perspectivas

Terça-feira, 20 Maio 2008

O estoicismo

Filed under: Religare — O. Braga @ 6:44 pm
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O período da filosofia grega de Sócrates a Aristóteles é marcado pela preocupação do equilíbrio entre a ciência (Razão), a virtude e o prazer. Trata-se de um período em que a filosofia se preocupou com questões morais. Esse equilíbrio entre a ciência e a virtude foi quebrado pelos “cínicos” (literalmente, “os que viviam como cães”) que favoreciam a virtude em detrimento da ciência, e a partir daí toda uma série de teorias se radicalizaram para cada um dos lados. Enquanto Sócrates dizia que “a virtude é ciência”, os estóicos passaram a dizer que “a ciência é virtude”.

O estoicismo terá sido uma das correntes filosóficas que mais marcou a história da filosofia, para o melhor e para o pior. Por exemplo, o conceito de “necessidade” determinística da ordem cósmica que mais tarde influenciou Espinosa foi desenvolvido pelos estóicos. A “ética do dever”, de Kant, foi nitidamente influenciada pelo estoicismo. A noção de “proposição” que marcou posteriormente a teoria da linguagem neopositivista, a noção da Lógica como uma dialéctica, a teoria do “ciclo cósmico” e do “eterno retorno” que Nietzsche plagiou, tudo isso foi desenvolvido pelos estóicos.

O estoicismo nasceu com um discípulo de Aristóteles, Zenão de Citrum, no século IV a.C., e o nome da escola baseou-se no local onde funcionou em Atenas (Stoà poikíle), isto é, a escola do “Pórtico Pintado”.

Os estóicos terão sido os primeiros a tentar racionalizar a ética, isto é, tentaram desligar a ética da metafísica, matéria com que se debate ainda o materialismo filosófico da actualidade (sem solução à vista). Para isso, os estóicos dividiram as virtudes em três categorias: a “natural”, a “moral” e a “racional”, sendo que à virtude “natural” correspondia a Física, à virtude “moral” correspondia a Ética, e à virtude “racional” correspondia a Lógica.

A Lógica e a Física

A Lógica dos estóicos assumia duas categorias: a Retórica, que era a ciência do discurso contínuo e sem contraditório, e a Dialéctica, que era ciência do discurso exercido através do contraditório. A Dialéctica estóica prevê um esboço da teoria da linguagem (de Carnap e Wittgenstein) quando define a Gramática como a ciência das palavras e a Lógica Gramatical como a ciência que se ocupa do significado das palavras. Foi aqui que começou o desconstrucionismo ideológico moderno.

O estoicismo esteve também na origem do existencialismo materialista de Heidegger e Sartre, através dos conceitos de “representação cataléptica”, ou “conceptual”, que aborda a temática das relações entre o intelecto humano e os objectos que o rodeiam e a acção dos objectos sobre o intelecto. Os estóicos chegam à conclusão de que a “representação cataléptica” é dotada de “uma evidência não contraditada”, com a qual a liberdade humana, na sua aceitação, não seja posta em causa pela lógica. Temos aqui o princípio do racionalismo científico moderno, que parte da premissa “lógica” que uma “evidência não contraditada” é sempre verdadeira até que apareça uma outra “evidência não contraditada” que a contradiga.

O conceito de “Epoché” que Husserl utilizou na sua Fenomenologia é de origem estóica e, no fundo, todas estas tendências filosóficas modernas desenvolveram conceitos abordados pelo estoicismo.

