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Contra a defesa orwelliana da adopção de crianças por “casais” homossexuais

1/ quem ler este textículo do Bloco de Esquerda pode verificar, em primeiro lugar, a recorrência do insulto como argumento. O insulto é, ele próprio, um argumento. Eu não digo que, por vezes, o insulto não seja adequado, mas apenas na conclusão ou no fim de um raciocínio. Mas quando um insulto surge a priori e logo no início do texto e sem justificação lógica, estamos na presença da falácia lógica ad Hominem .

Antes de mais, vamos a duas definições:

  • O casamento é uma instituição que consiste na aliança entre os sexos com a sucessão das gerações.
  • Uma instituição é uma forma de organização de vida social que a sociedade dá a si mesma para assegurar a sua perenidade.

Como todas as instituições, no casamento há as pessoas que têm as condições para estar dentro dela e as que não têm essas condições. Todas as instituições são “discriminatórias”, no sentido em que nem todas as pessoas podem pertencer-lhes.

Postas estas definições, passemos adiante.

2/ em seguida vem o argumento contra a “concepção estereotipada da família” , de quem “não olha à sua volta”. O marxismo cultural – aliado ao neoliberalismo, diga-se, em contra-natura – tudo fez para destruir a nossa cultura antropológica sem deixar impressões digitais. Mas enganou-se, e as impressões digitais estão lá bem visíveis, como uma espécie de elefante no meio do salão. A esquerda marxista pensa que vai conseguir os seus intentos totalitários através de uma política social e cultural de “terra queimada”, sem ter que pagar um preço e pensando, pelo contrário, vai ganhar com essa política social destrutiva. O tempo dirá se assim será.

A argumentação começa por ser, mais ou menos, a seguinte: “o modelo da família nuclear (o triângulo mãe-par-filho) não é o único possível”. Ou seja, alegadamente, “a procriação não é suficiente para definir a filiação”.

Sendo verdade que a filiação tem um cariz instituído e cultural, esse facto não significa que a filiação não tenha nenhuma importância. Em todos os sistemas de paternidade do mundo, em todas as culturas e em todos os tempos, sempre existiu uma qualquer forma de articulação entre o “carnal” e o “cultural”. O que a adopção de crianças por pares de homossexuais vai fazer é que, pela primeira vez, essa articulação entre o carnal e o corporal, por um lado, e o cultural, por outro lado, seja erradicada. Será que isto é “defender os interesses da criança”, em primeiro lugar, e depois é defender os interesses da sociedade?! Claro que não! É defender os interesses de Engels e do seu conceito ideológico e totalitário de família.

“O grande fenómeno que prepara a hominização e que consegue realizar, cremos nós, o homo sapiens, é, não o ‘assassínio do pai’, mas o nascimento do pai”. – Edgar Morin, filósofo francês, ex-dirigente do Partido Comunista e homem de esquerda

O triângulo mãe-pai-filho (a família nuclear) está mais próximo do núcleo ou nó “gerador” de uma sociedade. A família nuclear não é um acidente da História: pelo contrário, é largamente maioritária em todas as sociedades de todos os tempos. A instituição da família nuclear foi um avanço cultural notável que deu à família uma estrutura mais estável e mais forte; e outros modelos de família, por exemplo, nas sociedades primitivas e arcaicas, são mais complicados, mais restritivos e mais carregados de interditos, porque se baseiam na supremacia da lei do grupo, e não no respeito integral pelo indivíduo.

A concordância entre o carnal, o cultural e o espiritual, que é característica de uma sociedade assente na família nuclear, está na base dos valores civilizacionais que determinaram a subjectividade, a consciência e a liberdade.

3/ outro argumento clássico do politicamente correcto (ou marxismo cultural) é o das “crianças que aguardam família” nos orfanatos. Porém, a verdade é que a situação de excepção dessas crianças dá origem a soluções de excepção. Não é razoável que se pegue numa situação que não é boa e que é excepcional – como é o facto de existirem crianças em orfanatos – de modo a servir de justificação a uma qualquer instituição que alegadamente pretenda o “interesse das crianças”. Do abandono de uma criança pelos seus pais, por exemplo – ou de crianças órfãs no decurso de uma guerra, entre muitas outras situações de contingência infeliz – não se pode extrair discricionariamente uma norma legal.

