Um médico contou-me uma história verídica de uma jovem mulher, com cerca de 20 anos de idade, que se dirigiu ao hospital para fazer um aborto. O médico teve a preocupação de lhe fazer um TAC (ou uma ecografia; não sei bem o termo técnico adequado) em que mostrou à jovem o embrião/feto (com cerca de 10 semanas de gestação, o coração está formado e já bate). Perante a imagem da ecografia, a jovem exclamou, divertida:
“Tão engraçado!”. Mas a imagem do embrião/feto não a coibiu de fazer o aborto.
Estamos em presença, em relação a essa jovem, de uma falta de sensibilidade moral. Trata-se de uma analfabeta moral.
A sobrevivência da democracia depende da prevalência da autoridade moral na nossa sociedade, o que significa a necessidade de uma educação das nossas crianças consentânea com o combate ao analfabetismo moral que tende a atomizar a sociedade, e que é o esteio de um novo tipo de totalitarismo iminente e imanente.
De forma idêntica, é hoje relativamente vulgar que, na nossa cidade qualquer que seja, pessoas ajam de forma moralmente insensível — por exemplo quando alguém cai na rua com um ataque epiléptico. Nestes casos como noutros, há sempre alguém que olha para a cena de uma forma neutra, não compreende a urgência da situação e a necessidade de acudir de qualquer modo a essa pessoa que sofre o ataque epiléptico. É normal observar pessoas que passam ao lado da pessoa caída sem lhe prestar atenção, e há mesmo gente que se ri da situação como se de um caso anedótico se tratasse — essa gente é incapaz de ver o que a situação exige deles próprios. Estamos, nestes casos, em presença de analfabetos morais.
Um analfabeto moral não é necessariamente diminuído de raciocínio; pode ser um engenheiro da NASA, um médico de família que trabalha para o Estado, um juiz do Tribunal Constitucional, ou um Nobel da física. Ele simplesmente não adquiriu a sensibilidade moral necessária, ou porque é inatamente insensível à empatia e às emoções (o que é raro), ou porque sofreu uma metanóia psico-ideológica que lhe iniba a expressão da sua sensibilidade moral (por exemplo, os altos quadros do partido nazi alemão), ou, o que é hoje cada vez mais vulgar, porque não foi educado, na sua infância, de forma a adquirir essa sensibilidade moral (v. John McDowell).
Um analfabeto moral pode ser um indivíduo altamente inteligente, com grande capacidade de raciocínio e com um alto coeficiente de inteligência lógica-matemática. Ele simplesmente não teve pleno acesso, no seu processo de educação, às verdades morais que motivam por si mesmas a acção do indivíduo e independentemente do desejo [subjectivo]. A acção moral não depende apenas de uma deliberação racional, mas antes e sobretudo, é da ordem da percepção imediata e intuitiva de um estado de coisas (ibidem).
Para um analfabeto moral, uma situação de urgência moral não é um facto semelhante ou idêntico a um facto tal qual concebido por outra pessoa com sensibilidade moral. Sendo que um facto é algo que adquiriu uma estrutura através da nossa consciência, para um analfabeto moral, o facto de uma determinada situação de urgência moral não existe enquanto tal.
Hannah Arendt teve um momento escasso de lucidez — embora sempre ambígua como é sua característica — quando escreveu o seguinte:
“Desde então [desde a fundação da Igreja Católica] percebeu-se, e esse facto diz muito sobre a estabilidade de tal fusão [a fusão das regras morais e da política], que sempre que um dos elementos da trindade romana composta por religião, autoridade e tradição fosse posta em dúvida ou eliminada, as outras duas sofriam um forte abalo. Assim, Lutero enganava-se ao pensar que o seu desafio à autoridade temporal da Igreja e o seu apelo a um julgamento individual sem guias, deixariam intactas a religião e a tradição. Similar foi o erro de Hobbes e dos teólogos políticos do século XVII ao acreditarem que a autoridade e a religião poderiam ser preservadas na ausência da tradição. Semelhante, também, o erro dos humanistas ao acreditarem que era possível permanecer no seio de uma intacta tradição da civilização ocidental sem religião nem autoridade.” — Entre o Passado e o Futuro, 2006, página 141.
A partir do Iluminismo, todas as tendências culturais e mundividências psicóticas (utópicas) do movimento revolucionário (que não é só de Esquerda, ou daquilo a que chamamos de “esquerda”) desenvolveram-se acriticamente no Ocidente, minando a autoridade e criando progressivamente esse analfabeto moral a que chamamos “homem moderno”. Em Portugal, e desde o 25 de Abril de 1974, o processo revolucionário de fomento do analfabetismo moral tomou finalmente conta do processo de educação das nossas crianças nas escolas, separando a cultura antropológica tradicional, por um lado, da ideologia política que nega a religião, mina a autoridade e destrói a tradição, por outro lado.
Desde Aristóteles que sabemos que a educação das crianças é de primordial importância não só na formação do cidadão, mas também e sobretudo na formação do sujeito moral. E o que as nossas escolas têm feito, e principalmente na última década, é formar analfabetos morais. E o pior é que o analfabetismo moral é o orgulho da nossa classe política: leis como a do aborto, ou do divórcio unilateral e na hora, enchem de orgulho a classe política que temos. Simultaneamente, e de forma absolutamente irracional, a nossa classe política queixa-se de “falta de autoridade”, e alguns analistas políticos mais radicais relacionam a “falta de autoridade” com o “excesso de liberdade”: não conseguem ver que a “falta de autoridade” que grassa na nossa sociedade é uma “falta de autoridade moral”, e pouco tem a ver com a liberdade tornada disponível pela política — ou, como escreveu Nicolás Gómez Dávila: “Ninguém se revolta contra a autoridade, mas antes contra aqueles que a usurpam.”
Como escreveu Hannah Arendt, os adultos não se educam, o que significa que os estragos feitos pela intervenção do movimento revolucionário na educação dos nossos actuais adultos é apenas um mal que devemos tentar remediar. O que devemos fazer é reverter o actual processo de degradação da educação das nossas crianças promovida pelo movimento revolucionário (que inclui a maçonaria), nem que isso provoque o choro, baba e ranho de determinadas minorias políticas com claras tendências totalitárias (que inclui o lóbi político homossexualista).
A sobrevivência da democracia depende da prevalência da autoridade moral na nossa sociedade, o que significa a necessidade de uma educação das nossas crianças consentânea com o combate ao analfabetismo moral que tende a atomizar a sociedade, e que é o esteio de um novo tipo de totalitarismo iminente e imanente.