José Pacheco Pereira fala-nos aqui da “Escolástica do século XX”.
A dogmatização dos direitos humanos, transformando-os em uma forma de fazer política, para além de repudiar o que há de bom e positivo nas tradições, é a causa do aumento da tutela da organização burocrática (por exemplo, na cúpula do leviatão da União Europeia), em que a afirmação retórica, obsessiva e repetida da singularidade das pessoas concretas é acompanhada pela sua equivalência abstracta num anonimato generalizado; e em que o reconhecimento social de todas as espécies de direitos – “casamento” gay, adopção de crianças por pares de invertidos, eutanásia “a pedido do freguês”, aborto livre “porque sim”, pedofilia como “orientação sexual”, teoria de género, feminismo, etc. – e liberdades tem como contraponto o retraimento narcísico dos indivíduos e o seu desinteresse pela coisa pública (ou seja, diminuição da coesão social), e em que a omnipresente encenação política de liberalização dos costumes esconde a propensão para um mimetismo na cultura antropológica, um seguidismo e um conformismo sem precedentes que abre caminho a uma nova forma de totalitarismo.
Exceptuando alguns poucos pensadores medievais católicos – como, por exemplo, Anselmo de Aosta ou S. Tomás de Aquino -, a Escolástica, em geral, passou o tempo a discutir o sexo dos anjos. De um modo semelhante, também existiu uma Escolástica no século XX, que já vinha da revolução francesa, da utopia positivista que evoluiu para o socialismo francês pela mão do utilitarismo de Bentham, e que teve em Karl Marx o seu corolário.
Paradoxalmente, a religião que Karl Marx criticou deu origem a um Ersatz da religião, a uma religião política imanente e moderna que também teve os seus relapsos, os seus “protestantes” e a sua “Reforma”: mas sempre a discutir o sexo dos anjos. O que se passa hoje, em grande parte da Europa e nomeadamente em França , é, de facto, o retorno às origens da Escolástica moderna; uma espécie de “vira o disco e toca o mesmo”.
José Pacheco Pereira fala de “humanismo” e de “anti-humanismo”. Mas ¿o que significa “humanismo”?
O termo “humanismo” sofreu tantas definições que já não se sabe bem o que é. O próprio marxismo ortodoxo, que se dizia “anti-humanista”, acabou por reclamar a herança do humanismo e, por isso, paradoxalmente, ser também – embora involuntariamente – “humanista”. Se considerarmos “humanismo” aquilo que saiu do Iluminismo – porque também existe um outro “humanismo” que saiu do Renascimento, para além do “humanismo” do personalismo cristão, e etc. -, esse humanismo iluminista é sinónimo de racionalismo; mas racionalismo não é a mesma coisa que racionalidade; mas durante muito tempo pensou-se que os dois conceitos eram equivalentes.
Dizia Albert Camus que “Nietzsche era grego e Karl Marx, cristão”. O que separa, realmente, Karl Marx do Cristianismo é a ausência de um fundamento último da teoria. Ou seja, o marxismo é construído sem alicerces na metafísica, sem uma axiomática que o prenda ao Real; neste sentido, é uma espécie de Escolástica medieval invertida ou do avesso.
Do racionalismo humanista do iluminismo, muitas vezes irracional, não poderíamos esperar outra coisa senão a construção do “Homem abstracto”, por exemplo, mediante uma “política dos direitos humanos” criticada profeticamente por Marcel Gauchet em princípios da década de 1980.
Existe aqui um paradoxo: os “direitos humanos”, assumidos como uma política em si mesma, diluiu qualquer tipo de humanismo – incluindo o personalismo cristão que sempre foi concreto (pelo menos em tese) por sua própria natureza. Vivemos numa época de paradoxos decorrentes de uma racionalização política que é, no fundo, uma tentativa (propositada!) de irracionalizar a sociedade e a cultura.
Os paradoxos da relação entre indivíduo e sociedade, por um lado, e por outro lado entre o indivíduo e o Estado, são mitigados (aparentemente) pela invocação ritualizada (por exemplo, pelo socialismo dos Khmers Rosa de François Hollande ) da liberdade, e da igualdade entendida como uma aplicação prática de uma espécie de ideologia de Procrustes.
A dogmatização dos direitos humanos, transformando-os em uma forma de fazer política, para além de repudiar o que há de bom e positivo nas tradições, é a causa do aumento da tutela da organização burocrática (por exemplo, na cúpula do leviatão da União Europeia), em que a afirmação retórica, obsessiva e repetida da singularidade das pessoas concretas é acompanhada pela sua equivalência abstracta num anonimato generalizado; e em que o reconhecimento social de todas as espécies de direitos – “casamento” gay, adopção de crianças por pares de invertidos, eutanásia “a pedido do freguês”, aborto livre “porque sim”, pedofilia como “orientação sexual”, teoria de género, feminismo, etc. – e liberdades tem como contraponto o retraimento narcísico dos indivíduos e o seu desinteresse pela coisa pública (ou seja, diminuição da coesão social), e em que a omnipresente encenação política de liberalização dos costumes esconde a propensão para um mimetismo na cultura antropológica, um seguidismo e um conformismo sem precedentes que abre caminho a uma nova forma de totalitarismo.
Foi nisto que desembocou a “Escolástica do século XX”.