Pessoa. Provavelmente, um homem como Fernando Pessoa necessitaria de procurar explicações, para a sua experiência subjectiva, para além daquilo que encontrou na doutrina da Igreja Católica. Por exemplo, a Igreja Católica não explica, nem aceita de bom grado, a mediunidade: mas a verdade é que determinados fenómenos mediúnicos não são tão raros como se supõe.
5. Portanto, penso que Fernando Pessoa não era um cristão gnóstico. Um cristão gnóstico é um crente da escatologia milenarista — o fim dos tempos! —, coisa que Fernando Pessoa não era. Um cristão gnóstico é um defensor de uma espécie de teocracia, em que o poder político se confunde com a religião — coisa que Fernando Pessoa não só não aceitava, como criticou de uma forma radical. Um cristão gnóstico é alguém que interpreta as escrituras bíblicas à letra, coisa que Fernando Pessoa não fez. Fernando Pessoa era demasiado inteligente para ser um cristão gnóstico.
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Comentar por O. Braga — Quarta-feira, 30 Maio 2012 @ 2:07 pm |
Errata: onde se lê “Mensagem”, ler “Livro do Desassossego”.
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Comentar por O. Braga — Quarta-feira, 30 Maio 2012 @ 2:32 pm