perspectivas

Quarta-feira, 5 Setembro 2007

Abdelwahab Meddeb, o Integrismo e a Turquia (1)

Filed under: Europa,Islamismo — O. Braga @ 5:09 pm

Sobre a “Doença do Islão”, de Abdelwahab Meddeb, passo a citar e comentar algumas passagens do livro:

“Se, segundo Voltaire, a intolerância foi a doença do catolicismo, se o nazismo foi a doença da Alemanha que Thomas Mann auscultou, o Integrismo é a doença do Islão.”

Abdelwahab Meddeb refere-se à “intolerância do catolicismo” medieval, comparando-a (parafraseando Voltaire) com a intolerância do Integrismo islâmico. Porém, a intolerância do catolicismo medieval foi a intolerância fabricada pelos homens, e não uma intolerância expressa na doutrina de Jesus Cristo, e por ela transmitida.

Se existe alguma “intolerância” nos Evangelhos, ela é em relação aos ladrões, assassinos, avarentos, soberbos, etc. Contudo, em nenhum trecho dos evangelhos se apela à violência física em relação aos ladrões, assassinos, avarentos, soberbos, etc. Jesus Cristo faz críticas, tão só; e uma crítica, mesmo sendo deficientemente fundamentada, não pode ser considerada como sendo uma forma de violência (não confundir “crítica” com “injúria”).

Em relação às outras religiões existentes, os Evangelhos não demonstram absolutamente nenhuma intolerância. Pelo contrário, e em relação ao Judaísmo, Cristo critica os fariseus (os doutores da Igreja), mas não só não criticou a religião judaica, como até a praticou. Sob o ponto de vista religioso, e não só sob o ponto de vista étnico, Jesus era judeu.
Em relação ao Islamismo, Cristo não poderia ter feito nenhuma referência, nem positiva nem negativa, simplesmente porque o Islamismo ainda não existia no tempo de Jesus.

Abdelwahab Meddeb confunde aqui, nesta citação, a intolerância dos homens que se dizem seguidores de uma doutrina religiosa (o clero católico medieval), com a intolerância intrínseca de uma doutrina religiosa (Islamismo), bem explícita no seu Livro Sagrado (Alcorão). Dou alguns exemplos comparativos entre o Evangelho de Jesus Cristo e o Alcorão de Maomé:

Sobre a violência e a tolerância religiosa

“Digo-vos a vós que me ouvis: amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, abençoai os que vos maldizem e orai pelos que vos injuriam. Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a outra. E ao que te tirar a capa, não impeças de levar também a túnica. Dá a todo o que te pedir; e ao que tomar o que é teu, não lho reclames.” – Evangelho de Cristo, segundo de São Lucas, 6,37-30

Seiscentos anos mais tarde, escreveu Maomé em relação aos não-crentes:

“Não os combatais junto da Mesquita Sagrada antes de vos terem combatido, mas, se vos combatem, matai-os! Essa é a recompensa dos incrédulos.” – Alcorão, Capítulo II, 191

“Matai-os até que a perseguição não exista e esteja em seu lugar a religião de Deus. Se eles se converterem, não haverá mais hostilidade: esta não cessará senão para os justos.” – Alcorão, Capítulo II, 193

“Não é próprio de um crente matar outro crente.” – Alcorão, Cap. IV, 92

Aqui, Maomé, mais benevolente, considera que “não é próprio que um crente mate outro crente”. Mas nada diz se é próprio (ou não) que um crente mate um não-crente. Para bom entendedor…

“Os infiéis são o vosso inimigo declarado.” – Alcorão, Cap. IV, 101

Para o Islamismo, o assassínio não é, necessariamente, um acto eticamente condenável. É mesmo recomendável, em determinadas situações. Existem muitas outras passagens do Alcorão que incitam directamente os fiéis à violência, e mesmo ao assassínio.

As Mulheres no Cristianismo e no Islamismo

Mas vejamos o que dizem o cristianismo e o islamismo sobre o Estatuto da Mulher:

“Os escribas e os fariseus trouxeram-lhe uma mulher que fora apanhada em adultério. Puseram-na no meio da multidão e disseram a Jesus: “Mestre, agora mesmo esta mulher foi apanhada em adultério. Moisés mandou-nos na lei que apedrejássemos tais mulheres. Que dizes tu a isso?”
Perguntavam-lhe isso, a fim de pô-lo à prova e poderem acusá-lo. Jesus, porém, inclinou-se para a frente e escrevia com o dedo na terra. Como eles insistissem, ergueu-se e disse-lhes: “Quem de vós estiver sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra”. Inclinando-se novamente, escrevia na terra. A essas palavras, sentindo-se acusados pela sua própria consciência, eles foram-se retirando um por um, até ao último, a começar pelos mais idosos, de sorte que Jesus ficou sozinho, com a mulher diante dele. Então ele ergueu-se e vendo ali apenas a mulher, perguntou-lhe: “Mulher, onde estão os que te acusavam? Ninguém te condenou?” Respondeu ela: “Ninguém, Senhor”.
Disse-lhe então Jesus: “Nem eu te condeno.” – São João, Cap. 8, 3-11

Cristo era crítico do adultério, mas não condenou a adúltera. Jesus critica o comportamento adúltero, mas não condena o ser humano que o pratica, porque Ele sabe, nomeadamente, que o ser humano pode perfeitamente ter outro tipo de comportamento, dependendo da sua vontade (e das circunstâncias em que vive).

