Novo texto do Anselmo Borges, desta vez sobre o “radicalismo islâmico” (passo a redundância).
Algumas considerações minhas: desde logo, Michael Walzer não é propriamente de Esquerda (como afirma Anselmo Borges): ele é aquilo a que se chama em filosofia um “comunitarista” — de “comunitarismo” : como, por exemplo, Charles Taylor, Michael Sandel, Alasdair MacIntyre, que são tudo menos de Esquerda —; uma característica genérica da Esquerda é o internacionalismo, e o “comunitarismo” de Michael Walzer impede-o de entrar na categoria da Esquerda.
Depois, o Anselmo Borges defende a ideia de que o Alcorão deve ser treslido, ou seja, sujeito a uma determinada interpretação que obnubile aquilo que lá está realmente escrito.
No seu livro “A Doença do Islão”, Abdelwahab Meddeb escreveu que o Islamismo foi relativamente pacífico enquanto a população islâmica era analfabeta e, por isso, não podia ler o Alcorão — mas estava à mercê dos humores circunstanciais das elites políticas islâmicas (o califa): eram as elites políticas do califado que determinavam as condições da Jihad.
A partir do momento em que a literacia se propagou no mundo islâmico, tornou-se impossível às elites políticas controlar o radicalismo instituído pelo próprio Alcorão. Quem adopta o Alcorão como fonte doutrinária não pode ser outra coisa senão um radical político e religioso — porque o Islamismo não é propriamente uma religião como as outras, mas antes é um princípio de ordem política.
A seguir, Anselmo Borges defende a laicidade do Estado no mundo islâmico. Esta tese é engraçada, porque foram os “progressistas” da estirpe do Anselmo Borges (Obama incluído) que apoiaram a Primavera Árabe que destruiu o Estado laico no Próximo Oriente, nomeadamente na Síria e no Egipto. Ou seja, provocaram o problema da imigração em massa de muçulmanos para a Europa, e agora assobiam para o lado.
Esta proposta de Anselmo Borges é difícil de se realizar senão em um contexto de um sistema político relativamente autoritarista; a democracia, no mundo islâmico, conduz inexoravelmente à teocracia, porque a Sharia (a lei islâmica) é deduzida directamente do Alcorão — ao contrário do que se passa no Direito Canónico católico, onde a lei canónica é uma construção da tradição e da interpretação da teologia católica ao longo do tempo (por isso é que o papa-açorda Francisco se atreve a desdizer todos os papas anteriores, porque o Direito Canónico é um códice que não se escora directamente no Novo Testamento).
Ou seja: tresler o Alcorão ou defender uma laicidade no mundo islâmico é colocar em causa o Alcorão e, por isso, é colocar em causa o Islamismo. Esta é a realidade, pura e dura, sem a utopia do Anselmo Borges.
Depois, Anselmo Borges falta à verdade, quando escreve:
“A Igreja Católica teve muita dificuldade em aplicar estes pressupostos [da laicidade], que aceitou plenamente apenas no Concílio Vaticano II”.
A tradição da Igreja Católica foi marcada, desde o seu início, pela História da Europa ocidental (império romano do ocidente), e divergiu essencialmente da Igreja Ortodoxa Grega marcada pelo império romano oriental. A ocidente, a influência política da Igreja Católica sempre foi condicionada pelo poder feudal e dos reis e imperadores — ao contrário do que se passou a oriente, onde a Igreja Ortodoxa Grega se aproximou de uma teocracia [em contraponto, a Igreja Ortodoxa Grega desenvolveu um método de legislação teológica diferente do da Igreja Católica, em que as decisões teológicas e dos costumes têm uma maior democraticidade e não dependem exclusivamente da hierarquia clerical como acontece na Igreja Católica: o cidadão grego ortodoxo comum participa (mais ou menos) na construção da sua teologia, o que não acontece na Igreja Católica].
Desde a alta Idade Média que existiram, dentro da Igreja Católica, movimentos que defenderam o poder absoluto do papa (principalmente entre os franciscanos menores). Mas, em reacção a esses movimentos, surgiram muito cedo (também na Idade Média) os adeptos da Razão de Estado que se opunham ao poder absoluto do papa. Criou-se assim uma dialéctica de tensão política que condicionou sempre o poder político do Vaticano na Europa ocidental. Basta ver o que se verificou com o Estado Novo de Salazar: a Igreja Católica foi “arrumada” no seu devido lugar pelo ditador.
O Concílio do Vaticano II foi um evento teológico que teve repercussões políticas, é certo; mas foi, em primeiro lugar, uma concessão à Nova Teologia imanente e de cunho protestante (a aliança da religião com o Estado, em que aquela se submetia a este mas “trabalhavam” no mesmo sentido, ao contrário do que se passava anteriormente, em que a Igreja Católica era uma espécie de contra-poder independente do poder político laico).
Finalmente, o Anselmo Borges escreve:
“Durante 250 anos, o cristianismo foi uma religião pacífica e perseguida. Assim, quando os cristãos olham para os horrores cometidos ao longo da História têm de reconhecê-los e pedir perdão, pois atraiçoaram o fundador”.
S. Paulo escreveu:
“Não torneis a ninguém o mal por mal, procurai fazer o bem aos olhos de todos os homens; se é possível, quando de vós depende, tende paz com todos os homens” (Romanos, 12).
Reparem bem: “se é possível, quando de vós depende”. S. Paulo nunca defendeu que o cristão comum se deveria dirigir pacificamente a quem o queria matar para ser um mártir. Mas o Anselmo Borges parece defender esta ideia. E Jesus Cristo disse:
“A Vós [aos discípulos, mas não necessariamente aos apóstolos] foi-vos dado o Mistério do Reino de Deus [iniciação cristã], mas aos de fora [aos que não são discípulos] tudo lhes é dado em parábolas” — S. Marcos, 4, 11.
Jesus Cristo sabia perfeitamente distinguir entre os que têm acesso ao Mistério do Reino de Deus [iniciação mística cristã], por um lado, e o povo cristão, por outro lado; mas nem por isso Ele desprezou o povo cristão. É esta distinção que o Anselmo Borges parece não compreender, quando compara o catolicismo com o islamismo.
Falar em “Estado laico” no contexto islâmico é extremamente difícil. Em “O Ocidente e o Resto”, Roger Scruton mostra que a separação entre religião e o Estado foi em muito favorecida por uma característica do cristianismo, que separa em sua cosmovisão as duas searas (“Reino de Deus e Reino de César”). Ora, esta característica está totalmente ausente no islã, que confunde os dois elementos ao ponto de a política ser sempre encarada em termos religiosos e a religião ser quase sempre politizada.
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Comentar por Fábio V. Barreto — Domingo, 3 Abril 2016 @ 3:56 am |
Mas se você disser isso ao Anselmo Borges ele dirá que você é reaccionário.
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Comentar por O. Braga — Domingo, 3 Abril 2016 @ 10:08 am |
Veja que até o camarada Hollande é alvo de censura do politicamente correcto obamista: http://freebeacon.com/national-security/white-house-french-president/
Enquanto nos EUA eles fazem isso, cá temos colunistas que até escrevem jocosamente que “terrorismo islâmico” é um pleonasmo.
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Comentar por Eu Mesmo — Domingo, 3 Abril 2016 @ 9:13 am |
Um bom texto, que mostra o óbvio, mas que certos pseudo intelectuais insistem em não ver. Possivelmente, há cerca de 1400 anos quando o maomé andava nas suas guerras (eufemismo para matanças) a culpa já era do ocidente, etc.
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Comentar por asam — Domingo, 3 Abril 2016 @ 2:14 pm |