Eu não me lembro de alguma vez ter apoiado uma greve, porque as greves têm sido imbuídas de uma “agressão reivindicativa”, isto é, as greves eram normalmente politicamente destrutivas e não se cingiam à luta por direitos adquiridos ou a reivindicações estruturadas e racionalizadas.
Pela primeira vez apoio uma greve dos funcionários públicos, porque a greve anunciada defende, de uma forma racional e portanto pacífica, alguns direitos económicos e culturais justamente adquiridos pelos trabalhadores da função pública. Vindo de alguém que se considera da direita conservadora, esta posição pode ser entendida como sendo demagógica, e por isso, passo a explicar as minhas razões.
O que está em causa não são só direitos económicos, mas a alienação, por parte deste governo, de princípios essenciais de sã convivência em sociedade. Este governo comporta-se como uma associação de malfeitores, ou no mínimo como um grupo de fedelhos delinquentes que criam a sua própria lei.
A validade desta greve não pode ser entendida como uma mera reivindicação salarial, porque se assim for, a greve e o movimento que está por detrás dela vai falir irremediavelmente. Esta greve deve incluir nela os protestos contra toda uma série de atropelos por parte do governo a direitos básicos e essenciais. Dou três exemplos muito recentes: a tentativa de privatização das estradas de Portugal, a tentativa de transformar os magistrados em serviçais do governo, e a tentativa de impor coercivamente regras e princípios de funcionamento a uma associação civil privada por direito (Ordem dos Médicos). O que se está a passar em Portugal é preocupante.
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O neoliberalismo ideológico radical é a Ultra-direita moderna. A noção de que o património do Estado deve ser totalmente alienado e a de que o Poder Judicial se deve submeter ao Poder Político são ideias da extrema-direita moderna. Um movimento socialista passa à ultra-direita, nomeadamente, quando tenta imiscuir-se no poder judicial – como aconteceu com o nacional-socialismo de Hitler. A actual hierarquia de valores da ultra-direita é a seguinte:
Poder Económico (dinheiro)
Poder Executivo (governo)
Poder Legislativo (parlamento)
Poder Judicial (tribunais)
A ultra-direita moderna não admite uma equivalência saudável entre os vários poderes clássicos, e passa a defender o poder económico como o mais preponderante.
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José Sócrates tem todos os tiques da ultra-direita moderna: populista, demagógico, autoritarista (que é diferente de “autoritário”), ideologicamente cativo e irracional. O apelo à racionalidade utilizando a irracionalidade dos argumentos é uma característica da ultra-direita de raiz socialista (que se distingue da extrema-direita nacionalista e corporativista).
Dou um exemplo de apelo à racionalidade utilizando a irracionalidade dos argumentos: defender a alienação da independência judicial em nome do controlo das despesas do Estado. Em nome de algo que os portugueses compreendem e aceitam, existe por detrás uma estratégia e uma agenda política de concentração de Poder. Isto é populismo.
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A direita conservadora defende a inviolabilidade dos princípios de autonomia ideológica das associações privadas de cidadãos, desde que não violem a lei – e a lei justa não pode prever a existência de “delito de opinião”.
José Sócrates, ao defender o casamento gay e a adopção de crianças por duplas de gays, defende que o Estado não tem que se meter no quarto de dormir dos cidadãos; porém, defende a ideia de que o Estado tem o direito de se imiscuir nas opiniões emanadas de organizações de direito privado, como é o caso da Ordem dos Médicos. Em que é que ficamos? O Estado deve ou não meter-se na vida privada dos cidadãos? Em que é que o quarto de dormir dos cidadãos difere, na sua essência de privacidade, de um local onde cidadãos se encontram para exercer o seu direito privado de associação?
A incoerência de José Sócrates é ditada por imperativos ideológicos, e estes exigem a utilização da violência (em grau crescente) por parte dos ideólogos da ultra-direita moderna.
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A direita conservadora defende o património natural do Estado, isto é, a detenção da propriedade do Estado em relação ao denominado “bem comum”.
Por exemplo: o poço de uma aldeia de África que dá a água aos aldeões faz parte do “bem comum”, pertence a todos os habitantes da aldeia e é inalienável. A partir do momento em que o poço da aldeia passa a ser pertença de negócio com mais-valia de uma só pessoa ou grupo restrito, podem inventar as leis que quiserem, podem criar as forças policiais mais repressivas, mas não existirá uma lei natural que iniba moral e eticamente um aldeão de ir cagar no poço (1), afectando toda a comunidade. A água que dá de beber aos aldeões, as estradas que ligam as aldeias, e outras infraestruturas e recursos naturais básicos e essenciais, fazem parte do “bem comum”, e devem ser geridas pelos aldeões organizados ou cooptados – independentemente da propriedade privada natural inerente aos terrenos para agricultura, das cabeças de gado de cada aldeão, etc.