“No princípio da criação, Deus os fez homem e mulher. Por isso, deixará o homem pai e mãe e se unirá à sua mulher; e os dois não serão senão uma só carne. Assim, já não são dois, mas uma só carne. Não separe, pois, o homem o que Deus uniu.” – São Marcos, 10, 6-9

Aqui, Jesus coloca o homem e a mulher exactamente no mesmo plano (“e os dois não serão senão uma só carne”). Tendo em conta que os conceitos deste excerto têm 2.000 anos, eles são verdadeiramente revolucionários para a época.
Seiscentos anos mais tarde, escreveu Maomé:

“Não desposareis as idólatras antes de elas se converterem.” – Alcorão, A Vaca, 221

“As vossas mulheres são vossa pertença. Desfrutai-as como quiserdes, mas fazei-o com cuidado.” – Alcorão, A Vaca, 223

Sobre a política de heranças, diz Maomé:

“Se um homem morre (…) e se houvesse vários irmãos, varões e fêmeas, ao varão corresponderia uma parte igual à de duas fêmeas.” – Alcorão, Cap. IV, 176

Aqui, Maomé considera que um homem vale por duas mulheres. Já não é nada mau; podia ser pior…Existem muitas outras passagens no Alcorão que classificam a mulher como um ser inferior, mas não cabe aqui a referência de todas.

Corolário: O Integrismo Islâmico

O “Integrismo Islâmico”, segundo os especialistas (como Abdelwahab Meddeb), é a interpretação “à letra” do Alcorão. Cito Meddeb:

“Na Tradição – o Alcorão e a tradição profética –, o acesso à palavra estava salvaguardado: era necessário obedecer a condições específicas para a interpretar e a fazer falar. Mas o acesso selvagem a esta palavra não pôde ser impedido, e por várias vezes a História viu-se obrigada a registar as catástrofes que o mesmo provocou.
Em consequência dos efeitos da demografia e da democracia, os semi-letrados proliferaram, e os candidatos que se permitem tocar na palavra tornaram-se infinitamente mais numerosos: e o número reforça o seu fanatismo”.

O que Abdelwahab Meddeb quer dizer com isto, é que o Islamismo foi, no seu início, uma religião conduzida por uma elite – em que só uma pequeníssima parte dos seus seguidores tinha acesso aos textos –, e foi essa elite que “filtrou” a mensagem do Alcorão nos primórdios do islamismo, interpretando-o a seu bel-prazer e segundo as necessidades de cada momento: se era preciso fazer a paz, a elite evocava o Alcorão para que o povo fizesse a paz; se era preciso fazer a guerra, a elite evocava o Alcorão para o povo fazer a guerra.

Com a democratização da cultura e com a alfabetização, o Alcorão passou a estar disponível à leitura de milhões, e o “filtro” ideológico dessa elite deixou de existir. A leitura do Alcorão “à letra”, por parte da populaça, era expectável, e é incontornável.

Abdelwahab Meddeb critica o Integrismo, mas a verdade é que o Integrismo é a interpretação do Alcorão tal qual ele é. O que fizeram as elites (que comandaram o Islão durante os seus primeiros séculos) foi a manipulação do Alcorão segundo os interesses temporais e de circunstância ditados por essas mesmas elites.
O problema da “Doença do Islão” não está só nos semi-analfabetos actuais: está na intolerância religiosa Integrista que o próprio Alcorão exige – salvo quando é realizado o pagamento da Jizya por parte dos “Povos do Livro” (judeus e cristãos), excepção que o Alcorão, obviamente, prevê.

O Integrismo, no sentido da sua intolerância violenta, é próprio do Alcorão – é uma característica intrínseca do Alcorão. Em contraponto, a intolerância católica medieval não era uma característica dos Evangelhos, mas algo de exógeno à doutrina, um adereço ideológico introduzido na praxis religiosa pela cúria romana. Confundir as duas situações não é intelectualmente honesto.

O Islão, segundo o Alcorão, é Integrista, e não pode ser outra coisa senão Integrista. Por isso, e ao contrário do que dizem os intelectuais da Esquerda europeia, o “Choque de Civilizações” existe mesmo, é uma realidade evidente – não é uma invenção de um qualquer americano pedante.

(continua)

1 Comentário »

  1. […] foi demonstrado de uma forma sintética na posta anterior (link), o Integrismo Islâmico não é exclusivamente um fenómeno “fabricado” pelos seguidores […]

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