Além disso, as crianças em orfanatos (em princípio) não são perturbadas pela intimidade sexual dos seus tutores. Em contraponto, a chamada “homoparentalidade” impõe à criança que seja testemunha da ausência da diferença dos sexos no “casal” parental, ou seja, a criança entra precocemente no mundo dos adultos no sentido da percepção da problemática identitária e sexual. A criança, nesta situação, é levada precocemente a colocar questões sobre a sexualidade dos adultos com quem vive.

O apagar da diferença entre sexos no interior da parentalidade transporta consigo a supressão da diferença de gerações. A criança é também conduzida a assumir, perante o exterior, a situação dos adultos que cuidam dela; a criança fica obrigada a apoiar – ou a repudiar – a homoparentalidade dos seus “pais”. Esta criança está implicada não só no problema sexual da mãe ou pai biológicos (ou não-biológicos), mas também na problemática social desta. A criança vê-se assim numa situação de conflito adicional proveniente dos adultos, que não teria se estivesse num orfanato.

Por último, é absolutamente falacioso dizer-se que a adopção de crianças por pares de homossexuais vai sequer resolver uma ínfima parte do problema das crianças internadas em orfanatos. Sofisma puro!, e apelo gratuito à emoção (falácia do ” apelo à galeria “).

4/ depois temos o argumento do “preconceito dos outros”, daqueles com quem a escriba não concorda. Todas as pessoas que não concordam com a esquerda são preconceituosas. Existe aqui uma expressão de um sentimento de superioridade moral que tem origem num complexo de inferioridade moral. Porém, a verdade é que existem preconceitos negativos ou positivos. Os preconceitos negativos são aqueles que estão fechados à discussão, por exemplo, através do insulto, do slogan básico e primário, e da utilização de falácias lógicas. É preconceituoso chamar os outros de “preconceituosos” sem uma análise crítica.

5/ outro argumento é o da “discriminação”: “a lei autoriza a adopção por casais naturais; e não autorizar a adopção por ‘casais’ homossexuais seria discriminatório” – é este o argumento.

Antes de mais, temos de saber o que significa “discriminação”. Podemos definir “discriminação” como o tratamento diferenciado que consiste em recusar a indivíduos, a grupos ou a Estados, direitos e privilégios que são reconhecidos a outros. Ou, em termos mais jurídicos, é a diferenciação contrária aos princípios da igualdade civil, consistindo em entrar em ruptura com esta em detrimento de determinadas pessoas, devido à sua pertença racial ou confessional, de forma forma mais geral por aplicação de critérios segundo os quais a lei impede que se fundam distinções jurídicas (sexo, opiniões políticas, actividades sindicais).

Para se demonstrar que existe uma discriminação, é necessário mostrar que as situações em análise são similares, ou seja, que todos os dados são equivalentes. Ora, um par homossexuado, na sua relação com a paternidade, não está na mesma posição que um casal heterossexuado. Não é a homossexualidade que está em questão, mas antes é a homossexuação que está em questão. A lei nunca proibiu uma pessoa homossexual de se casar com alguém do sexo oposto, nem de ser pai ou mãe, nem mesmo de adoptar enquanto indivíduo.

A lei boa e geral define um enquadramento objectivo e não tem que entrar no domínio da psicologia (a chamada “orientação sexual”) das pessoas. Paternidade e maternidade não são direitos! Os direitos ligados à paternidade não são apenas “direitos” subjectivos, na medida em que esses “direitos” correspondem a uma posição de reconhecimento, pela lei, de um vínculo de filiação. Paternidade e maternidade também não são “direitos elementares”! (como afirma o Bloco de Esquerda), na medida em que implicam um terceiro, um vínculo instituído e uma responsabilidade.

A Convenção Internacional dos Direitos da Criança reconhece, no seu artigo 7º, “o direito de a criança, na medida do possível, conhecer os seus pais e de ser educada por eles”. A esquerda assume claramente uma posição contra a Convenção Internacional dos Direitos da Criança. Os adultos têm deveres que correspondem a esses putativos “direitos”.

A palavra “discriminação”, utilizada pelo Bloco de Esquerda e pela esquerda marxista cultural em geral, remete para uma concepção abstracta da pessoa, desligada do sentido concreto das situações e das suas funções e lugares – correspondendo a uma concepção puramente individualista do Direito. A justiça não se limita a reconhecer a igualdade nos contratos entre privados: ela deve também considerar e organizar estatutos diferentes, para o bem das pessoas e da sociedade em geral.

