Angela Merkel decretou recentemente que nenhuma empresa alemã (privada ou pública) pode exigir a um funcionário que trabalhe mais do que 40 horas por semana (ler a notícia aqui). Será que esse facto coloca Angela Merkel no centro-esquerda? Parece-me que não.
O problema do português é que separa a ética, por um lado, da economia, por outro lado. E depois dessa separação, transforma a economia no único critério de análise e de categorização política. Por esta ordem de ideias, G. K. Chesterton, por exemplo, seria um perigoso esquerdista porque defendeu o Distributismo.
Esta análise do “progresso” do ensino público em Portugal padece da maleita ideológica que o próprio artigo começa por criticar. Diz, por exemplo:
«O caminho para reformar o ensino em Portugal não é definitivamente este. É outro, e já estava a ser seguido em algumas escolas públicas: mais autonomia, associações de pais, cooperativas ou não, apoiadas ou não em instituições locais (privadas, de solidariedade, municipais ou outras quaisquer) assumem a gestão não científica da escola e escolhem representantes para a gestão da área cientifica.»
Quanto mais entidades metem o bedelho na escola, mais inoperante esta se torna. Chegamos ao absurdo de as associações de pais mandarem praticamente na escola pública e darem ordens aos professores. Conheço casos de professores que têm medo das associações de pais. A escola pública (falo da escola primária, de que tenho recebido bastas informações) transformou-se numa coutada em que ninguém sabe muito bem quem manda. Ora, na escola pública (ou privada) tem que se saber muito bem quem manda. “Autonomia” só pode significar “saber quem manda”, porque, de outra forma, é a anarquia.
“Autonomia” é um chavão politicamente correcto, porque ninguém sabe ao certo o que significa. “Autonomia” em relação a quê ou a quem? Autonomia na gestão da escola? Se for isso, estamos conversados (basta ver as contas astronómicas de electricidade das escolas públicas). Autonomia pedagógica? Era só o que faltava! — financiar com o meu dinheiro dos impostos as engenharias sociais do politicamente correcto que pulula na assembleia da república.
E continua o texto:
«É claro que quem optar por ter os filhos num colégio particular deve continuar a ter toda a liberdade para o fazer. E, deve ter benefícios fiscais se o fizer, porque não é justo pagar duas vezes pela mesma coisa. A liberdade é isso mesmo, mas não à custa de cheques do Estado.»
Pergunto eu: por que razão uma família pobre não pode ter acesso ao ensino privado?
Será que o escriba defende que apenas os ricos têm direito ao ensino privado? Isto porque os “benefícios fiscais”, de que ele fala, implicam um investimento inicial que uma família pobre não pode fazer… Ora, o cheque-ensino tem praticamente o mesmo efeito do retorno do IRS ao fim do ano em função dos tais “benefícios fiscais”. Ou seja: cheque-ensino ~ benefícios fiscais; conceder benefícios fiscais é equivalente ao cheque-ensino, com a diferença de os benefícios fiscais serem concedidos a quem tem dinheiro para investir antes de obter, ao fim do ano fiscal, o retorno do valor gasto na educação dos seus filhos, através do IRS.
A única forma de evitar o cheque-ensino é baixando os impostos, mas neste caso também a escola pública sofreria uma degradação na sua qualidade, porque Portugal (graças ao Euro) tem hoje um problema endémico de défice público.
Neste contexto, a única forma de manter a escola pública “em sentido” é criando alternativas para as famílias — sejam estas ricas ou pobres. Isto nada tem a ver com o ser liberal ou não: tem a ver com racionalidade; tem a ver com imparcialidade na análise deste problema; e tem a ver com a capacidade de prever algumas tendências do futuro deste Portugal submetido a uma cultura política imposta coercivamente pela União Europeia.
Não devemos reduzir a realidade à economia. E não devemos separar o Estado, por um lado, da sociedade em geral, por outro lado.