perspectivas

Sábado, 31 Outubro 2015

O positivismo é o romantismo das ciências (para memória futura)

 

« O positivismo é o romantismo das ciências. A tendência própria do romantismo para identificar o finito com o infinito1 para considerar o finito como a revelação, e a realização progressiva do infinito é transferida e realizada pelo positivismo no seio da ciência.

Com o positivismo, a ciência exalta-se, apresenta-se como a única manifestação legítima do infinito e, assim, assume um carácter religioso, prendendo suplantar as religiões tradicionais.

O positivismo é parte integrante do movimento romântico do século XIX. Que o positivismo seja incapaz de fundar os valores morais e religiosos e, especialmente, o próprio princípio de que dependem, a liberdade humana, é um ponto de vista polémico, que a reacção anti-positivista, espiritualista e idealista da segunda metade do século XIX fez prevalecer na historiografia filosófica. Assim se pode considerar justificado, no todo ou em parte, este ponto de vista.

Mas é fora de dúvida que, nos seus fundadores, e nos seus epígonos, o positivismo se apresenta como a exaltação romântica da ciência, como infinitização, como pretensão a valer de única religião autêntica, e por conseguinte, como único fundamento possível da vida humana individual e social.

O positivismo acompanha e promove o nascimento e a afirmação da organização técnico-industrial da sociedade, fundada e condicionada pela ciência. Exprime as esperanças, os ideais e a exaltação optimista que provocaram e acompanharam esta fase da sociedade moderna. O Homem, nesta época, julgou ter encontrado na ciência a garantia infalível do seu próprio destino. Por isso rejeitou, considerando-a inútil e supersticiosa, toda a garantia sobrenatural e pôs o infinito na ciência, encerrando nas formas desta, a moral, a religião, a política – a totalidade da sua existência.

(…)

O materialismo, que alguns epígonos deduzem do positivismo evolucionista, é, ele próprio, uma metafísica romântica: a deificação da matéria e o culto religioso da ciência. »

→ “História da Filosofia”, de Nicola Abbagnano, Tomo X, §629, Editorial Presença, Lisboa, 1970


Nota
1. A imanência

Domingo, 8 Março 2015

A atomização da sociedade conduz a um colectivismo totalitário

 

A ideologia de género é mais um passo negativo no impulso da individualização do ser humano que se iniciou na Europa com o Cristianismo. Com o Renascimento e com Lutero, esse impulso de individualização aumentou (viragem subjectiva). Com o Iluminismo (por exemplo, com Kant), esse impulso de individualização atingiu o seu auge enquanto sistema sujeito a uma determinada ordem.

A partir do século XIX, o impulso de individualização tornou-se caótico e a-social (liberalismo e Marginalismo): os motes liberais eram os de “salve-se quem puder”, e “pimenta no cu do meu vizinho é chupa-chupa”.

A religião cristã, que tinha sido durante séculos um elemento de aglutinação social e cultural na Europa, passou a ser criticada (viragem crítica), em primeiro lugar, pelos liberais vendidos à  burguesia (por exemplo, Voltaire), e depois pela chamada Esquerda Hegeliana (por exemplo, Feuerbach).

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Segunda-feira, 2 Março 2015

O indivíduo socialmente atomizado é o novo elemento revolucionário

 

Na década de 1970, algumas autarquias controladas pela Esquerda exibiam gratuitamente filmes soviéticos às populações. Depois da queda do muro, os filmes soviéticos grátis acabaram. Mas surpreendeu-me a notícia de que a Câmara Municipal de Carrazeda de Ansiães, lá no cu de judas, exibiu recente- e gratuitamente o filme “As 50 Sombras de Grey” ao povo da autarquia — como se se tratasse de um filme pedagógico indispensável ao progresso cultural do povo…!

Depois da queda do muro, a renovada religião política de Esquerda — em conluio com uma certa direita libertária — transformou a mulher em uma espécie de hierodula, ou, em termos que toda a gente entenda, em uma prostituta sacrificial. E tudo isto em um momento em que a patética ministra da igualdade, Teresa Morais (¿será que ela foi ver o filme “As 50 Sombras de Grey”?), lança uma campanha nos me®dia contra a violência entre namorados. Há aqui qualquer coisa de profundamente contraditório, mas essa contradição é propositada; não se trata apenas de mera estupidez, mas também de uma ideologia que sustenta uma nova religião política.