O Empirismo racionalista inglês foi buscar muita coisa à teoria do conhecimento dos estóicos, quando estes defendiam que o conhecimento humano deriva exclusivamente da experiência e que o ser humano era como que uma “tábua rasa” quando nascia, tábua essa onde eram depois “inscritas” as experiências da vida.
A célebre teoria da “tábua rasa” vem dos estóicos: as experiências resultantes das relações entre o intelecto e os objectos externos são impressas na alma (no sentido psíquico) de uma forma passiva, e os estados da alma resultam exclusivamente do relacionamento com os objectos externos. Assim para os estóicos, não existe nenhuma diferença entre a experiência externa e a experiência interna.
Contudo, segundo os estóicos, os conceitos que os seres humanos têm dos objectos, e do mundo em geral, não têm nenhuma realidade objectiva: o real é sempre individual (subjectivo) e o universal só existe enquanto é uma simples previsão do futuro. A previsão do futuro é uma consequência da experiência e é a única noção natural do universal., e neste sentido, o estoicismo é um “nominalismo”, na medida em que nega a realidade universal e considera a realidade limitada à súmula das realidades individuais subjectivas. Nasceu aqui o “relativismo” dos valores.

Ao admitirem a noção do ser humano como uma “tábua rasa” aquando do nascimento, os estóicos cortaram toda e qualquer ligação com as filosofias orientais que sempre influenciaram a filosofia grega até Aristóteles, e assistimos ao nascimento do naturalismo materialista puro e duro. Como podemos constatar, os estóicos estiveram na base do relativismo ético-moral que mais tarde foi desenvolvido pelos descontrucionistas da linguagem (Carnap, Derrida, entre outros), pelos marxistas-culturais (Lukacs, Marcuse, Adorno) e pelos existencialistas materialistas (Sartre, Heidegger, etc.).

A própria “teoria da falsibilidade” de Karl Popper escorou-se na Lógica da Linguagem dos estóicos: um significado completo só existe numa proposição em que se pode constatar possibilidade da existência do falso, assumindo-se então essa proposição como verdadeira.
Por exemplo, a frase: “se é dia, há luz; mas é dia, logo existe luz.”. Esta proposição é verdadeira se é dia, mas é falsa se é noite. Por outro lado, podemos dizer que “se é dia, há luz; mas não há luz, logo não é dia”, e por aí afora, sendo que cada esquema de raciocínio é verdadeiro quando parte de premissas verdadeiras (quando corresponde à situação de facto depois de eliminada a possibilidade de falsidade da proposição).
Naturalmente que Karl Popper deu a esta incipiente teoria uma outra dimensão.

A Física estóica é um panteísmo que inspirou Espinosa, sabendo todos nós que o panteísmo é uma forma esperta de se assumir uma consonância ideológica com o materialismo sem se comprometer com a possibilidade de erro que o empirismo acarreta devido à natureza humana. Se o ser humano erra e não existe um Deus criador, então a solução para o problema está no panteísmo. Em relação à possibilidade de Deus, o panteísmo não é um “não”, nem um “sim”: é um “NIM”. Um panteísta é alguém que gosta de “sol na eira e chuva no nabal”, alguém que acredita que não acredita mas gostava de acreditar para deixar de ter dúvidas e para que os outros saibam que acredita.

A Ética

A ética dos estóicos é uma teoria do uso prático da Razão. O ser humano deve viver de acordo com a natureza, segundo os estóicos. Contudo, a maioria dos líderes estóicos – desde Zenão a Séneca – suicidaram-se, o que prova a inconsistência da ética estóica, porque se vivessem de acordo coma a natureza deixariam os seus dias transcorrer até ao fim. Se por um lado os estóicos diziam que o ser humano deveria viver segundo a natureza, por outro lado o seu racionalismo era tão exacerbado, fanático e exagerado que a noção de dever ético racional (kathékon) estava acima da própria natureza.

