Podemos acusar o José Pacheco Pereira de tudo excepto de ser incoerente: ele foi o primeiro a exigir um referendo sobre o Tratado de Lisboa e já antes o tinha feito em relação ao Tratado de Nice.
Mas a lógica de José Pacheco Pereira é a da persuasão, ou seja, é uma lógica de “progresso da opinião pública”: “debate” significa, para ele, “persuadir as pessoas de que as ideias europeístas (entendidas no seu fundamento) são as correctas”. Para o José Pacheco Pereira, o federalismo europeu é uma ideia de que precisa de confirmação popular através do “progresso da opinião pública”.
O conceito de “progresso da opinião pública” é semelhante ao conceito de bovinotecnia: há que convencer os burros de que eles são burros, por um lado, e, por outro lado, há que os convencer de que eles podem deixar de ser burros se abandonarem a sua burrice.
O “progresso da opinião pública” foi uma primeira forma de engenharia social que nos chega do liberalismo do século XIX.
O “progresso da opinião pública” não tem em conta a verdade dos factos; antes, tem em conta os factos de uma qualquer verdade. E quando o José Pacheco Pereira pretende debater a Europa, apenas pretende debater os meios, e não os fins que não podem ser colocados em causa — porque o pensamento é circular: a construção da Europa federalista não está em causa: o que está em causa são os meios para lá chegar, por um lado, e por outro lado está a necessidade de consentimento popular que legitime um leviatão Hobbeseano; o debate democrático apenas servirá, por intermédio da persuasão, para legitimar eventualmente o absolutismo do leviatão. Ou seja, sem o debate, o leviatão não faz sentido; mas com um debate consensual, esse leviatão pode tornar-se legítimo. José Pacheco Pereira ainda não perdeu a ideia maoísta de “democracia”.
Por exemplo, o uso de alguns neo-chavões: “nacionalismo anti-europeu”. Como se fosse possível existir um “nacionalismo europeísta”. E outro exemplo: José Pacheco Pereira é visceralmente contra os mecanismos referendários — a chamada democracia participativa — em Portugal. Mas quando se trata dos referendos suíços, José Pacheco Pereira já abraça a democracia directa:
“Veja-se o modo como a União Europeia, pela voz de Durão Barroso e mais mil e um comentaristas europeístas, reagiu aos resultados recentes do referendo suíço limitando a emigração – ameaçando os suíços porque votaram “mal”. Eu teria votado contra as propostas referendárias suíças sobre a emigração, e considero que é de criticar o seu resultado, mas nunca me esqueço que os suíços votaram livremente e que é suposto em democracia respeitar-se o resultado das votações. É, aliás, péssima esta tendência na União de não aceitar resultados, quando eles vão contra a ortodoxia dominante nas elites burocráticas e governamentais que a governam, e de exigir um determinado resultado, realizando-se quantos referendos sejam necessários até esse resultado se obter.”
Aquilo que deve ser respeitado na Suíça, não deve ser tolerado em Portugal. Em vez disso, a política a seguir é a de “progresso da opinião pública” sem referendos, persuadir os presumidos burros através do debate entre putativos inteligentes, recusar aos portugueses um estatuto ontológico que ele próprio reconhece aos suíços.
Ser europeísta, ou é delírio, ou é cinismo. Se é delírio pode ser tratado com anti-psicóticos. Se é cinismo, é defender a existência de uma classe de sibaritas que se abotoam com prebendas à moda de Miguel de Vasconcelos — destruindo um povo, uma nação e uma cultura quase milenares, em troca de um prato de lentilhas.
Ficheiro PDF do texto de José Pacheco Pereira
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