A nova religião política que a Esquerda maçónica indrominou depois da queda do muro — e na sequência  das ideias marxistas culturais de Marcuse ou de Wilhem Reich — tem um dos fulcros na perversão do acto sexual. Isto não tem nada de novo: já os primeiros profetas de Yahweh, ainda antes do exílio, tinham denunciado os sacrifícios sexuais das virgens hierodulas ao deus Baal (a erotização da dominação e da subordinação, como acontece hoje n’ “As 50 Sombras de Grey” ), e foi por isso que o Judaísmo caiu no extremo oposto de um rigor moral radical no que respeita à  sexualidade. 

A Esquerda (e os libertários de direita, que segundo Lenine são os “idiotas úteis”) dizem que a perversão sexual deve ser vista no âmbito da “escolha individual”. Da mesma forma, dizem que o aborto, por exemplo, também deve ser visto em um âmbito de “escolha individual” — como se a “escolha individual”  pudesse ser inserida em um contexto de vácuo ético, político, social e cultural.

O conceito de “autonomia pessoal” passou a ser sinónimo absoluto de “liberdade negativa”1. O indivíduo socialmente atomizado é o novo elemento revolucionário. E é este novo conceito enviesado de “autonomia pessoal” que irá inexoravelmente colocar em causa – na nossa sociedade — a liberdade propriamente dita.


Nota
1. A liberdade negativa é aquela que consiste em não ser impedido de agir — a de não ser impedido por outrem naquilo que desejamos fazer, ou a liberdade de se exprimir sem censura.

Em contraponto, a liberdade positiva é a liberdade do cidadão-legislador, segundo o princípio de autonomia de Kant, que consiste em tomar parte nas decisões políticas e públicas, e de co-exercer a autoridade em geral

Sexta-feira, 15 Novembro 2013

Mas de que “direita” se está a falar?!

 

Este texto chamou-me à atenção (o que é excepcional, vindo daquele blogue).

O problema da Esquerda é um problema prático: “tirar as pedras do caminho”, por assim dizer. O problema prático caracteriza-se pela tentativa de fazer com que uma coisa que não é, passe a ser: é “tirar as pedras do caminho”. E aquilo a que o escriba chama de “teorias” e “doutrinas” da Esquerda, não são teorias ou doutrinas na verdadeira acepção dos termos: antes, são justificações (a posteriori) para a acção política que decorre do problema prático que tende a “tirar as pedras do caminho”.

As teorias e doutrinas, propriamente ditas, decorrem de problemas teóricos; e o problema teórico é absolutamente irredutível ao problema prático1. O problema teórico é aquele que pretende fazer que uma coisa que é, passe a não ser — o que, devido à natural insuficiência do intelecto humano, causa irritação. E a única forma de se harmonizar, de certa maneira, o problema teórico com o problema prático, não é através da política, mas antes é seguindo a montante da política e entrar na metafísica, primeiro, e depois e em consequência, na ética; e só depois vem e se deduz a política! E quem faz este exercício de aproximação do problema teórico ao problema prático é a Direita propriamente dita. Sublinho: propriamente dita.

O João Vilela e a Helena Matos são vergônteas da mesma cepa. São “irmãos” desavindos. São ambos produtos do movimento revolucionário e da revolução burguesa de 1789; divergiram a partir de um mesmo ponto, bem delimitado pela História. Para os dois, é o problema prático que é importante: a diferença é que o João confunde o problema prático com o problema teórico, ao passo que a Helena Matos não o faz. E a razão por que o João faz essa confusão é a de que a Esquerda julga-se intelectualmente superior à chamada “direita utilitária” (“presunção e água benta, cada um toma a que quer”).

Se fosse verdade que a Esquerda se preocupasse com o problema teórico — metafísico, e depois ético, para a seguir entroncar na política —, não teríamos tido a monstruosidade ontológica das centenas de milhões de mortos causados pelo movimento revolucionário só no século XX! E muitas dezenas de milhões desses mortos foram pessoas inocentes, velhos, mulheres e crianças. Mas quem ouvir o João discorrer sobre as “teorias” e as “doutrinas” (que nada mais são do que retórica de justificação de um determinado método de acção política e de uma visão teleológica do ser humano), até parece que o século XX nunca existiu.

Havia uma outra Direita que penso que já desapareceu da Europa: a democracia-cristã.

