perspectivas

Sexta-feira, 23 Novembro 2007

Sou a favor da greve, contra a ultra-direita moderna

Eu não me lembro de alguma vez ter apoiado uma greve, porque as greves têm sido imbuídas de uma “agressão reivindicativa”, isto é, as greves eram normalmente politicamente destrutivas e não se cingiam à luta por direitos adquiridos ou a reivindicações estruturadas e racionalizadas.

Pela primeira vez apoio uma greve dos funcionários públicos, porque a greve anunciada defende, de uma forma racional e portanto pacífica, alguns direitos económicos e culturais justamente adquiridos pelos trabalhadores da função pública. Vindo de alguém que se considera da direita conservadora, esta posição pode ser entendida como sendo demagógica, e por isso, passo a explicar as minhas razões.


O que está em causa não são só direitos económicos, mas a alienação, por parte deste governo, de princípios essenciais de sã convivência em sociedade. Este governo comporta-se como uma associação de malfeitores, ou no mínimo como um grupo de fedelhos delinquentes que criam a sua própria lei.

A validade desta greve não pode ser entendida como uma mera reivindicação salarial, porque se assim for, a greve e o movimento que está por detrás dela vai falir irremediavelmente. Esta greve deve incluir nela os protestos contra toda uma série de atropelos por parte do governo a direitos básicos e essenciais. Dou três exemplos muito recentes: a tentativa de privatização das estradas de Portugal, a tentativa de transformar os magistrados em serviçais do governo, e a tentativa de impor coercivamente regras e princípios de funcionamento a uma associação civil privada por direito (Ordem dos Médicos). O que se está a passar em Portugal é preocupante.

++++++++

O neoliberalismo ideológico radical é a Ultra-direita moderna. A noção de que o património do Estado deve ser totalmente alienado e a de que o Poder Judicial se deve submeter ao Poder Político são ideias da extrema-direita moderna. Um movimento socialista passa à ultra-direita, nomeadamente, quando tenta imiscuir-se no poder judicial – como aconteceu com o nacional-socialismo de Hitler. A actual hierarquia de valores da ultra-direita é a seguinte:

Poder Económico (dinheiro)
Poder Executivo (governo)
Poder Legislativo (parlamento)
Poder Judicial (tribunais)

A ultra-direita moderna não admite uma equivalência saudável entre os vários poderes clássicos, e passa a defender o poder económico como o mais preponderante.
.
++++++++

José Sócrates tem todos os tiques da ultra-direita moderna: populista, demagógico, autoritarista (que é diferente de “autoritário”), ideologicamente cativo e irracional. O apelo à racionalidade utilizando a irracionalidade dos argumentos é uma característica da ultra-direita de raiz socialista (que se distingue da extrema-direita nacionalista e corporativista).
Dou um exemplo de apelo à racionalidade utilizando a irracionalidade dos argumentos: defender a alienação da independência judicial em nome do controlo das despesas do Estado. Em nome de algo que os portugueses compreendem e aceitam, existe por detrás uma estratégia e uma agenda política de concentração de Poder. Isto é populismo.

++++++++

A direita conservadora defende a inviolabilidade dos princípios de autonomia ideológica das associações privadas de cidadãos, desde que não violem a lei – e a lei justa não pode prever a existência de “delito de opinião”.
José Sócrates, ao defender o casamento gay e a adopção de crianças por duplas de gays, defende que o Estado não tem que se meter no quarto de dormir dos cidadãos; porém, defende a ideia de que o Estado tem o direito de se imiscuir nas opiniões emanadas de organizações de direito privado, como é o caso da Ordem dos Médicos. Em que é que ficamos? O Estado deve ou não meter-se na vida privada dos cidadãos? Em que é que o quarto de dormir dos cidadãos difere, na sua essência de privacidade, de um local onde cidadãos se encontram para exercer o seu direito privado de associação?
A incoerência de José Sócrates é ditada por imperativos ideológicos, e estes exigem a utilização da violência (em grau crescente) por parte dos ideólogos da ultra-direita moderna.

+++++++

A direita conservadora defende o património natural do Estado, isto é, a detenção da propriedade do Estado em relação ao denominado “bem comum”.
Por exemplo: o poço de uma aldeia de África que dá a água aos aldeões faz parte do “bem comum”, pertence a todos os habitantes da aldeia e é inalienável. A partir do momento em que o poço da aldeia passa a ser pertença de negócio com mais-valia de uma só pessoa ou grupo restrito, podem inventar as leis que quiserem, podem criar as forças policiais mais repressivas, mas não existirá uma lei natural que iniba moral e eticamente um aldeão de ir cagar no poço (1), afectando toda a comunidade. A água que dá de beber aos aldeões, as estradas que ligam as aldeias, e outras infraestruturas e recursos naturais básicos e essenciais, fazem parte do “bem comum”, e devem ser geridas pelos aldeões organizados ou cooptados – independentemente da propriedade privada natural inerente aos terrenos para agricultura, das cabeças de gado de cada aldeão, etc.