«Os estóicos chama de “dever” àquilo cuja escolha pode ser racionalmente justificada…das acções realizadas pelo instinto, algumas são próprias do dever, outras nem próprias do dever nem contrárias ao dever. Próprias do dever são aquelas que a Razão aconselha efectuar, como honrar os pais, os irmãos, a pátria e viver em harmonia com os amigos. Contra o dever são aquelas que a Razão aconselha a não fazer…Nem próprias do dever nem contrárias ao dever são aquelas que a razão nem aconselha nem condena, como levantar uma palha, pegar numa pena, etc.»
– Diógenes Laércio

A teoria ética dos estóicos levou à justificação “racional” do suicídio, a coberto da noção de “dever” que pode contradizer a Natureza. O “dever” não é o “bem”; o “bem” só existe como “dever” quando a experiência prova que uma acção ou atitude é racionalmente provada como sendo positiva. Assim, aquilo que à partida poderíamos considerar como sendo “mal”, como o suicídio, pode ser um “bem” se for inspirado pelo “dever” racionalmente entendido.

Para os estóicos, entre o homem virtuoso e o sacana, não existe meio-termo: um homem ou é virtuoso ou é sacana – “preto e branco”, não há cá “meias-tintas”. Naturalmente que os estóicos se consideravam todos virtuosos, e os outros eram todos sacanas. O sábio estóico faz sempre tudo bem e virtuosamente, porque utilizando a Razão, é um Deus na Terra.

Para o estóico, a emoção (pathos) não tem absolutamente qualquer valor. Segundo os estóicos, a emoção – como por exemplo, a que decorre do riso de uma criança – não tem qualquer função na economia geral do cosmos que providenciou, de modo perfeito, a conservação e o bem dos seres vivos, porque a natureza deu aos animais o instinto e deu aos homens a Razão.
A emoção denota ignorância, futilidade, estultícia, e não é sinal de racionalidade, e por isso, a emoção dever ser eliminada no sábio estóico.

A emoção é uma doença. Por exemplo, o sábio estóico, nas suas relações sexuais, deve despir-se de qualquer emoção, porque se trata de um acto físico e instintivo assim entendido racionalmente; assim, o sábio estóico fornica a sua mulher como um boi vai à vaca (embora o boi ainda solte algum gemido).

A condição do sábio estóico é a indiferença a toda a emoção, isto é, a apatia.

(Nota: a única vantagem que penso ter ganho ao escrever este texto, foi ter sentido aquela emoção que caracteriza a vingança – com uma certa dose de sadismo – que resulta do facto de aqui ter desancado desalmadamente nos estóicos.)

23 comentários »

  1. Essa matéria é verdadeira? ou não passa de uma mentira ?

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    Comentar por Jéssica — Quarta-feira, 29 Abril 2009 @ 6:05 pm | Responder

    • Os factos relatados são verdadeiros. A conclusão que retiro dos factos (opinião) é minha, e portanto, tanto os factos como a opinião são verdadeiros. Eu não tenho que provar que estou certo na minha opinião; quem tiver conhecimentos suficientes sobre o assunto que rebata a minha opinião.

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      Comentar por O. Braga — Quarta-feira, 29 Abril 2009 @ 8:22 pm | Responder

  2. Infelizmente , o homem que se envereda pelo caminho do indiferentismo caiu na armadilha do mecanicismo, do frio, do gélido, praticamente do um buraco sem fim. é bem verdade , quer a paixão , leva o homem , ha muitos desafetos, pórém ,também é verdade que a verdadeira paixão, que nesse caso, podemos chamar de amor, faz o homem entrar numa esfera chamada de altruísmo. Quando ele procura amar incondicionalmente é justamente nesse ponto que de fato ele atinge o ápice da vaedadeira essencia da vida. Logo, os nossos amigos estoicistas , respeitando o jeito de ser e de viver . Contudo , percebe-se que são ´pessoas frusatradas.

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    Comentar por barto — Quarta-feira, 2 Setembro 2009 @ 5:45 pm | Responder

  3. Eu li o que o O.Braga escreveu e tenho conhecimento deste assunto pude perceber que as informações contidas no texto são, em sua maioria, verdadeiras.

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    Comentar por bruna matos — Quarta-feira, 11 Novembro 2009 @ 10:10 pm | Responder

  4. É barto, o Marco Aurélio era uma pessoa frustada… Leia “Meditações”, e tire suas conclusões.