Essa era a Direita do problema teórico que fazia a aproximação à política através da metafísica e da ética. Hoje, temos uma outra direita que, à semelhança da Esquerda, só se preocupa em “tirar as pedras do caminho”.

1. Ortega y Gasset

Sexta-feira, 9 Agosto 2013

O homem moderno reduz toda a realidade à economia

«Um homem honesto apaixona-se por uma mulher honesta; ele quer, por isso, casar-se com ela, ser o pai dos seus filhos, e ser a segurança da família.

Todos os sistemas de governo devem ser testados no sentido de se saber se ele pode conseguir este objectivo. Se um determinado sistema – seja feudal, servil, ou bárbaro – lhe dá, de facto, a possibilidade da sua porção de terra para que ele a possa trabalhar, então esse sistema transporta em si próprio a essência da liberdade e da justiça.

Se qualquer sistema – republicano, mercantil, ou eugenista – lhe dá um salário tão pequeno que ele não consiga o seu objectivo, então transporta consigo a essência de uma tirania eterna e vergonha». – G. K. Chesterton, “Illustrated London News”, Março de 1911.


O que é que existe em comum entre este verbete, no blogue Insurgente, e um qualquer artigo publicado no Avante (órgão de informação do Partido Comunista)? Resposta: ambos reduzem a realidade à economia.

É verdade que, ao longo da história da existência humana, a economia sempre foi um factor muito importante na organização da sociedade e nas sucessivas diferenciações culturais. Mas nunca, como na modernidade, tinha acontecido que toda a realidade se reduzisse à economia. Isto significa que até o alegado anti-utilitarismo marxista se transforma numa variante do Utilitarismo; e até o putativo anti-utilitarismo de Nietzsche é irmão gémeo do super-utilitarismo do Marginalismo do século XIX.

Quando os liberais reduzem a realidade à economia, fazem o jogo do materialismo dialéctico, e transformam o liberalismo económico em um dos dois pilares do movimento triádico marxista de base que dará lugar à síntese revolucionária.


«Os grandes senhores recusarão ao camponês inglês os seus três acres de terra e uma vaca, em nome do progresso, caso já não seja possível negá-los em nome de uma visão reaccionária.
Recusar-lhe-ão os três acres em nome da Propriedade de Estado; e proibirão a posse da vaca em nome do Humanismo».
– G. K. Chesterton, “What’s Wrong with the World”.


« Quando eu uso o termo “capitalismo”, eu quero significar o seguinte: “A condição económica na qual existe uma classe de capitalistas, mais ou menos reconhecível e relativamente pequena, em cuja posse está concentrada a maioria do capital e de tal forma que uma larga maioria dos cidadãos servem esses capitalistas em troca de um salário”.

Este estado de coisas, em particular, pode existir e existe mesmo, e devemos ter uma qualquer designação para ele e uma qualquer forma de o discutir. Mas essa palavra (capitalismo) é, sem dúvida, uma má palavra, porque é utilizada no sentido de significar outras realidades diferentes.

Algumas pessoas identificam “capitalismo”, por um lado, com “propriedade privada”, por outro lado. Outras supõem que “capitalismo” significa qualquer coisa que envolva o uso de capital. Mas se este tipo de uso da palavra “capitalismo” é literal, também é demasiado alargado e abrangente. Se o uso do capital é “capitalismo”, então tudo é capitalismo. O bolchevismo é capitalismo e o comunismo anarquista é capitalismo: e todos os esquemas revolucionários, selvagens que sejam, continuam a ser capitalismo. »

– G.K. Chesterton: “The Outline of Sanity.”

O termo “fascismo” é uma “palavra total”

O termo “fascismo” é uma “palavra total”.

Alguém que baseie a sua mundividência política – e de concepção de Estado – no conceito de “vontade geral” de Rousseau não pode ser, por definição, conservador.

As “palavras totais” eram as palavras utilizadas pelo homem do paleolítico na sua simplicidade de cobrir nexos de significado maiores e comparáveis às imagens existentes – por exemplo, um quadrado gravado numa pedra – representando, em esboços básicos e rudimentares, uma mundividência abrangente. A “palavra total” é hoje uma espécie de slogan que simplifica o que é, em si mesmo, complexo. O politicamente correcto é o domínio da “palavra total” por excelência; é uma espécie de espaço cultural de reificação do homem do paleolítico moderno.