A defesa da alienação do “bem comum”, isto é, do património natural do Estado, é uma característica da ultra-direita moderna, e por isso, deduzo que José Sócrates faz parte da ultra-direita actual.
É por isto (e não me alongo mais), e não só pelos aumentos salariais (2), que concordo com a greve dos funcionários públicos: uma greve pelos princípios, pela subordinação do dinheiro ao poder político, e na defesa do “bem comum”.
(1) Poderia ter utilizado o termo “defecar”, mas tratando-se de José Sócrates, os pruridos linguísticos não são importantes.
(2) As pessoas não se dão conta de que enquanto o dinheiro submeter o espírito, as reivindicações salariais não terão nunca sucesso. A única forma de passarmos todos a viver melhor, é defendendo o princípio da submissão do dinheiro ao poder político.
Infelizmente a miséria já é tanta que a maioria não irá aderir porque aquele dia de ordenado faz muita falta. Isto é gravíssimo porque é uma forma de ditadura. Em consequência da fraca adesão, nada se alcançará e estão reunidas condições para formas de luta menos legais que vão do boicote diário, que depois dá azo a dizer-se que os funcionários não trabalham e que justifica ainda mais cortes, ao terrorismo.
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Comentar por Henrique — Sábado, 24 Novembro 2007 @ 10:30 am |
“Dou um exemplo de apelo à racionalidade utilizando a irracionalidade dos argumentos: defender a alienação da independência judicial em nome do controlo das despesas do Estado. Em nome de algo que os portugueses compreendem e aceitam, existe por detrás uma estratégia e uma agenda política de concentração de Poder. Isto é populismo.”
O problema basico é a deficitofobia em que a União Europeia nos meteu.
Esta deficitofobia é uma forma de amarrar completamente o estado e de o tornar independente do poder dos cidadãos.
A mais importante das liberdades é a liberdade de errar pois, sem termos esta liberdade não teremos mais nenhuma.
E, mesmo que uma política expansionista com efeios perniciosos no deficit seja errada, nós deviamos ter a possibilidade de optar por ela.
Mas, não, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu não o permitem. E não o permitem porque é uma política “errada” e nós não estamos autorizados a cometer erros.
A democracia na Europa não está muito diferente da democraca no Irão.
Neste país, existem eleições, debates públicos, parlamento, etc., etc. Mas, atenção, a sua população não está autorizada a errar e errar, num país muçulmano é não seguir à letra os preceitos do Corão. Assim existe um grupo de estudiosos do Corão que o interpreta e que vela para que os poderes instituídos não errem, isto é, não contrariem o Corão ou antes, não contrariem a interpretação que os tais estudiosos fazem do Corão.
Na Europa a religião não é a muçulmana, na Europa a religião é muito mais elaborada e apoia-se em forte armadura matemática só compreendida por um grupo de estudiosos. A esta religião chama-se Economia e, a nossa liberdade é total, isto é, é total enquanto não errarmos, enquanto não tivermos qualquer atitude considerada errada pelos tais estudiosos da Economia.
Na prática a liberdade foi chão que deu uvas e, em Portugal e nos outros países, os Governos estão reduzidos a duas funções muito importantes, implementar internamente a governação correcta, tal como é definida pelos novos religiosos, isto é, pelos economistas e, também a controlar os seus povos de forma a que estes aceitem as imposições “correctas” decididas pelos mesmos economistas.
O que o povo quer ou sente é obrigatoriamente ignorado…
Quanto à história das estradas eu gostaria de saber o que é que o Governo fará se a empresa falir. Para já não pode intervir pois a União Europeia não permite ajudas a este tipo de empresas.
Será que os credores se apoderarão da massa falida? Será que um banco qualquer fica com a CRIL, outro com a marginal do Estoril, etc.?
Gostaria que alguém me respondesse a isto…
Quano à greve da Função Pública não vai dar em nada. Já ultrapassamos o ponto em que não há retorno. Com esta política ditatorial, o futuro será feito de revoluções, guerras e anarquia. Cá e no resto da União Europeia.
Por fim, só mais um comentário. No referendo sobre o aborto eu até votei “Sim”. Mas acho que o meu “Sim” está a ser desvirtuado, O meu “Sim” nunca poderia ser interpretado como um acordo para forçar quem quer que fosse a praticar abortos. Acho inadmissível que o Governo se meta com a Ordem dos Médicos.
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Comentar por O Raio — Terça-feira, 27 Novembro 2007 @ 1:20 am |