    Vejam quanta frustação e apatia:

    “Mantenha-se bom, puro, sério, livre de afetação, amigo da justiça, gentil, apaixonado, vigoroso em todas as suas atitudes. Lute para viver como a filosofia gostaria que vivesse.”

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    Comentar por Anderson Stoa — Sexta-feira, 5 Março 2010 @ 7:01 am | Responder

  5. Os estóicos dividiram o homem e fundiram a natureza com a cultura. Foram os primeiros ‘hackers’ da filosofia ocidental. Abriram caminho para que, num mundo globalizado onde as pessoas são inundadas de tanta informação que leva a fé cega e ao cientificismo, ainda fosse possível encontrar um caminho para experimentar o mistério da existência.

    Pela razão apática (que pode ser descrita em proposições objetivas) os estóicos conseguiram aquilo que a filosofia oriental encontrou por outros meios (e não pode ser descrito sem um toque de poesia).

    Os estóicos conceberam o fio de Ariadne assim como a filosofia oriental concebeu a rede de Indra. Por isso os estóicos são radicais: ou o bem ou o mal. O fio de Ariadne representa um eixo com dois pólos. A rede de Indra representa um plano onde pode haver contraposição em infinitos eixos.

    Para os estóicos a apatia era necessária, para a filosofia oriental uma consequência.

    A filosofia estóica conduz à proposição de suicídio natural porque quando o estóico atinge esta “sabedoria” capaz de expor de uma maneira linear uma visão de mundo que funde natureza e cultura, teme provocar uma generalizada simbiose que submerja a individualidade – o objetivo final da vida de qualquer sábio oriental – então o estóico destrói a própria individualidade.

    A diferença é que os estóicos fazem isso com tanta emoção que beira a histeria, enquanto os filósofos orientais fazem com toda serenidade. Além disso, as proposições de um estóico envolvem todos a sua volta nesta simbiose, enquanto as palavras dos filósofos orientais só fazem isso com quem deseja.

    O estoico quer salvar o mundo e morre tentando, deixando um rastro de confusão. Um filósofo oriental não tenta salvar ninguém, nem a si mesmo. Para ele não há do que ser salvo.

    filosofia oriental + medo = estoicismo

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    Comentar por Sérgio Lindau — Quarta-feira, 30 Junho 2010 @ 6:42 am | Responder

  6. Boa tarde,

    Gostaria de saber se o Sérgio Lindau escereve para algum site específico. Gostei muito da sua síntese. Gostaria de ler mais coisas.

    obrigada

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    Comentar por Eleonora — Quarta-feira, 29 Setembro 2010 @ 6:55 pm | Responder

    • Atenção que aquilo que o Lindau escreveu é a antítese da ideia deste postal. A ideia de que os estóicos foram buscar a sua filosofia ao oriente é tão verdadeira quanto afirmar que toda a filosofia grega sofreu influência do oriente — o que é verdadeiro.

      A visão do Lindau sobre o estoicismo é uma visão poética, e não exactamente filosófica. E mais grave: como vimos, o estoicismo está na base do desenvolvimento do panteísmo monista e materialista de Espinoza (a que se opôs o Leibniz), do niilismo cultural moderno e das ideias materialistas europeias. Tem pouco a ver com os monismos orientais, e muito a ver com o monismo materialista gnóstico das religiões políticas modernas.

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      Comentar por O. Braga — Quarta-feira, 29 Setembro 2010 @ 9:43 pm | Responder

      • Você fez sérias afirmações aí O. Braga… Gostaria de entender os motivos pelos quais relaciona o estoicismo com o niilismo. Um segundo comentário é que acredito – particularmente- que você não tenha autoridade para separar com tanta veemência o que é um comentário filosófico de outro e o denominando (rotulando) como uma visão poética, sendo que pode haver uma coexistência entre os dois. Tornar a Filosofia algo tão matemático e técnico me parece destruir com toda sua construção,

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        Comentar por Amanda Ferreira — Segunda-feira, 4 Julho 2016 @ 7:56 pm

      • 1/ No texto, eu não relacionei o estoicismo com o niilismo — a não ser que a sua concepção de niilismo seja diferente da minha. Diga-me onde está, no texto, essa relação.

