“O verdadeiro problema da filosofia é o suicídio” ― Albert Camus

Camus constata a necessidade da vida com um sentido, sem o qual ela se torna absurda. Ainda há pouco tempo era consensual a ideia de que “não é possível uma moral sem uma religião”. Este consenso já não existe, em parte porque se criaram uma série de religiões substitutivas do Cristianismo, como o naturalismo ateísta e o ecofundamentalismo. A ideia de que o Cristianismo pode ser substituído pelas ciências da natureza ― através de um concepção de Totalidade que resulta das leis da natureza como resultado do universo investigável pelas ciências através de observatórios e satélites ― revela uma contradição flagrante. As leis da natureza já vigoravam antes de o universo ter surgido? Se as leis da natureza ainda não vigoravam antes do aparecimento do universo, como terá este surgido? Se as leis da natureza não existiam antes do Big Bang, o conceito de Totalidade está para além das leis da natureza. Os processos físicos são regulados por leis da natureza, mas também por princípios lógicos que não são físicos; portanto, tudo aquilo que não é físico ― como a validade independente do tempo ― também pertence à Totalidade.
Os axiomas lógicos fazem parte da Totalidade ao mesmo tempo que estão para além das leis da ciência. Quando dizemos que “nenhum facto pode ser verdadeiro ou real ou nenhum juízo pode ser correcto sem uma razão suficiente”, o empirismo não tem lugar aqui. O axioma é anterior ao mundo e ao Homem. Quando dizemos que “um triângulo soma 180º nos seus ângulos”, esta ideia já era válida no tempo em que a vida na terra estava reduzida às amebas. A verdade destes axiomas é intemporal, e a razão criada pela evolução das espécies apenas participa dessa verdade intemporal.
Portanto, a ideia ― que a política contemporânea incute na nossa juventude, através de uma educação enviesada e deturpada ― segundo a qual a Totalidade se resume às leis da natureza, para além de ser manifestamente incorrecta, é uma das principais causas de algum desnorte cultural da nossa juventude que denuncia uma crise de valores. As pessoas procuram um sentido para a vida e tentam encontrá-lo em religiões substitutivas, como a naturalista, que apreendem apenas uma parte da Totalidade.

O sentido da vida passou a ser uma norma subjectiva, porque toda a gente passou a ter uma vida com sentido independentemente de se concordar, ou não, com aquilo que as pessoas fazem das suas vidas. Assim, cria-se a ideia de que, embora se pudesse não concordar com o sentido da vida do Mahatma Gandhi, por exemplo, se reconhece que o Mahatma criou o seu próprio sentido para a sua vida. O sentido da vida passa a ser algo que nós criamos, e se nós a criamos, é tão válida como qualquer outro sentido de vida de outra pessoa qualquer. Esta ideia vem directamente de Nietzsche. Mas quando se pergunta se o sentido da vida de Adolfo Hitler seria tão válido quanto o sentido da vida do Mahatma, a norma subjectiva vacila. Perante este exemplo, entre muitos, as pessoas compreendem ― embora a maior parte das vezes não o exteriorizem ― que a vida não pode ter um sentido em si mesma porque se estaria a retirar a vida de um contexto da Totalidade que vai para além das leis da ciência.
A ideia de que a vida tem um sentido em si mesma obedece a um estatuto lógico de um peido. Quando alguém come fartamente e com prazer e mais tarde vai ao WC completar o ciclo do carbono, a lógica do sentir-se bem e satisfeito com a comida obedece à mesma lógica do peido: qualquer animal doméstico subscreveria esta ideia da “vida com um sentido em si mesma”. Portanto, a educação que temos nas nossas escolas e universidades, e os valores culturais que a nossa elite política veicula (salvo excepções), tendem a animalizar o homem do futuro e a imbuir a sua vida com a autoridade da lógica do peido.
“A solução do enigma da vida no espaço e no tempo encontra-se fora do espaço e do tempo” ― Wittgenstein
Embora a nossa razão não tenha a possibilidade de compreender a Totalidade porque aquela se baseia na divisão sujeito-objecto enquanto esta, como totalidade, é por definição isenta dessa divisão, esse facto não significa que renunciemos a uma afirmação formal da Totalidade, uma vez que a afirmação de conteúdo em relação à Totalidade é impossível através dos métodos da razão. E sendo o ser humano, a humanidade, o planeta e o sistema solar, etc, partes da Totalidade, a vida humana só faz sentido através de uma dupla demanda: na procura do significado formal dessa Totalidade através da filosofia, e na procura do conteúdo da Totalidade através da religião.
Adenda: ocorreu-me escrever este postal na sequência
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