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Segunda-feira, 3 Junho 2013

O progresso e o mundo melhor

O conceito de “progresso” só faz algum sentido quando aquilo que de positivo (em termos éticos, culturais e/ou históricos) existiu no passado não se perdeu com o processo de devir. O progresso só pode ser acumulação de experiências positivas; e a esta acumulação de experiências positivas chamamos de “civilização”. Tudo o resto é mudança; e a mudança, entendida em si mesma, não é necessariamente “progresso”.

A existir um “mundo melhor” – se é que é possível – tem que ser um “mundo civilizado”. Não há “mundo melhor” sem a valorização positiva do passado – porque, como vimos, um “mundo melhor” não é apenas um “mundo em devir”: é essencialmente a justaposição cultural das experiências positivas do passado e do presente. A diabolização do passado histórico, ético e cultural é anti-progresso.

E é por isso que o “mundo melhor” é incompatível com o “progressismo” actual: defender o “progresso” e ser “progressista” é, hoje, uma contradição em termos.

Quarta-feira, 16 Março 2011

Eric Voegelin foi profético

Quando Eric Voegelin escreveu o seu primeiro livro, “As Religiões Políticas”, pareceu que ele se referia apenas ao nazismo. Nas obras seguintes alargou o espectro da sua análise, e na “Ordem e História”, o seu foco já parece ser desligado de uma determinada época especifica, mas antes apresentou como que um “modelo” segundo o qual o movimento histórico gnóstico pode actuar em qualquer momento e em qualquer época.

«Stephen Glover, writing in the Daily Mail, says secular values have even been accorded the status of a religion.»

Segunda-feira, 5 Julho 2010

A revolução tranquila e o condenado moderno

Quando em princípios dos anos 30 do século passado, Ortega Y Gasset deixou os Estados Unidos para regressar à Europa, foi-lhe perguntada a razão da sua mudança, ao que ele respondeu que “Europa es el único continente que tiene un contenido” — em castelhano, “continente” e “contenido” têm a mesma raiz — ou seja, a “Europa é o único continente que tem um conteúdo”. Muito sinceramente, hoje tenho muitas dúvidas sobre se Ortega Y Gasset teria tido a mesma opinião, depois de todo o processo cultural que a Europa sofreu a partir do início da II Guerra Mundial.
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Domingo, 4 Julho 2010

A evolução do gnosticismo até à sua expressão moderna (12)

Todos os internautas conhecem, pelo menos de ouvir falar, o mundo virtual do “Second Life”, em que uma pessoa inventa uma personagem, muitas vezes com características pessoais diferenciadas do seu autor, personagem essa que actua em um mundo diferente daquele em que o internauta vive na realidade concreta e objectiva. Essa realidade virtual do “Second Life” é, de facto, uma “segunda realidade”, embora o internauta normal tenha a plena consciência de que essa “segunda realidade” não é verdadeira.
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Quinta-feira, 1 Julho 2010

A Europa precisa de um novo Renascimento

O caso da prepotência da empresa espanhola Telefónica que se atreveu a desafiar, com uma insolência inaudita, não só o Estado português mas principalmente o sentimento esmagadoramente maioritário do povo português em relação à Portugal Telecom, constitui a evidência da modernidade que coloca em causa o direito de todas as comunidades humanas a pretender desenvolver as suas riquezas culturais próprias, valorizar o que as distingue e reforçar as suas identidades próprias.
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Terça-feira, 29 Junho 2010

Os monismos seculares (2)

A assunção de algumas posições éticas niilistas por parte de pessoas ligadas à Igreja católica, como são os casos do Bispo Januário Torgal Ferreira, do Padre Carreira das Neves ou do Frade Domingues (para mencionar apenas alguns), dão-nos a ideia de que como a ética cristã pode ceder perante as pressões de um mundo ocidental em grave crise de valores.

Eu passei alguns poucos anos a estudar as religiões, não como uma obrigação, mas como um passatempo. Antes da Era industrial, os monges cristãos inventaram o 3 X 8 : 8 horas de contemplação, meditação e oração, 8 horas de trabalho e 8 horas de sono. A Era industrial substituiu as primeiras 8 horas pelo entretenimento que consome a cultura e evacua-a. Eu não tenho nada contra o entretenimento, mas prefiro passar as 8 horas em que não trabalho nem durmo, a saber de coisas que não deito fora.
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