        2/ Perante um determinado argumento, você não deve invocar a autoridade de direito de alguém, ou a falta dela. Você deve rebater esse argumento (se não concorda com ele) com outro argumento, mas não afirmar que “você não tem autoridade”. Isso não é argumento.

        Por exemplo, você não concorda comigo. E eu digo: “você não tem autoridade”. E pronto, ganhei o debate. ¿Acha isso racional?

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        Comentar por O. Braga — Terça-feira, 5 Julho 2016 @ 10:45 am

      • Em meu comentário não mencionei que a relação foi feita no texto.
        Você o comentou: “E mais grave: como vimos, o estoicismo está na base do desenvolvimento do panteísmo monista e materialista de Espinoza (a que se opôs o Leibniz), do niilismo cultural moderno e das ideias materialistas europeias.Gostaria de saber os motivos pelos quais relaciona estoicismo com niilismo, ou melhor: por que “o estoicismo está na base do desenvolvimento do niilismo cultural moderno” … Entendeu?
        Sobre meu segundo comentário, foi apenas um comentário, não argumento. Bem como o seu que não expôs motivos razoáveis para se fazer a creditar que aquilo não era Filosofia. De qualquer modo embuti em meu comentário (que não foi argumento, nem rebatimento) que podemos olhar o comentário
        do colega Sergio como sendo filosófico e também uma visão poética,

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        Comentar por Amanda Ferreira — Quinta-feira, 7 Julho 2016 @ 8:43 pm

      • ¿Em que se baseou o cepticismo de Montaigne? No estoicismo.

        ¿Em que se baseou o materialismo de Espinoza? No estoicismo.

        Leia a “História das Ideias” de Nicola Abbagnano.

        O próprio Nietzsche teve influência do estoicismo. Contudo, há que fazer a distinção entre o estoicismo grego, por um lado, e o estoicismo romano, por outro lado.

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        Comentar por O. Braga — Quinta-feira, 7 Julho 2016 @ 9:36 pm

      • Observação: Não quero GANHAR OU PERDER debate, pois Filosofia para mim não é um joguinho. Quero sempre aprender e trocar, me modificar a partir disso.

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        Comentar por Amanda Ferreira — Quinta-feira, 7 Julho 2016 @ 8:46 pm

  7. Você têm razão Braga ao dizer que o que eu escrevi é a antítese deste postal, mas só até certo ponto.

    A questão é a seguinte: a fusão entre a natureza e a cultura (falando no sentido coletivo) implica na separação entre o homem e o cosmos (falando no sentido individual). O poeta William Blake esclareceu que a conseqüência disso foi que todas as bíblias e códigos sagrados desde então (exceto os orientais) concebem o homem composto por duas partes distintas: O corpo, de onde provém as energias do mal & do instinto, e a alma, de onde provém as energias do bem & da razão. Blake alertou que corpo e alma são inseparáveis assim como o homem e o cosmos & o bem e o mal. As energias do mal também provém da razão e, igualmente, as energias do bem também provém do corpo.

    Minha visão sobre este postal é poética porque não tenho um conhecimento aprofundado do assunto, sou um homem das Ciências e das Técnicas, mas passeio por outras paragens de vez em quando.

    Você sintetizou exatamente o que eu tentei dizer e não consegui fazer com clareza: que toda a filosofia grega sofreu forte influência do oriente. Com o sentimento de medo e insegurança (do qual o niilismo está fortemente impregnado) engedrou o estoicismo.

