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Quarta-feira, 21 Novembro 2007

Maquiavel aprenderia com José Sócrates

Filed under: Política — O. Braga @ 12:37 pm
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O governo de José Sócrates anunciou que 800 mil portugueses devem 22 mil milhões de Euros ao fisco.

O que o governo não quis dizer é que, grosso modo, 75% dos devedores devem 20% do total da dívida, e que somente 25% das empresas em falta devem 80% da dívida total. O governo não o quis dizer porque a sua política de cobrança coerciva se dirige aos 75% de pequenos devedores que consistem na arraia-miúda sem “adequada” protecção e aconselhamento jurídicos.
Vinte e cinco por cento de 22 mil milhões que o governo pensa arrecadar com a perseguição judicial à arraia-miúda – com hipotecas do televisor lá de casa, da mobília de quarto e do automóvel que ainda não está pago –, correspondem a uma parte muito importante do valor do défice do Estado previsto para 2008, o que vai permitir ao governo baixar os impostos em período eleitoral, e “apresentar serviço” em Bruxelas com a redução do deficit do Estado para um número abaixo dos 2% em 2008 – sem tocar grande coisa nas despesas do Terreiro do Paço.

Conheço um caso de um canalizador que fez umas pequenas obras cá em casa, que se colectou nas Finanças como empresário em nome individual e fazia trabalhos ao domicílio, não só de canalizador, como de pequenas reparações que toda a gente precisa em casa, isto é, trabalhava por conta própria num negócio individual de baixa rentabilidade.
As Finanças deduziram arbitrariamente que o homem devia 1500 euros de IVA relativos ao período de 2001 a 2005, mas como entretanto a crise agravou-se e os clientes escasseiam, o homem não pode pagar a dívida às Finanças em tempo considerado “útil” pelo Estado. Através do tribunal, o Estado foi-lhe buscar os electrodomésticos e a mobília da família em valor muito superior à divida, e pelo que sei, pretende leiloar os tarecos do canalizador para obter os 1.500 Euros. Isto não lembra ao diabo.

Põe-se, assim, a máquina da Justiça a trabalhar em centenas de milhar de pequenos casos, quando se obteria maior rentabilidade para o Estado na cobrança se a Justiça se concentrasse nas dívidas dos cães grandes. O problema é que o Estado sabe que a lei tem “furos” que permitem aos cães grandes protelar o pagamento devido, com o apoio dos grandes escritórios de advogados. Na maioria dos casos, os cães grandes nunca pagarão as suas dívidas ao Estado; por isso, há que entalar o Zé Mexilhão.

Quando o “fiscalista” de Esquerda que é marido da Marizé “Justiceira” Morgadinha fala em “progressos na política de colecta de impostos”, apetece-me mandá-lo à merda. Se o fiscalismo da Não-esquerda (1) consiste na total e geral balda ao pagamento de impostos, o fiscalismo de Esquerda consiste na utilização de conceitos de justiça na colecta de impostos para os aplicar exclusivamente a quem não pode fugir a eles; e quando os cães grandes fogem aos impostos, a Esquerda diz que a culpa é da globalização – e assunto encerrado. Para a Esquerda portuguesa, a fuga aos impostos por via da globalização é uma espécie de Mal Absoluto que não está nas mãos do Estado contrariar, um “fait accomplis” que só se resolve com a matança do capitalista a nível mundial. E enquanto não se mata o capitalista, fornica-se o Zé Povo.
Entretanto, os cães grandes permanecerão intocáveis, ou ser-lhes-ão novamente perdoadas as dívidas no futuro como contrapartida de investimento.
O IVA é um imposto que deveria ser pago pelas empresas e que é transferido para o consumidor. O governo de José Sócrates aumenta o IVA que se reflecte igualmente no consumidor rico e pobre, e depois vai concentrar o seu esforço de colecta sobre o consumidor pobre.
Mais uma vez, os pequenos são os fornicados da estória, para que o governo ganhe eleições à custa das classes mais baixas. Fornicam-se os pequenos para que os pequenos dêem votos. Disto, nem Maquiavel se lembraria.

