perspectivas

Sábado, 19 Janeiro 2013

Quando o politicamente incorrecto é, de facto, politicamente correcto

As teses raciais supremacistas são irracionais, porque partem do princípio segundo o qual o genoma humano varia de país para país.

Ele há sítios na Internet que dizem combater o politicamente correcto mas são, de facto, o mais politicamente correctos possível. É o caso deste verbete que aborda a problemática da inteligência no ser humano.

O autor do texto, Thilo Sarrazin, é um economista, e portanto não tem formação específica na área que escreve. E por isso, Sarrazin baseia-se na teoria de Elsbeth Stern (uma psicóloga) e na tese do psicólogo americano James R. Flynn conhecida por “Efeito Flynn”.

Portanto, Sarrazin aceita a priori duas coisas: 1/ que a inteligência é hereditária (inteligência genotípica) e 2/ que é ambiental (fenotípica), ou seja, depende do meio ambiente em que a criança cresce e é educada. Porém, o articulista confunde “inteligência”, por um lado, com “intelectualidade”, por outro lado, e depois estende este duplo conceito de inteligência às etnias e às raças. E, mais adiante, mistura o conceito de “conhecimento” com o conceito “inteligência individual”.

1/ O próprio Sarrazin é a prova de que se pode ser intelectual sem ter grande inteligência. Um indivíduo realmente inteligente não confunde intelectualidade e inteligência: são dois conceitos diferenciados, embora possam andar a par um do outro.

2/ Existem vários tipos de inteligência — Howard Gardner, “The Mind’s New Science”, 1985 — , por exemplo, a inteligência pessoal (a capacidade de compreender as pessoas), a inteligência física e cinestésica (a capacidade de se movimentar de forma ordenada), a inteligência linguística (por exemplo, a de um poeta), a inteligência matemática e lógica (por exemplo, a de Albert Einstein), a inteligência espacial (a capacidade de constituir e manipular na mente imagens e objectos) e a inteligência musical. Portanto, afirmar, por exemplo, que John Stuart Mill tinha um QI de 200, é uma abstracção: desde logo porque a sua inteligência tinha uma enorme componente fenotípica (influência do meio-ambiente e da sua educação muito exigente e extremada), e depois porque não sabemos se a sua (dele) inteligência era menos a de tipo espacial e mais de tipo musical, por exemplo.

3/ Da mesma forma que a percentagem de estúpidos alemães em circulação na sociedade é sensivelmente idêntica à percentagem de estúpidos turcos (ver “As Leis Fundamentais da Estupidez Humana”, de Carlo Maria Cipolla, que defendeu a tese segundo a qual a estupidez é genética), assim a percentagem de inteligentes genotípicos é idêntica na Alemanha e na Turquia — a não ser que o genoma de um alemão fosse diferente do genoma de um turco, o que não me parece ser verdade.

4/ Assim, a grande diferença actual entre os turcos, em geral, e os alemães, em geral, é a inteligência fenotípica que se escora, tanto na cultura intelectual emanante do meio-ambiente cultural alemão, como na cultura antropológica alemã que advém de uma História do país. É, de facto, a inteligência fenotípica (a intelectualidade que emana da cultura antropológica) de um povo (ou povos) que marca uma civilização — o que significa que a decadência da cultura antropológica de um povo pode determinar o decréscimo da sua intelectualidade ou inteligência fenotípica.

5/ Sendo que a Alemanha construiu, desde Carlos Magno, a sua inteligência fenotípica colectiva mediante o cristianismo, e sendo que hoje a Alemanha passa paulatinamente a uma sociedade agnóstica e mesmo ateísta, as características fundamentais da sua inteligência fenotípica vão se esvaindo com a passagem do tempo, criando um vácuo na cultura antropológica alemã que será preenchido por um outro tipo de fundamento cultural antropológico — porque a natureza tem horror ao vazio.


Em suma: as teses raciais supremacistas são irracionais, porque partem do princípio segundo o qual o genoma humano varia de país para país.

Podemos falar de uma cultura antropológica superior a outra cultura antropológica (mesmo dentro de um mesmo país, através do multiculturalismo europeu e do melting-pot americano), mas não podemos objectivamente falar de raças superiores, em inteligência, a outras raças.

Muitas das raças ditas “inferiores” têm apenas uma cultura antropológica (inteligência fenotípica) menos elaborada — como um diamante em bruto que não foi lapidado —, em contraponto a uma outra cultura antropológica mais elaborada. E o Cristianismo foi essencial à Europa (mesmo para a ciência europeia) para o refinamento da nossa cultura antropológica.

Por isso é que aquele sítio supracitado, pretendendo ser politicamente incorrecto, é politicamente correcto porque faz uma análise da realidade à luz do Zeitgeist. Não devemos analisar a realidade social e cultural exclusivamente à luz do que se passa hoje!

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