perspectivas

Segunda-feira, 12 Março 2007

Presentismo Histórico

Filed under: Europa,Política,politicamente correcto — O. Braga @ 9:59 am

O Cabalas tem um post extremamente interessante – não só pela notícia do post em si, mas pelo que nos transmite de absurdo sobre o interesse dos políticos actuais em manipular a História. Para não estar a repetir, aconselho a leitura do post, e depois voltem cá.

O que é a História? É o relato inter-conexo (interligado ou correlacionado) de todos os factos, devidamente documentados, ocorridos no passado. Tão simples quanto isto. A História está relacionada com factos verificáveis através de documentos, sejam estes escritos, arqueológicos, etc.

Por exemplo, não podemos afirmar que a escravatura não existiu. Existem documentos que provam que a escravatura existiu. Não podemos dizer que os Gulags não existiram na ex-URSS, porque existem documentos escritos sobre o assunto. De igual modo, não podemos dizer que não existiu uma disputa secular entre a França e a Alemanha sobre os territórios da Alsácia e a Lorena; existe documentação vasta que prova uma querela entre os dois países, até hoje, ao ponto de a França decidir que Estrasburgo seria uma “cidade europeia”, colocando lá o Parlamento Europeu.
E o que é que os políticos europeus actuais querem fazer à História? Simples: fazer “desaparecer” alguns factos históricos, e dar ênfase a outros factos – aqueles que convém à agenda da construção do leviatão europeu. A isto, chama-se “manipulação politicamente correcta da História”.

Com Marx, surgiu o Modernismo Histórico. A interpretação da História passou a ser feita por dois prismas diferentes: a marxista (ou o Fim da História), defendida pela esquerda marxista em todo o mundo – e também no Ocidente – e a capitalista ou ocidental. De ambos os lados da barricada, factos históricos foram “escondidos” e outros factos enfatizados, de acordo com as conveniências políticas.

Nos anos sessenta, com o advento da sociedade de consumo no Ocidente, surgiu o Pós-modernismo Histórico. A interpretação da História passou a reflectir a tendência social para a escolha de consumíveis, e as visões históricas atingiram uma variedade imensa de “produtos culturais”, embora nem sempre atentando aos factos históricos documentados. Surgiu o Relativismo Histórico, fruto da afirmação do Descontrutivismo Filosófico; afirmou-se o marxismo-cultural de Marcuse e a sua visão da História. Contudo, no Pós-modernismo, existia pelo menos a liberdade de seguirmos uma interpretação histórica de acordo com os nossos particulares interesses ou sentimentos, o que não parece ser a tendência actual. Napoleão afirmou que “a História é o relato dos vencedores”; ora, o Pós-modernismo veio mostrar que Napoleão não tinha razão, porque passou a haver relatos para todos os gostos e feitios, não só a visão dos vencedores.

O “Livro Único da História da Europa” é um sinal claro de Presentismo Histórico.

Para além de tentar “apagar” a História das pequenas nações (como é o caso de Portugal), enfatizando apenas as conexões históricas dos países mais populosos da Europa, pretende fazer um fresh start histórico, branqueando os factos históricos que “incomodam” uma determinada agenda política, e fazendo ressaltar outros que “ajudam” nessa agenda.
Estamos hoje pior do que no tempo do Modernismo, e multo pior do que no Pós-Modernismo; no primeiro, existindo uma bipolaridade na interpretação da História, existia, pelo menos, um contraditório interpretativo; no segundo, as prolixas interpretações permitiam um apurado sentido de acuidade nas conclusões. Através do Presentismo Histórico, passa a existir uma só visão da História, a politicamente correcta.

A União Europeia ainda não se deu conta que é um erro construir um bloco político através da manipulação dos povos europeus pelas respectivas elites. Podemos criticar os americanos em muita coisa, mas os Estados Unidos foram fruto das Uniões Territoriais populares da colónia britânica, que deram lugar, mais tarde, aos Estados Federados. Na Europa, os políticos querem construir a casa começando pelo telhado.

1 Comentário »

  1. Agradeço a referência ao meu artigo.
    Concordo com a tua conclusão, “Na Europa, os políticos querem construir a casa começando pelo telhado”.
    É um facto que as elites políticas europeias querem à viva força ter cá uns Estados Unidos Europeus, quer as populações concordem ou não.
    É esse o objectivo e, para lá chegar, servem todos os métodos.

    O tal livro único europeu seria uma coisa insuportável reduzindo a História da Europa provavelmente só à da França e da Alemanha, com uns laivos da inglesa, espanhola e talvez italiana.
    Isto lembra-me um livro que vi já há muitos anos, Histoire Universelle para uso dos estudantes do secundário francês.
    Para aí uns 80% da tal História Universal eram dedicados á França e à Alemanha. A China lá conseguia ter direito a umas páginas. Quanto a Portugal tinha um parágrafo num capítulo dedicado aos descobrimentos espanhóis que dizia que um tal Vasco da Gama tinha ido passear até à Indía…

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    Comentar por O Raio — Terça-feira, 13 Março 2007 @ 2:59 am | Responder


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