(1) A Não-esquerda não é a Direita; é a Esquerda envergonhada.

4 comentários »

  1. Depois de mais de quarenta anos de fascismo em Portugal, presumo que levará mais do dobro dos anos para que uma grande parte dos portugueses aprendam a viver em democracia. Com que entao os devedores precisam de proteccao jurídica? Quando se endividaram nao sabiam que poderiam ter consequências? Esses tais coitadinhos, que vivem, quase sempre, para além das suas possibilidades, nao sabem fazer contas?… Entao os cidadaos que vivem num estado democrático nao têm obrigacoes para com este? De facto, é exactamente isso que observo em Portugal: toda a gente pugna pelos seus direitos, direitos, direitos, mas nao têm obrigacoes, seja para com o estado, seja para com as firmas que lhes dao o sustento, e, ainda, para com o seu semelhante. Apenas intolerância, irresponsabilidade, indisciplina e incumprimento das suas obrigacoes para com o estado! Quem acaba por pagar as dívidas desses devedores que se dao ao luxo de se exibirem à custa dos outros? Os contribuintes cumpridores do seu dever de cidadania. Lamentável…

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    Comentar por Santos — Quinta-feira, 24 Janeiro 2008 @ 12:24 pm | Responder

  2. Caro Santos, Vc não percebeu o que eu escrevi. Os devedores ricos têm aconselhamento jurídico, aqui como em todo o lado. Em que planeta Vc vive? Os pobres não têm dinheiro para jurisconsultas.

    Quando o ministro das finanças veio dizer hoje que os prazos de pagamento do Estado às empresas têm que passar de mais de seis meses para 60 dias, isto dentro de três anos, veio contradizer o que o Santos afirmou acerca do Estado português.

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    Comentar por Orlando — Quinta-feira, 24 Janeiro 2008 @ 5:38 pm | Responder

  3. Afinal que dívidas sao essas que os “pobres” devem ao estado? Se sao pobres, presume-se que vivem apenas do seu salário normal de subsistência familiar! Sao estes, de facto, os que devem ao estado?
    Pergunta em que planeta eu vivo! Vivo no mesmo planeta que os portugueses. Com uma diferenca, num país onde há responsabilidade social. Nao pense que, do mesmo modo que critiquei o seu artigo, nao hajam as mesmas razoes dos tais “pobrezinhos” para se endividarem, no meu “planeta”. Pois também aqui, os tais devedores sao espoliados dos seus haveres quando devem ao estado ou aos seus credores.O que se verifica, na maioria dos casos, é que se trata de “parasitas” que se dao ao luxo de viver à custa dos outros. Quando nao temos possibilidade de ter automóvel, ou de comprar uma casa, por exemplo, teremos que pensar, sèriamente, se temos rendimentos para isso? Cada cidadao tem o direito por aspirar a uma vida melhor, mas, por favor, nunca à custa daqueles que cumprem com os seus deveres de cidadania. Há, de facto, outras razoes para o endividamento em Portugal, que sao excepcoes razoáveis. Para estes deveria haver assistência jurídica. Mas a regra geral, é bem diferente.

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    Comentar por Santos — Sexta-feira, 25 Janeiro 2008 @ 11:15 am | Responder

  4. Por que será que o estado também paga, com atraso, aos seus fornecedores? Por isso mesmo que afirmei: em Portugal apenas se reclamam direitos e ninguém tem obrigacoes. Aqui no meu “planeta”, quando compro qualquer coisa, nao preciso de pedir uma factura ao comerciante para justificar a minha compra. O artigo é registado e o comprador recebe automáticamente o respectivo recibo. Como é
    na maioria dos casos em Portugal?
    As firmas, no meu “planeta”, têm inspeccoes contabilísticas, periodicamente, feitas pelas financas. Há fugas aqui, claro que também as há. Há que as combater a todos os níveis.

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    Comentar por Santos — Sexta-feira, 25 Janeiro 2008 @ 11:33 am | Responder


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