    Eleonora

    Eu não escrevo para nenhum site específico. Se quiser ler mais algumas palavras minhas peço que procure pelo meu nome e encontre meu e-mail em um arquivo zip de uma empresa canadense para entrar em contato. Então eu lhe envio alguns textos não publicados.

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    Comentar por Sérgio Lindau — Domingo, 24 Outubro 2010 @ 4:07 pm | Responder

  8. Sérgio.

    Em primeiro lugar, e salvo raríssimas excepções, a poesia e a filosofia não jogam bem uma com a outra. Por exemplo, o poeta Fernando Pessoa sentiu necessidade de escrever as suas obras em prosa, em que abordava temas filosóficos, e que de poéticas tinham muito pouco ou nada. A filosofia pressupõe a existência de lógica na sua estrutura, e na maior parte das vezes a poesia pouco tem de lógica. A poesia é intuitiva; a filosofia é racional; exigem dois modos diferentes de inteligência.

    Quando você se refere à relação entre natureza e cultura, em contraposição à relação entre o Homem e o cosmos, o que se passa é que você faz referência a dois tipos diferentes de culturas (culturas diferenciadas). A ligação homem/natureza surgiu no paleolítico superior com as religiões da Mãe-Terra, e a relação homem/cosmos afirmou-se a partir do neolítico superior com uma diferenciação cultural e religiosa em relação às religiosidades do tipo Mãe-Terra. A partir do momento em que os homens se organizaram em cidades, criaram muralhas nas cidades que os protegiam do mundo hostil lá fora, passaram a olhar o cosmos. Porém, o cosmos esteve sempre presente, mesmo nas culturas que praticavam a caça e recolecção, e mais entre aquelas que praticavam já uma paleo-agricultura.

    Desde que o Homo Sapiens existe — e mesmo o Neanderthal — que existem mitos cosmogónicos, que são os mitos sobre a criação do cosmos.

    Para além do mito cosmogónico, que todas as culturas têm (até a cultura Tupi tem), existem os mitos de origem. Os mitos de origem estão ligados à origem dos objectos que rodeiam o Homem, isto é, à natureza entendida como meio-ambiente. Por exemplo, para um índio tupi uma determinada planta tem um mito de origem — o índio atribui a essa planta uma história desde a sua origem no seio do meio ambiente (natureza).

    Enquanto que no paleolítico o Homem tinha mitos cosmogónicos (formação do cosmos) mas atribuía mais importância aos mitos de origem (meio-ambiente), no neolítico passou a valorizar mais os mitos cosmogónicos (formação do cosmos) embora mantendo os mitos de origem (meio-ambiente) em segundo plano e importância secundária.

    A distinção entre o corpo como uma coisa má, e a alma como coisa boa, tem origem gnóstica. Quando falamos em gnosticismo não podemos dizer que todas as religiões são gnósticas. O gnosticismo tem origem pan-indiana e espalhou-se para o ocidente (Mesopotâmia, Israel, Grécia antiga, etc), assumindo diversas formas que não cabe agora referir aqui.

    Em uma frase: o gnosticismo considera que o mundo material é tóxico e mau, e portanto, o corpo também é tóxico e mau; o gnóstico considera que ele não é deste mundo, que não pertence aqui, e procura constantemente uma evasão psicológica e uma justificação para aquilo que ele considera ser a “toxicidade do mundo”.

    Algumas seitas protestantes são gnósticas. O estoicismo tem uma forte influência gnóstica. A mente revolucionária (marxismo) é uma forma de religiosidade gnóstica moderna.

    A verdadeira religião não raciocina desta forma: para ela, o corpo também é uma dádiva de Deus que tem que ser respeitado em todas as suas funções. Se você ler São Tomás de Aquino (Summa Theologiæ) verificará que ele diz exactamente isso: a alma é importante, mas o corpo, como dádiva de Deus, também é importante.