A defesa da alienação do “bem comum”, isto é, do património natural do Estado, é uma característica da ultra-direita moderna, e por isso, deduzo que José Sócrates faz parte da ultra-direita actual.

É por isto (e não me alongo mais), e não só pelos aumentos salariais (2), que concordo com a greve dos funcionários públicos: uma greve pelos princípios, pela subordinação do dinheiro ao poder político, e na defesa do “bem comum”.

(1) Poderia ter utilizado o termo “defecar”, mas tratando-se de José Sócrates, os pruridos linguísticos não são importantes.
(2) As pessoas não se dão conta de que enquanto o dinheiro submeter o espírito, as reivindicações salariais não terão nunca sucesso. A única forma de passarmos todos a viver melhor, é defendendo o princípio da submissão do dinheiro ao poder político.

2 comentários »

  1. Infelizmente a miséria já é tanta que a maioria não irá aderir porque aquele dia de ordenado faz muita falta. Isto é gravíssimo porque é uma forma de ditadura. Em consequência da fraca adesão, nada se alcançará e estão reunidas condições para formas de luta menos legais que vão do boicote diário, que depois dá azo a dizer-se que os funcionários não trabalham e que justifica ainda mais cortes, ao terrorismo.

    Gostar

    Comentar por Henrique — Sábado, 24 Novembro 2007 @ 10:30 am | Responder

  2. “Dou um exemplo de apelo à racionalidade utilizando a irracionalidade dos argumentos: defender a alienação da independência judicial em nome do controlo das despesas do Estado. Em nome de algo que os portugueses compreendem e aceitam, existe por detrás uma estratégia e uma agenda política de concentração de Poder. Isto é populismo.”

    O problema basico é a deficitofobia em que a União Europeia nos meteu.
    Esta deficitofobia é uma forma de amarrar completamente o estado e de o tornar independente do poder dos cidadãos.

    A mais importante das liberdades é a liberdade de errar pois, sem termos esta liberdade não teremos mais nenhuma.

    E, mesmo que uma política expansionista com efeios perniciosos no deficit seja errada, nós deviamos ter a possibilidade de optar por ela.

    Mas, não, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu não o permitem. E não o permitem porque é uma política “errada” e nós não estamos autorizados a cometer erros.

    A democracia na Europa não está muito diferente da democraca no Irão.

    Neste país, existem eleições, debates públicos, parlamento, etc., etc. Mas, atenção, a sua população não está autorizada a errar e errar, num país muçulmano é não seguir à letra os preceitos do Corão. Assim existe um grupo de estudiosos do Corão que o interpreta e que vela para que os poderes instituídos não errem, isto é, não contrariem o Corão ou antes, não contrariem a interpretação que os tais estudiosos fazem do Corão.

    Na Europa a religião não é a muçulmana, na Europa a religião é muito mais elaborada e apoia-se em forte armadura matemática só compreendida por um grupo de estudiosos. A esta religião chama-se Economia e, a nossa liberdade é total, isto é, é total enquanto não errarmos, enquanto não tivermos qualquer atitude considerada errada pelos tais estudiosos da Economia.

    Na prática a liberdade foi chão que deu uvas e, em Portugal e nos outros países, os Governos estão reduzidos a duas funções muito importantes, implementar internamente a governação correcta, tal como é definida pelos novos religiosos, isto é, pelos economistas e, também a controlar os seus povos de forma a que estes aceitem as imposições “correctas” decididas pelos mesmos economistas.

    O que o povo quer ou sente é obrigatoriamente ignorado…

    Quanto à história das estradas eu gostaria de saber o que é que o Governo fará se a empresa falir. Para já não pode intervir pois a União Europeia não permite ajudas a este tipo de empresas.

    Será que os credores se apoderarão da massa falida? Será que um banco qualquer fica com a CRIL, outro com a marginal do Estoril, etc.?

    Gostaria que alguém me respondesse a isto…

    Quano à greve da Função Pública não vai dar em nada. Já ultrapassamos o ponto em que não há retorno. Com esta política ditatorial, o futuro será feito de revoluções, guerras e anarquia. Cá e no resto da União Europeia.

    Por fim, só mais um comentário. No referendo sobre o aborto eu até votei “Sim”. Mas acho que o meu “Sim” está a ser desvirtuado, O meu “Sim” nunca poderia ser interpretado como um acordo para forçar quem quer que fosse a praticar abortos. Acho inadmissível que o Governo se meta com a Ordem dos Médicos.

    Gostar

    Comentar por O Raio — Terça-feira, 27 Novembro 2007 @ 1:20 am | Responder


RSS feed for comments on this post. TrackBack URI

AVISO: os comentários escritos segundo o AO serão corrigidos para português.