perspectivas

Sexta-feira, 30 Junho 2017

Anselmo Borges, um herdeiro de Rousseau

 

1/ Uma das características das elites portuguesas (ou aquilo a que os ingleses chamam de “rulling class”) é a de criticarem sistémica- e sistematicamente o povo. Essa ruling class inclui gente que tem acesso regular aos me®dia, como é o caso do Anselmo Borges. Vemos, pois, gente que pertence à presumível “elite” de um povo, a criticar o próprio povo a que pertence, como se não se não fizesse parte dele.

“Se percorrermos, olhando sem óculos de nenhum grau nem cor, a paisagem que nos apresentam as produções e as improduções do nosso escol — entendo por escol o escol literário e artístico, o escol político e jornalístico, e o escol industrial e comercial — facilmente notaremos que o provincianismo é o seu característico comum e constante.”

→ Fernando Pessoa, “Sobre Métodos”.

O escol, segundo Fernando Pessoa, é (grosso modo, neste contexto) a “ruling class”.

Uma das características do escol (ou da ruling class) portuguesa é a crítica constante em relação ao povo — uma crítica destrutiva, ou uma crítica paternalista que pretende denunciar o provincianismo que a própria ruling class ostenta sem o reconhecer.

Vemos neste texto do Anselmo Borges o que eu pretendo dizer; o Anselmo Borges faz lembrar o Belmiro de Azevedo, que, em uma entrevista a uma rádio inglesa há já uma boa dúzia de anos (eu ouvi a entrevista, sou testemunha directa), afirmou que “o povo português é preguiçoso”, quando de facto, o povo português (em geral) trabalha mais horas por ano do que os povos britânicos. E é o Belmiro e a sua famelga que sustentam o jornal deficitário de Esquerda que é o Jornal Púbico.

Quando os parques de estacionamento não existem, ou quando os seus preços são proibitivos; ou quando não existem transportes públicos abrangentes e dignos — o Anselmo Borges critica os automobilistas da rua dele. Isto é uma característica da actual ruling class portuguesa: atira para cima do povo as responsabilidades que recusa assumir. A culpa é do “horrível cheiro a povo”, quando sabemos que, ao longo da História, os povos (em geral) erraram menos do que as respectivas elites.


2/ Aquilo a que chamamos “esquerda” surgiu do conceito romântico de "Vontade Geral", de Rousseau.

O conceito de "Vontade Geral" é colectivista (coloca o grupo antes do indivíduo) e romântico (utopia), e influenciou a Revolução Francesa e a Europa continental dos séculos XIX e XX.

Todos os totalitarismos do século XX (nazismo, fascismo, comunismo) são vergônteas românticas (utópicas) de Rousseau e da sua Vontade Geral.

Em contraponto, a cultura política inglesa e americana (e australiana) têm origem em John Locke (e não em Rousseau), e dá prioridade ao indivíduo em detrimento do colectivo. Por isso é que os americanos têm a Primeira Emenda da Constituição que garante a liberdade de expressão que é, por definição, ofensiva (a liberdade de expressão que não tem a possibilidade de ser “malcriada” e de não ofender, corre o sério risco de não ser livre).

Por isso é que o Anselmo Borges diz que a liberdade de expressão é malcriada: para ele, a má-criação (que é o vernáculo do povo e da língua portuguesa, por exemplo) deverias ser eliminada juntamente com a liberdade de expressão que só deveria ser garantida à “elite” dos gnósticos modernos que se juntam em redor de um qualquer caudilho e rei-filósofo platónico da moda.

A Esquerda, como boa herdeira do romântico colectivista Rousseau, nunca conviveu bem com a liberdade de expressão. E o Anselmo Borges também não.

Isto é patente, por exemplo, no conceito de “achismo” expresso aqui por Anselmo Borges. A livre expressão, para o “esquerdista de elite”, é “achismo”; um qualquer militante do Bloco de Esquerda diria que qualquer opinião dissonante da cartilha politicamente correcta, é uma manifestação de “ignorância” — o que coincide com o conceito de “achismo” do Anselmo Borges.

Hoje está na moda (esquerdista) dizer que quem não concorda connosco é “ignorante”; ora eu não penso que o Anselmo Borges seja ignorante: ele é simplesmente um romântico rosseauniano e utopista (é uma doença mental), e tem uma agenda política neognóstica para-totalitária encoberta pelos evangelhos do Cristianismo.

1 Comentário »

  1. Seu texto é didático, o mesmo ocorre em meu país; porém, eu tenho a intuição que esse tipos de pensamentos tem acompanhado a humanidade desde dos primórdios. Eu estava lendo um livro quando me deparei com esse trecho: “PRAXÁGORAS – Quero que todos tenham
    um quinhão dos bens comuns, que a propriedade seja de todos;
    de hoje em diante, deixará de haver distinção entre pobres e
    ricos; não se repetirá o caso de possuir um homem vastas
    extensões de terras, enquanto outro não tem sequer o suficiente
    para cavar a sua sepultura… É meu propósito que seja um só o
    modo de vida de todos… Para começar, farei que toda a
    propriedade particular se torne bem comum.
    BLÉPIRO – Mas… quem fará todo o trabalho?
    PRAXÁGORAS – Para isso haverá escravos.”
    (Da comédia de Aristófanes Kcclesiazusae, apud Pitigrilli,
    Dicionário anti-loroteiro, Rio de Janeiro, Vecchi, 1956, p. 44)
    Veja que é tese socialista sendo defendida a mais de 2000 anos.

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    Comentar por Marco R — Sexta-feira, 30 Junho 2017 @ 2:35 pm | Responder


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