A Helena Matos denuncia aqui o (actual) problema da degenerescência do Estado parlamentar em Portugal: por via do “processo legislativo”, o legislador pode fazer absolutamente tudo o que quiser; e, ainda assim, continua a chamar “Direito” ao conjunto de “processos legislativos” que ilegitimamente manipula.
O princípio de “discussão pública” das leis é, em consequência, totalmente substituído pelo princípio asséptico e antidemocrático de "Vontade Geral", segundo Rousseau.
A partir do momento em que todos os problemas económicos e sociais se tornam “estatais”, o Estado passa a gerir burocraticamente os diferentes interesses sociais; surge então o Estado administrativo, em substituição do Estado parlamentar; e quem controla o novo Estado administrativo são os dignitários da "Vontade Geral".
No contexto da “democracia de massa” e com a emergência do Estado administrativo (em substituição do Estado parlamentar), a lei perde a sua dimensão geral e abstracta [Carl Schmitt, “Legalidade e Legitimidade”, 1932] — o legislador passa a adequar sistematicamente a norma jurídica ao facto isolado, transformando o Direito em um amontoado de contradições intrínsecas e num exercício político de arbítrio discricionário, ou mesmo em uma prática de actos gratuitos por parte da elite legisladora.
A discussão pública das leis é substituída por uma negociação oculta nos bastidores do parlamento, dominados por várias coligações e grupos de interesse — “parece que o Estado moderno se tornou naquilo a que Max Weber vê nele: uma grande empresa” [idem].
Estamos a entrar por um caminho muito perigoso. O problema é o de que, depois de embrenhados por esse caminho, só poderemos sair dele por intermédio da violência e da dissolução do Estado parlamentar.
AVISO: os comentários escritos segundo o AO serão corrigidos para português.