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Domingo, 1 Junho 2008

Do Budismo ao Cristianismo (3)

Filed under: Religare — O. Braga @ 7:13 pm
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O Cristianismo distingue-se das outras duas grandes religiões ditas “monoteístas”, basicamente pelas seguintes razões:

  • é uma religião que atribui ao dever moral ― emanado de uma ética universal escorada na vontade do Criador ― um estatuto prioritário na actividade humana;
  • defende a não-violência;
  • tem a noção de Trindade, que significa uma desmultiplicação da fonte de regulação (“regulação” é diferente de “criação”) universal.

Naturalmente que sabemos que o Cristianismo nem sempre foi sinónimo de não-violência, mas isso não se deve à filosofia do Cristianismo, mas ao poder secular que manipula e distorce a filosofia original.

Estas três características que diferenciam o Cristianismo do Islamismo e do Judaísmo, estão presentes no Budismo primordial, também chamado de “Hinayana”. A talhe de foice, convém dizer que existem diversos “budismos”, assim como existem diferentes correntes cristãs.

Porém, Jesus Cristo introduziu uma diferença importante em relação ao Budismo Hinayana: o não-conformismo. Ao contrário do que os detractores do Cristianismo nos querem fazer crer, a filosofia de Jesus ensina o não-conformismo em relação ao poder temporal. A frase “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”, revela um distanciamento de Jesus em relação ao poder político; porém, não sendo Jesus um reformador político, não deixou de criticar algumas práticas políticas moralmente condenáveis ― e aqui está a noção do “dever moral” cristão.

«Havia um homem rico cujos campos produziam muito. E ele reflectia consigo: Que farei? Porque não tenho onde recolher a minha colheita. Disse então ele: Farei o seguinte: derrubarei os meus celeiros e construirei maiores; neles recolherei toda a minha colheita e os meus bens. E direi à minha alma: Ó minha alma, tens muitos bens em depósito para muitíssimos anos; descansa, come, bebe e regala-te. Deus, porém, disse-lhe: Insensato! Nesta noite ainda exigirão de ti a tua alma. E as coisas, que ajuntaste, de quem serão? Assim acontece ao homem que entesoura para si mesmo e não é rico para Deus.» ― Lucas, 12,16

«É mais fácil passar o camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar o rico no Reino de Deus.» ― Marcos 10, 25

Existem muitas outras passagens nos Evangelhos que manifestamente criticam os ricos que não partilham a sua riqueza com a comunidade. Mas também existem muitas passagens que bendizem os ricos que se preocupam com a comunidade e com a justiça ― por exemplo, Lucas 16, 1, entre muitas outras. Portanto, Jesus não foi exactamente contra os ricos (porque os ricos existirão sempre), mas foi totalmente contra a injustiça gritante e atentatória da dignidade humana, e neste sentido, a doutrina de Jesus é uma doutrina do não-conformismo, ao contrário do Budismo que se acomodou e se adaptou às castas sociais da Índia bramânica. Jesus impele-nos a uma revolta contra a injustiça baseada na resistência passiva, isto é, não-violenta, filosofia que o próprio Mahatma Gandhi confessou ter ido buscar ao Cristianismo ― e não ao Hinduísmo ou ao Budismo.

A religião, como a utopia, pode facilitar a resignação dos crentes e a aceitação de uma determinada realidade social sem contestação e espírito crítico; ela pode ser o “ópio do povo” de Marx, mas pode ser também a uma táctica de acção contra um sistema de poder instalado que se revele injusto e não proteja os mais fracos. A visão cristã da sociedade é profundamente incompatível com a actual visão darwiniana da selecção das espécies aplicada à sociedade humana, não só por razões endógenas, mas também por razões de humanismo e de dignificação da condição humana.

Portanto, às três características diferenciadoras acima referidas, podemos acrescentar mais uma:

  • o Cristianismo defende a procura da justiça social através de meios pacíficos, entre eles o recurso à resistência passiva não-violenta.

Dizem os escritos indianos que relatam a vivência de Issa por terras indianas, que o profeta essénio foi expulso do sul da Índia por se ter rebelado ― de forma pacífica ― contra o sistema de castas indiano, sendo obrigado a refugiar-se na actual fronteira da Índia com o Tibete. A justiça social era importantíssima para Jesus, e só quem não leu os Evangelhos pode dizer o contrário disto. Jesus sabia que o Budismo Hinayana ― e todas as outras religiões do seu tempo ― apresentavam falhas na área da dignificação humana, e introduziu na sua filosofia algo de inovador: a resistência pacífica contra a injustiça.