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    Comentar por O. Braga — Domingo, 24 Outubro 2010 @ 5:26 pm | Responder

  9. Séneca não se suicidou porque quis, mas porque foi obrigado, por ordens de Nero, no rescaldo de uma conspiração. O estoicismo é uma espécie de utopia: é contra-natura e por isso mesmo é extremamente difícil de por em prática.

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    Comentar por Carlos Costa — Domingo, 28 Novembro 2010 @ 6:01 am | Responder

    • Carlos Costa : Nero mandou alguém executar Séneca. Ele foi condenado à morte. Séneca optou pelo suicídio. Para Nero estava tudo bem, desde que Séneca fosse morto de uma forma ou de outra, mas a verdade é que Séneca optou.

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      Comentar por O. Braga — Domingo, 28 Novembro 2010 @ 9:33 am | Responder

  10. Nada disso. Séneca foi condenado à morte por suicídio! Na Roma Antiga essa era a pena capital para os ricos e poderosos. Séneca foi obrigado a cortar os seus próprios pulsos. Lucano, o sobrinho de Séneca que também participou na conspiração, também foi obrigado a suicidar-se. No entanto, Séneca, ao contrário de Lucano, aceitou a pena de modo estóico; morreu com a dignidade de Petrónio ou Sócrates.

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    Comentar por Carlos Costa — Quinta-feira, 9 Dezembro 2010 @ 2:45 am | Responder

  11. Fiz confusão com Cícero, também ele estóico (e daí a minha confusão), e que sendo também rico e poderoso, foi condenado à morte pelas mesmas razões que Séneca — ver em http://goo.gl/Zgvif —, o que significa que a sua tese segundo a qual “na Roma Antiga essa era a pena capital para os ricos e poderosos”, não foi generalizada.

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    Comentar por O. Braga — Quinta-feira, 9 Dezembro 2010 @ 2:58 am | Responder

  12. Não digo que era a pena capital para todos. Digamos que era a pena capital para os menos odiados. Os mais odiados eram, na maioria das vezes, chicoteados até à morte. No caso de Séneca, ele foi obrigado a suicidar-se; no caso de Cícero, foi morto à maneira que os gladiadores derrotados eram mortos.

    Tem de compreender também que os estóicos admitiam o suicídio porque sabiam que muitas pessoas eram mais fracas e não conseguiam aguentar todas as adversidades. No entanto, a maioria dos estóicos não se suicidavam.

    E tem também que compreender que na antiguidade o suicídio era uma saída nobre. Não havia sobre ele os preconceitos dos dias de hoje.

    Visite o meu blog de história em http://hisversal.blogspot.com

    Abraço.

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    Comentar por Carlos Costa — Quinta-feira, 9 Dezembro 2010 @ 5:28 pm | Responder

  13. «Tem de compreender também que os estóicos admitiam o suicídio porque sabiam que muitas pessoas eram mais fracas e não conseguiam aguentar todas as adversidades.»

    Embora me pareça que em termos de História, o amigo possa ter uma grande segurança, sempre lhe digo e com todo o respeito, que em termos de filosofia terá que me provar que sabe mais do que eu. Aliás, embora eu seja da área de germânicas, qualquer actual licenciado em filosofia terá que provar que sabe mais do eu.

    O sage estóico suicida-se porque é forte, e não porque é fraco. Existe aqui uma inversão de valores por parte do estoicismo. Naturalmente que a maioria dos estóicos não se suicidavam porque não eram sages — ou não eram considerados como tal.

    Em relação aos “preconceitos”, existem preconceitos negativos (os que se fecham em dogmas) e positivos (os abertos à discussão). O problema é saber se os preconceitos negativos sobre esta matéria (o suicídio) são os da civilização cristã ocidental, ou os dos estóicos da antiguidade tardia.

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    Comentar por O. Braga — Quinta-feira, 9 Dezembro 2010 @ 6:28 pm | Responder

  14. Braga, eu não quero demonstrar que sei mais que você (não é essencial para a minha sobrevivência) e também não me importa se sei menos que você (a minha auto-estima não é abalada por isso). Estou apenas a argumentar, bem ou mal não sei.

