No século XIX, o campanário da igreja de S. Marcos, em Veneza, foi três vezes destruído por raios durante um período de 20 anos. O clero local recusava-se a instalar um pára-raios no campanário porque, alegadamente, defendia a ideia de que Deus teria a obrigação de proteger a igreja da queda dos raios. Ao fim de vinte anos e depois de muito prejuízo, lá instalaram o pára-raios.
Os padres da referida igreja fizeram uma “interpretação” da realidade divina — e não uma “construção” da realidade divina. Neste caso, a interpretação era falsa, não se adequava à verdade.
“Construir” é reunir e dispor metodicamente as partes de um todo concreto (real).
Quando a construção da realidade é subjectiva, então não passa de uma “interpretação da realidade” e não de uma “construção” propriamente dita.
“A ideia de que a realidade é uma construção social é apenas parcialmente verdadeira, pois deixa ocultos alguns elementos fulcrais para a compreensão do assunto. Para sermos mais correctos, poderíamos dizer que construímos a realidade, mas os materiais da construção não foram feitos por nós”.
“Mesmo que os axiomas da teoria [da Gravidade, de Newton] sejam formulados pelo ser humano, o sucesso de um tal empreendimento pressupõe uma elevada ordem do mundo objectivo — que não se podia esperar de maneira alguma”.
— Albert Einstein (“Worte in Zeit und Raum”, 1992, p.92, Bonn)
A ideia segundo a qual “o ser humano constrói (inventa) a realidade”, nem que seja “parcialmente”, é falsa — seria como se alguém dissesse, por exemplo, que os números primos foram inventados pelo ser humano, ou que a matemática é uma construção humana.
O ser humano apenas descobre a realidade.
O conhecimento (a ciência, por exemplo) é uma descoberta permanente da composição da realidade. Não devemos confundir a realidade (entendida em si mesma), por um lado, e a interpretação da realidade (a cada momento histórico, ou por cada indivíduo), por outro lado. Aqui, “interpretação” tem o sentido de “hermenêutica”, de “procurar um sentido escondido” na Natureza.
A interpretação da realidade faz parte do processo de descoberta (científica) da verdade.
«A verdade é a adequação entre a inteligência que concebe, e a realidade». → S. Tomás de Aquino
A interpretação humana pode ser uma forma de aproximação à verdade, ou seja, a interpretação não é propriamente uma forma de “construção” humana ou social, mas antes é uma idiossincrasia (uma característica) da razão universal que abrange a razão humana — e se a interpretação se afasta basicamente da realidade (ou mesmo nega a realidade), então é delírio interpretativo (é doença mental).
Aquilo que os pós-modernos chamam de “construção social” não passa de uma determinada interpretação da realidade que, sendo adequada à realidade, se aproxima da verdade; e não se adequando à realidade, é psicose colectiva (formação de massa).
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