A criança não deve ser instrumentalizada pelos adultos. O objectivo primeiro e legítimo da adopção não é tanto dar um filho a uns “pais”, mas mais dar pais a um filho. Por outro lado, com o pretexto de eliminar uma suposta “discriminação” entre adultos, cria-se uma real discriminação e grave, entre as crianças.

6/ a esquerda confunde “igualdade de direitos”, por um lado, com “direito à igualdade”, por outro lado.

A igualdade de direitos individuais, entre homossexuais e não-homossexuais, não deveria colocar em causa uma concepção legal de direitos familiares que seja fundada – como sempre foi desde que existe ser humano – sobre a ideia de que a paternidade significa “união de duas pessoas de sexos diferentes”.

A homoparentalidade é uma contradição em termos. Não há nenhuma razão para dissociar completamente o conceito de “geração” (que é privado) do conceito de “parentalidade” (que é social). A parentalidade pode, em certos casos e por exemplo através da adopção, ser uma forma de reescrição da geração da criança, mas nunca apaga a geração; e o que a homoparentalidade pretende fazer, e faz, é tentar, a partir do espaço público, abolir o acto gerador. Para conseguir isto, colocam-se em pé de igualdade situações que, de facto, e em si mesmas, são diferentes. Desde logo, comparam casais que podem procriar e casais que não podem; depois, afirma-se que é preciso acabar com a injustiça que eles próprios inventaram, e, finalmente, pretende-se modificar o facto, utilizando o Direito (estratégia orwelliana).

Na impossibilidade objectiva de fazer com que as coisas sejam iguais, o politicamente correcto inventa uma forma igual de ver as coisas. Mas essa forma igualitarista ver as coisas produz paradoxalmente novas classes sociais e novas injustiças, desta feita não baseadas na lei natural, ou num certo determinismo natural e nas contingências da vida, mas apenas e só numa concepção arbitrária e discricionária de justiça que dependeria exclusivamente dos critérios subjectivos de uma auto-proclamada elite esquerdista e para-totalitária.

7/ outro argumento é o de que uma pessoa (um indivíduo), só por si, pode adoptar uma criança segundo a lei portuguesa. A instituição da adopção por um celibatário não é uma instituição necessariamente em conformidade com os interesses da criança, porque está em contradição com o princípio fundamental do Direito que é o da dupla linhagem da criança (paterna e materna). A adopção por um celibatário cria uma filiação unilinear.

Mas, apesar dos inconvenientes que tem, a adopção por um só indivíduo cria um problema menor do que a adopção por um par de homossexuais, porque mais vale a carência própria desta situação ser inscrita pelo Direito do que fazer-se de conta de que se tratam de situações identicamente diferentes.

Na adopção, mesmo simples ou por um celibatário, não se trata apenas de educação mas também de filiação. A partir do momento em que se toca na filiação, toca-se na estrutura fundamental do ser humano: a elite política, patrocinada pela maçonaria, está a “mexer” na estrutura do humano, e não só na função da família.

8/ outro argumento é o de que “o superior interesse da criança é um conceito abstracto e é aquilo que cada um quiser que seja”. A partir desta ideia absurda, não é possível sequer discutir o “superior interesse da criança”. O “superior interesse da criança” é pulverizado e atomizado, reduzido à especificidade de cada criança entendida enquanto indivíduo e enquanto átomo da sociedade, sem que exista sequer uma categoria de “criança”. Se não existe uma categoria ontológica da criança, então ¿como se pode falar em “superior interesse da criança”?! Ninguém pode!, nem mesmo a escriba do Bloco de Esquerda.

A seguir à co-adopção de crianças por pares de homossexuais, quem assinou aquele textículo radical vai defender também a procriação medicamente assistida para todas as mulheres sem qualquer critério de selecção; vai defender a “barriga de aluguer” sem qualquer critério ético que não seja o “superior interesse dos homossexuais”, e vai também tentar branquear o tráfico de crianças que a transforma em uma mercadoria. E tudo isto em nome do “progresso”.

O progresso não é uma lei da natureza, e basta uma geração de bárbaros, como a que marca a esquerda actual, para que todas as conquistas da civilização – incluindo a liberdade – sejam erradicadas da sociedade. A atomização da sociedade, que a esquerda defende, reduz o indivíduo a uma célula isolada na sociedade e dependendo apenas do Estado; e prepara o advento de um novo tipo de totalitarismo.