    O suicídio, segundo o Judaísmo e o Cristianismo, é algo de negativo aos olhos de Deus. Por isso mesmo, segundo a nossa tradição judaico-cristã é visto com preconceito e negatividade. Na Grécia Clássica e Roma Antiga, o suicídio era visto como uma opção.

    A filosofia estóica admitia o suicídio, como uma opção para aqueles que não conseguiam lidar com algumas adversidades. É normal. Mesmo uma pessoa de “ferro” e estóica pode colapsar em alguns momentos. Os estóicos eram humanos e não seres divinos. Não pode descartar toda a sua filosofia com base no suicídio. Tem de concordar que em alguns aspetos eles eram superiores ao homem comum.

    No entanto, as minhas opiniões acima podem estar erradas.

    Abraço.

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    Comentar por Carlos Costa — Sexta-feira, 10 Dezembro 2010 @ 5:24 pm | Responder

  15. *************

    1. Estamos a comentar sobre o suicídio no estoicismo, não só pelo conteúdo do postal, mas sobretudo porque o seu primeiro comentário abordou expressamente essa questão.

    2. O meu último comentário teve a intenção de distinguir entre a autoridade de direito — que é um alvará de inteligência que se adquire por mais ou menos dinheiro — e a autoridade de facto.

    3. Reitero a ideia de que sua noção segundo a qual o suicídio entre os estóicos era “uma opção para aqueles que não conseguiam lidar com algumas adversidades” (sic), é absolutamente falsa.

    4. Estou aqui a referir-me ao estoicismo em geral, ou seja, sem distinguir as diversas correntes e sem me deter numa época em especial. Por exemplo, o estoicismo do período romano difere em alguns aspectos do anterior — o que é compreensível; e dentro do período romano há que distinguir, por exemplo, Séneca, Musónio, Epícteto, Marco Aurélio, etc.

    5. A ética estóica é uma ética do dever, e Kant foi o último seguidor de nomeada. O imperativo categórico de Kant é o espelho iluminista da ética estóica. Daí a dificuldade de Kant — e mesmo a grande lacuna da sua ética — em aplicar o imperativo categórico ao suicídio. A julgar pelo imperativo categórico kantiano, através da sua acção o suicida aconselha que toda a gente siga o seu exemplo — o que é um absurdo. Ou seja: um ladrão está em contradição consigo próprio, porque rouba mas não gosta de ser roubado; porém o suicida (e à luz da ética de Kant) não está em contradição consigo próprio, e por isso a sua acção é recomendada aos outros pela ética do dever kantiana. Lá se foi a ética kantiana por água abaixo…

    6. Em função da ética do dever, os estóicos defenderam a justificação do suicídio, nos seguintes termos (Cícero, De Finibus) : quando as condições contrárias ao cumprimento do dever prevalecem sobre as favoráveis, o sage (repito: o sage) tem o dever de abandonar a vida, mesmo se está no cume da felicidade. Porém, Cícero apenas seguiu, neste particular, os preceitos originais do estoicismo grego, e sem introduzir uma opinião da sua lavra. Portanto, a justificação do suicídio pelos estóicos nada tem a ver com a justificação da fraqueza, mas antes com o louvor a uma elite (de sages) auto-eleita.

    7. Este auto-elitismo estóico do sage, e a justificação do suicídio numa lógica de ética do dever e como “abandono do mundo tóxico”, incorporaram o gnosticismo da antiguidade tardia, e foi (não só, mas também) através dos resquícios parasitas estóicos que permaneceram na cultura cristã europeia, que esse gnosticismo dos primeiros séculos da nossa Era se manteve vivo até hoje.

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    Comentar por O. Braga — Sexta-feira, 10 Dezembro 2010 @ 7:46 pm | Responder


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