
Eu não vou aqui comentar em profundidade a política da língua levada a cabo pelos políticos brasileiros desde a década de 20 do século passado; apenas dizer que essa política da língua não conseguiu prever que, em menos de um século, vários países para além do Brasil e Portugal, falassem português. Foi uma política brasileira de visão de curto prazo.
Porém, o problema começou nos anos 60, quando o Brasil — que tradicionalmente se concentra no seu umbigo — se deu conta de que afinal existiam “outros países que falam português”, e quis impor o seu erro estratégico na política da língua aos outros países. O Acordo Ortográfico é imposto pelo Brasil em nome da “alfabetização dos mais pobres”, quando esse país tem uma taxa relativa de analfabetos superior à média da América latina.
O problema brasileiro é exactamente o oposto daquilo que a política brasileira tem afirmado: a alfabetização do Brasil tornou-se mais difícil porque a reforma da língua, feita no Brasil dos anos vinte, desligou a língua das suas raízes etimológicas — nós aprendemos mais facilmente uma língua se tivermos referências que permitam estabelecer conexões entre as diversas palavras. Dou um exemplo:
- Arquitecto e arquitectónico . Segundo o novo acordo ortográfico, passa a ser escrito “arquiteto” e “arquitetónico”.
- Ctónico (= subterrâneo, relativo à terra). Entre “arquitectónico” e “ctónico”, existe uma raiz etimológica comum estabelecida pelo sufixo “ctónico”. A partir do momento em que eliminemos o “c” de “arquitectónico” (passando a ser “arquitetónico”), qualquer relação entre as duas palavras passa ser pura coincidência. E podemos multiplicar este exemplo por muitos mais.
Eu tenho muito respeito pelo Brasil e pelos brasileiros, mas penso que os erros do Brasil devem ser assumidos pelo Brasil. O Brasil é soberano para mudar a sua língua para o chinês — e ainda assim eu continuaria a ter muito respeito pelo Brasil e pelos brasileiros. O que eu não posso aceitar (e a maioria do povo português não aceita) é a importação dos erros dos outros, por muito respeito que tenha por estes.
Reparem numa coisa muito simples: se estabelecermos uma relação entre as populações dos dois países (Portugal e Brasil) e as respectivas produções literárias — isto é, se estabelecermos uma percentagem relativa —, e se é verdade que o português do Brasil “traz mais vantagens na alfabetização”, porque é que a produção literária e poética no Brasil é , em termos proporcionais, inferior à portuguesa? A razão é simples: o português da reforma da língua dos anos 20 no Brasil foi construído para ser básico e funcional, e por isso, avesso à literatura e à cultura. E agora pretendem que esse erro brasileiro seja assimilado em outros países através da educação das crianças… ?!
A política de esquerda que tem imperado em Portugal nos últimos 35 anos, decretou coercivamente a importação do erro brasileiro, e sem acordo do povo. Os governos portugueses de esquerda sabem que não conseguem convencer os portugueses a seguir o erro brasileiro. Por isso, a ministra socialista vem agora com paliativos e estratégias de anestesia cultural.
Adenda: eu não preciso do acordo ortográfico para entender o que os brasileiros escrevem.