2 comentários »

  1. Faz bem em começar por definições. Nomeadamente, «O casamento é uma instituição que consiste na aliança entre os sexos com a sucessão das gerações.». Essa definição está correcta para o *matrimónio*, que é uma instituição *religiosa* e que consiste, realmente, na aliança entre os sexos com a sucessão das gerações. Nomeadamente, como está definido no código canônico, cânone 1055:

    § 1. O pacto matrimonial, pela qual o homem e mulher constituem entre si o consórcio de toda a vida, por sua índole natural ordenado ao bem dos cônjuges e à geração e educação da prole, entre batizados foi por Cristo Senhor elevado à dignidade de sacramento.

    O código canónico obviamente que só se aplica a membros da ICAR.

    Por sua vez, *casamento* (e não matrimónio!) é um *contrato*, no seguintes termos do Código Civil português:

    Artigo 1577.º – (Noção de casamento)

    Casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código.

    Ou seja, a legislação portuguesa não fala nem em aliança, nem no sexo das pessoas, nem na sucessão das gerações, mas apenas em «constituir família» e «plena comunhão de vida».

    Com isto o que quero dizer é que a sua argumentação está essencialmente correcta para o matrimónio religioso, e que, segundo a sua argumentação, não é possível haver homoparentalidade com geração da prole, pelo que o matrimónio deve ser exclusivo a um casal composto por um homem e uma mulher. Estou rigorosamente de acordo consigo, nos termos do direito canónico.

    Mas tal como as leis dos Estados Unidos não se aplicam a Portugal, mas apenas a cidadãos dos Estados Unidos, também da mesma forma o direito canónico só se aplica a membros da ICAR e não à população em geral. Esta, felizmente, só se precisa de reger pela Constituição e pelas Leis de Portugal. Para os não-membros da ICAR, não há matrimónio, que está reservado aos seus membros. O resto da população pode no entanto celebrar um contrato de casamento, nos termos do Código Civil.

    A sua argumentação é típica de quem deliberadamente gosta de confundir matrimónio com casamento, porque, graças à Concordata, todos os matrimónios em Portugal são automaticamente também casamentos; mas o inverso não é verdade!

    Pelo que não faz qualquer sentido discutir a aplicabilidade do direito canónico a quem não esteja sujeito a ele; ou por outra, faz tanto sentido querer aplicar o direito canónico a um cidadão português como aplicar-lhe a Sharia. As leis religiosas apenas se aplicam aos respectivos membros de cada religião…

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    Comentar por Luís Miguel Sequeira — Segunda-feira, 2 Fevereiro 2015 @ 2:59 am | Responder

    • Imaginemos que o Código Civil rezava assim:

      “Artigo 1577.º – (Noção de casamento)

      Casamento é o contrato celebrado entre um máximo de vinte cinco pessoas que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código.”

      ¿Essa noção de casamento seria válida? Pelo facto de uma lei possivelmente permitir o casamento entre 25 pessoas, teríamos uma “definição” de casamento? Você não deveria confundir legalidade, por um lado, com legitimidade, por outro lado. Por exemplo, o regime nazi tornou legais os campos de concentração, o que não significa que fossem legítimos.

      Poderão argumentar: “essa noção de casamento é impossível, nunca irá acontecer”. E eu argumento: também a noção de “casamento” gay era impossível há vinte anos.

      Portanto, não devemos confundir Direito Positivo, ou definições nominais, por um lado — com definições reais, por outro lado, que não têm nada a ver nem com o Direito Positivo nem com o Direito Canónico que é uma forma de Direito. Não podemos reduzir a realidade ao Direito.

      O seu argumento é irracional porque parte do princípio de que a noção de “matrimónio” da Igreja Católica impôs à sociedade a realidade do casamento como “instituição que consiste na aliança entre os sexos com a sucessão das gerações”. Para você, não foi a Igreja Católica que seguiu a realidade dos factos sociais e humanos: em vez disso, foi a Igreja Católica que impôs a realidade dos factos humanos à sociedade.

      Ou seja, segundo o seu raciocínio, antes de existir Igreja Católica, ou mesmo antes de existir o Direito Positivo ou o Estado, não existia casamento segundo a definição como “instituição que consiste na aliança entre os sexos com a sucessão das gerações”. Para você, foi a Igreja Católica que inventou esta noção de casamento que não existia antes de surgir a Igreja Católica.

      ¿ Como é que você é capaz de defender uma irracionalidade destas? Como é que você não tem vergonha de escrever uma burrice dessas?

      Comentários destes só nos dão trabalho a responder.

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      Comentar por O. Braga — Segunda-feira, 2 Fevereiro 2015 @ 12:53 pm | Responder


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