A evolução súbita e a evolução gradual

«Quem não nascer de novo não poderá ver o Reino de Deus.»

Esta frase não é um mantra búdico; pode ser lido em Lucas 3,3. Esta frase de Jesus tem um duplo sentido, flagrantemente baseado no conceito de “dupla verdade” búdica: o sentido imanentista (Samsara), e o sentido transcendental (Nirvana). Contudo, Jesus falou por códigos e simbolismos, para que não fosse ridicularizado pelos doutores da igreja de Israel. Jesus poderia ter dito: “Quem não se despojar de antigos costumes”, ou “quem não mudar a sua vida”, mas Jesus escolheu dizer “quem não nascer de novo”. Não se trata aqui de uma simples alegoria ou poesia na linguagem: “nascer de novo” foi aplicado intencionalmente.

O sentido teísta da frase pressupõe a revelação transcendental de Deus, que, contudo, só é conseguida pela evolução gradual imanentista, que pode ser mais directa e rápida ou mais lenta, consoante a vontade e o livre arbítrio disponível para cada um de nós em determinada situação . A “dupla verdade” diz-nos que o livre arbítrio pode ser mais ou menos condicionado ou limitado, mas que esse condicionamento ― maior ou menor ― é auto-imposto pela nossa condição na escala de evolução do Samsara.

“Quem não nascer de novo, não poderá ver o reino de Deus”, tem esse significado da “dupla verdade” búdica panenteísta da “evolução em dois mundos” em direcção ao Reino transcendental de Deus: por um lado, a procura transcendental da revelação de Deus, obrigando o Homem a despojar-se da vida que viveu até ao momento em que decidiu optar pelo caminho da procura da “revelação”. Por outro lado, a necessidade do gradualismo na evolução, subjacente ao Samsara dos ciclos de morte e nascimento.


Do budismo Hinayana primordial, que é hoje basicamente seguido no Tibete na sua estrutura original, evoluíram várias escolas e correntes budistas, e tantas são elas que seria prolixo estar aqui a enumerá-las todas. Contudo, o Budismo Mahayana surgiu posteriormente como variante mesclada com o confucionismo e o taoísmo chineses, e derivado do Mahayana, surgiu mais tarde o Zen e as suas variadíssimas escolas dispersas por toda a China e Japão. O Zen (ou Chan) é mais uma filosofia do que uma religião, devido às influências taoístas e confucionistas na China, a que se adicionou o xintoísmo no Japão. A religião budista primordial (Hinayana) existe basicamente no subcontinente indiano, no Tibete, e parcialmente adulterada pelo Zen nos países da Indochina (Tailândia, Birmânia, etc.).

Enquanto o Hinayana preconiza o gradualismo na evolução no Samsara (imanentismo) em direcção ao Nirvana (transcendentalismo), uma importante corrente do Zen chinês (Huineng) defendeu a revelação súbita, isto é, não gradual e independente dos ciclos de morte e renascimento (contrária à “dupla verdade” do Hinayana) , enquanto que outras escolas mais tradicionalistas do Zen, como a Shenxiu, defendiam a evolução gradualista primordial. Estas duas teses opõem-se até hoje. Jesus fez a síntese das suas teses. «Quem não nascer de novo não poderá ver o Reino de Deus» pressupõe a necessidade do gradualismo, mas chama a atenção para a possibilidade da revelação súbita através da vontade e da disponibilidade do indivíduo.

Quando falamos em Jesus Cristo, temos que ter em consideração de que se trata de uma individualidade excepcional em termos de características inatas, e que soube ler e aperfeiçoar as religiões existentes criando uma nova e revolucionária filosofia.

1 Comentário »

  1. Olá, vc não me conhece, mas estou precisando de auxilio.
    estou pesquisando sobre busdismo, um trabalho da faculdade
    e estou precisando de textos sobre o pqueno veiculo e o grande veiculo,
    o pequeno veiculo e o grande veiculo
    conceitos teologicos sobre sansara , carma, renacimneto, tharma
    4 verdades basicas, o estado da alma,
    e informacoes sobre o livro da sabedoria e sobre a forma de culto

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    Comentar por edilene — Sábado, 20 Setembro 2008 @ 7:40 pm | Responder


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