perspectivas

Domingo, 25 Dezembro 2011

As Onze Tretas a favor do Acordo Ortográfico

Filed under: acordo ortográfico — O. Braga @ 7:37 pm

Defender o Acordo Ortográfico é, em si mesmo, um exercício do contraditório — como podemos verificar neste texto. Por exemplo, diz-se no ponto 2. que o Acordo Ortográfico é um acordo sobre a ortografia; mas constatamos que o acordo é tudo menos um acordo sobre a ortografia. Não vou muito longe e dou um exemplo com o título deste blogue: perspectivas. Segundo o acordo, em Portugal passa a escrever-se “perspetivas”, mas no Brasil continua a escrever-se “perspectivas”. E isto porque a redução da lógica da língua ao absurdo exige que “se escreva conforme se fala”!

Abre-se a caixa-de-pandora: a partir do momento em que a lógica subjacente à construção linguística passa a ser a de se “escrever conforme se fala”, fica aberta a probabilidade — e não já uma mera possibilidade — de pulverização da língua portuguesa: exactamente o contrário do que os acordistas alegadamente defendem.

No ponto 3., a língua portuguesa é tratada como um objecto técnico-científico. Os aspectos culturais, históricos e etimológicos da língua são pura e simplesmente desclassificados.

No ponto 4., o escriba entra em demagogia política: a esmagadora maioria dos intelectuais e escritores portugueses está contra este acordo não porque este constitua em si mesmo “uma traição à pátria”, mas porque o acordo não acorda absolutamente nada: o escriba pretende escamotear este facto criando um argumento espantalho. Mas mais grave, o escriba defende a ideia segundo a qual, se no futuro, o Brasil, como país soberano, decidir adoptar por exemplo o Tupi como língua oficial — que pode ser uma das formas possíveis de criar a “língua brasileira” —, Portugal deveria seguir o absurdo.

No ponto 5., o escriba reduz a oposição ao Acordo Ortográfico de pessoas, como por exemplo Vasco Graça Moura, aos interesses de editores e livreiros portugueses — quando o que se passa é exactamente o contrário disto: por exemplo, o grupo editor português Leya, entre outros, está já fortemente implantado no Brasil. Para o escriba, as pessoas opõem-se ao acordo por simples interesses de negócio [o que não é maioritariamente verdadeiro], escamoteando assim o absurdo do acordo em si mesmo.

No ponto 6., o escriba reduz a utilidade de uma língua à estratégia política. Hiperbolizando a ideia do escriba, poderia então ser defensável a alienação da língua portuguesa, por exemplo, em nome de uma integração política ibérica. Como é evidente, a visão da língua subjacente é meramente política, e a estratégia da língua deve estar sujeita — segundo o escriba — às opções politicamente correctas — quaisquer que sejam — do Zeitgeist.

Nos pontos 7 e 8., o escriba entra em propaganda política que a própria tese dos 11 pontos de Karl Marx deixa antever. A História é diabolizada. O passado deve ser esquecido. O presentismo prevalece. Com a diabolização da História e do passado, pretende-se construir o Homem Novo, uma nova versão do Bom Selvagem de Rousseau. As figuras históricas portuguesas são de “estreitas vistas”; são “retardatários históricos”. Já não se trata aqui de saber se o Acordo Ortográfico tem alguma lógica: trata-se, antes, da manipulação ideológica e política do próprio acordo. O acordo é transformado em um instrumento de acção política e ideológica.

No ponto 9., o escriba passa a descrever a certeza que ele tem do futuro. O futuro é uma certeza absoluta, que justifica as opções políticas e ideológicas que instrumentalizam a língua portuguesa. Nada pode impedir a realização inexorável desse futuro certo, e todos os meios para realizar esse desiderato utópico estão, por si mesmos, justificados — incluindo a alienação antidemocrática da identidade cultural portuguesa. É esta mesma lógica que preside à construção do leviatão europeu: os fins justificam todos os meios; trata-se de uma visão teleológica da ética política.

O ponto 10. é patético: utiliza-se a falácia ad Hominem para desclassificar qualquer oposição ao aborto ortográfico, ao mesmo tempo que se metem todos os opositores no mesmo saco. Inqualificável.

O ponto 11. é, mais uma vez, profético. O futuro será, sem tirar nem pôr, conforme o iluminado escriba prescreveu. Só temos que seguir o guru e a sua praxis, com a fé necessária nas suas profecias que nos apontam a realização desse futuro, absolutamente certo, que transforma os cépticos em inimigos do “progresso” entendido como uma lei da natureza.

3 comentários »

  1. Excelente posição, com acuidade e visão cirúgica. Parabéns pelo seu texto!

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    Comentar por alinegallaschhall — Terça-feira, 27 Dezembro 2011 @ 2:54 am | Responder

  2. Parabéns pelo texto.

    Aproveito para divulgar que existe uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico, em fase de recolha de assinaturas, ver em:

    Click to access ilcassinaturaindividual.pdf

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    Comentar por paulosmatos — Quarta-feira, 28 Dezembro 2011 @ 3:27 pm | Responder

  3. […] muito mau negócio», Ricardo Pais; «As onze tretas a favor do Acordo Ortográfico», Orlando Braga; «Pare, escute e olhe! Ainda vamos a tempo de evitar o desastre!», Maria José […]

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    Pingback por Artigos contra o AO (Parte 2) | esquinas — Sábado, 17 Março 2012 @ 2:24 pm | Responder


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