O Padre Nuno Serras Pereira levanta
aqui uma questão pertinente: as lágrimas de Obama, quando apareceu na televisão e face à tragédia da cidade de Newton, Estados Unidos, ¿terão sido lágrimas de crocodilo? À primeira vista, a abordagem do Padre Nuno Serras Pereira parece ser agostiniana — voluntarista e de análise subjectiva da intenção de Obama —, mas vendo melhor, chegamos à conclusão de que a sua abordagem é aristotélica e tomista: o que conta são os actos e coerência dos actos ao longo do tempo, e não uma presumível intenção da acção. E eu estou totalmente de acordo com S. Tomás de Aquino. Aliás: é dos autores que me dá mais prazer a leitura.
Mas antes de falar nas lágrimas de crocodilo de Obama, o Padre levanta o problema da interpretação das lágrimas que Jesus derramou perante o leito de morte do Seu amigo Lázaro, e na presença das suas (deste) duas irmãs (João, 11, 17-44), e apresentou duas interpretações diferentes. Ambas as interpretações implicam dois níveis semânticos: o nível factual (facto), e o nível simbólico (símbolo). Nas duas interpretações, só muda o simbólico, mantendo-se o factual.
Ora bem: a realidade do nosso mundo é um facto; ou seja, é algo feito por nós. Naturalmente que existe a “realidade em si” que não é criada por nós; ou seja, nós não inventamos os dados da realidade a partir dos quais a nossa consciência constrói as coisas. Porém, a “realidade para nós” é obra nossa, individual e subjectiva, ou colectiva e intersubjectiva. A “realidade para nós” é o “noese” de Husserl: o nosso cérebro monta precisamente aquelas coisas que estamos a ver à nossa frente (percepção), a partir dos dados da “realidade em si” mesma. Por isso, para as pessoas que acompanharam Jesus ao leito de morte de Lázaro, a ressurreição deste foi um facto: elas viram mesmo a ressurreição de Lázaro (“noema”).
Para o homem moderno, esse facto — testemunhado por aquelas pessoas que acompanharam Jesus Cristo ao leito de morte de Lázaro — é incompreensível, porque não o testemunharam. Não partilharam intersubjectivamente a noese que definiu aquele facto da ressurreição como noema.
Porém, para o homem moderno, por exemplo, o ponto como uma formação com dimensão zero já é compreensível e um facto, embora seja uma ideia completamente contraditória em si mesma, destarte seja tão necessária quanto absurda: uma formação sem qualquer dimensão é um nada em si mesmo. Ou seja, o homem moderno constrói as suas quimeras (embora úteis), mas recusa os factos que não vê ou não testemunha, porque não vê neles utilidade. O homem moderno vive apenas daquilo que pensa que lhe é materialmente útil: o homem moderno vulgar praticamente já não se distingue de um animal irracional.
Enfim, e para convencer o homem moderno do facto da ressurreição de Lázaro, poderíamos entrar na exegese do texto do Evangelho mediante uma terceira interpretação simbólica.
Lázaro vive com as suas irmãs de uma forma tal que lhe é coarctada a possibilidade de viver espiritualmente. Ele está tão condicionado por elas que perde a sua liberdade e a sua capacidade de desenvolvimento interior. Assim, nesse estado, ele é envolvido em faixas como morto (simbolismo) e colocado no túmulo pelas irmãs — e uma vez que está morto para o relacionamento social positivo, tudo apodrece nele. Lázaro cheira mal porque recalca a sua espiritualidade. E Jesus Cristo ressuscita-o: Ele “ergue os olhos para o Céu”, colocando-se em relação com o Pai, e chama Lázaro que estava morto, à vida: aquilo que fora recalcado terá assim que voltar à relação com ambas as irmãs, em uma comunicação onde deverá passar a existir a compaixão, abertura e equidade. E aquilo que tinha morrido — a possibilidade do desenvolvimento espiritual — ressuscitou.
Se esta terceira interpretação servir para sensibilizar o homem moderno para o facto da ressurreição de Lázaro, já terá valido a pena o esforço da exegese.